O indicado pela presidenta Dilma Rousseff para assumir a vaga deixada pelo ministro Cezar Peluso no Supremo Tribunal Federal, ministro Teori Zavascki, quando sabatinado pelo Senado Federal e ao responder a uma pergunta do líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), disse: "Eu acho que os observadores são mais habilitados para estabelecer rótulos. Eu acho que ser garantista ou não é tudo uma terminologia", afirmando, ainda, que o importante é o conteúdo das decisões. "Se ser garantista é assegurar aquilo o que está na Constituição, eu sou garantista, eu acho que todos devem ser garantistas. Mas o problema não é o rótulo, e sim saber como se interpreta a Constituição."
Mas, afinal, o que vem a ser um juiz garantista? Para tentar responder a esta complexa pergunta nada mais correto do que buscar na fonte e no principal autor sobre o tema. O jurista italiano Luigi Ferrajoli (in Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo:RT, 2002), apresenta três significados de garantismo: um primeiro significado, designa um modelo normativo de direito, principalmente, no que se refere ao direito penal, modelo de estrita legalidade, próprio do Estado de direito, que sob o plano político se caracteriza como "uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos"; em um segundo significado, designa "uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas não só entre si mas, também, pela existência ou vigor das normas." Mais adiante, Ferrajoli afirma que "o garantismo opera como doutrina jurídica de legitimação e, sobretudo, de perda da legitimação interna do direito penal, que requer dos juízes e dos juristas uma constante tensão crítica sobre as leis vigentes; em um terceiro significado, garantismo, para Luigi Ferrajoli, “designa uma filosofia política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade."
Decorre do modelo penal garantista a função de delimitar o poder punitivo do Estado mediante a exclusão das punições extra ou ultra legem, O referido modelo tem como pilar o princípio da legalidade estrita, proposto como "uma técnica legislativa específica dirigida a excluir, conquanto arbitrárias e discriminatórias as convenções penais referidas não a fatos, mas diretamente a pessoas e, portanto, com caráter constitutivo e não regulamentar daquilo que é punível". O princípio da legalidade estrita, diferente do "princípio da mera legalidade" – dirigido aos juízes -, dirige-se ao legislador, a quem prescreve a taxatividade, não se admitindo “normas constitutivas”, mas, tão somente "normas regulamentares" do desvio punível.
Ferrajoli propõe dez axiomas de garantias penais e processuais penais para o sistema garantista (SG), expressado como máximas latinas: A1 Nulla poena sine crimine; A2 Nullum crimen sine lege; A3 Nulla Lex (poenalis) sine necessitate; A4 Nulla necessitas sine imjuria; A5 Nulla injuria sine actione; A6 Nulla actio sine culpa; A7 Nulla culpa sine judicio; A8 Nullum judicium sine accusation; A9 Nulla accustio sine probatione; A10 Nulla probatio sine defensione.
Salo de Carvalho sintetiza os axiomas elaborados por Ferrajoli afirmando que o modelo teórico minimalista caracteriza-se por dez condições restritivas do arbítrio legislativo ou do erro judicial. Segundo este modelo, esclarece o autor, "não é legitima qualquer irrogação de pena sem que ocorra um fato exterior, danoso para terceiro, produzido por sujeito imputável, previsto anteriormente pela lei como delito, sendo necessária sua proibição e punição". Além, dos requisitos processuais, "a necessidade de que sejam produzidas provas por uma acusação pública, em processo contraditório e regular, julgado por um juiz imparcial".
Em relação aos fins da pena (intervenção penal) Ferrajoli, que sustenta a abolição gradativa da mesma e, para quem, a pena máxima não deveria superar dez anos de prisão, justifica a intervenção penal com o fim de se evitar penas arbitrárias. Já que é melhor, ou menos nocivo, um sistema penal nos moldes da intervenção mínima que respeite as garantias do que a abolição pura e simples que poderia dar lugar a vingança privada.
Por fim, ser garantista é, como disse o provável novo ministro do STF, assegurar o que está na Constituição, mas, não só isto, ser garantista é se tornar escravo dos princípios fundamentais da legalidade estrita, da culpabilidade, da lesividade, da presunção de inocência, do contraditório, do devido processo legal e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, corolário do Estado democrático de Direito.
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*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal da PUC/MG
*Thalita da Silva Coelho é advogada criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professora de Direito Penal da PUC/MG
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