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A fiança, o bem de família e o STF

Recentemente o mercado imobiliário, em especial, o de locação, foi assolado com uma decisão emanada pelo STF (RE nº 352.940-4) de lavra do Ministro Carlos Velloso, no qual o imóvel residencial é um bem de família, portanto, impenhorável mesmo que tenha sido dado como garantia à quitação de uma dívida contraída por meio de fiança.

10/10/2005


A fiança, o bem de família e o STF


Rodrigo Vallejo Marsaioli1*


Recentemente o mercado imobiliário, em especial, o de locação, foi assolado com uma decisão emanada pelo STF (RE nº 352.940-4) de lavra do Ministro Carlos Velloso, no qual o imóvel residencial é um bem de família, portanto, impenhorável mesmo que tenha sido dado como garantia à quitação de uma dívida contraída por meio de fiança.


Ao acolher o recurso, o ministro Carlos Velloso ponderou que, muito embora a Lei nº 8.245/91 permita a penhora de imóvel de família por "obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação" (artigo 3º, VII, da Lei 8.009/90, redação da Lei 8.245/91), o artigo 6º da Constituição Federal impede a constrição judicial. Segundo o ministro, esse impedimento se deu a partir da Emenda Constitucional nº 26, promulgada em 14 de fevereiro de 2.000, que incluiu a moradia entre os direitos sociais garantidos pela Constituição.


O artigo 6º da C.F., com a redação da EC nº 26, de 2.000, ficou assim redigido: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.


Contudo, parece-me que esta não foi o intuito do dispositivo constitucional em questão.


Inicialmente, ressalta-se que a decisão em análise contraria amplamente a forma com que os Tribunais Estaduais e o STJ vinham entendendo sobre a matéria.


Primeiramente, não se pode esquecer do conceito de fiança. Fiança. Vem do derivado do verbo fiar (confiar), originado do latim fidere, é aplicado na terminologia jurídica no mesmo sentido da fidejussio dos romanos. No dizer do saudoso CLÓVIS BEVILÁQUA, a fiança é a promessa feita, por uma ou mais pessoas, de satisfazer a obrigação de um terceiro, para maior segurança do credor (in “Direito das Obrigações”, edição histórica, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1.977, página 401).


Portanto, o fiador ao assinar o contrato de locação - comprometendo seu imóvel como garantia do liame locatício - tem plena ciência do ato praticado. Assim, a suposta ignorância do que se assina não pode subsistir.


Em segundo lugar, porque a lei de locação é precisa quanto ao tema. A intenção do legislador foi clara ao não estender os benefícios da impenhorabilidade do bem de família as dívidas oriundas dos débitos locatícios. A especificidade da norma, neste caso (mesmo que infra-constitucional), se sobrepõe ao caráter genérico da norma constitucional, que certamente buscava proteger outras hipóteses, que não a decorrente da fiança locatícia. O intuito da Emenda Constitucional em vigor era de apresentar uma regra, contudo, não estendê-la as exceções.


Aliás, parece-me claro e óbvio, que a intenção do legislador constitucional, ao editar a referida emenda, não era a de interferir nos contratos de locação já existentes (ato jurídico perfeito, expressamente previstos nos direitos e garantias individuais – (artigo 5º).


Em que pese, o contrato de fiança ser acessório ao de locação (devendo sua interpretação ser restritiva), as figuras de locatário e do fiador são distintas. Não tem a mesma isonomia. Muitas vezes, o fiador encontrar-se em situação desfavorável, e isso nem de longe, implica em imputar a suposta inconstitucionalidade da lei de locação.


Além disso, a norma que trata do direito a moradia (caput do art. 6º da CF) é programática, e, portanto, carece de regulamentação, sem a qual não possui eficácia plena (para que gere efeitos no plano da realidade jurídica, faz-se mister a regulação própria e específica, em que pese opiniões em contrário).


Logo, não havendo a referida regulamentação, vigentes estariam as exceções previstas na Lei nº 8.009/90, ou seja, permitida seria a penhora do único bem imóvel pertencente ao fiador.


Alicerça-se a isso, o fato de que o imóvel residencial é um patrimônio do devedor, contudo, um bem material, portanto, disponível (sujeito a ser dado em garantia).


Mas não é só.


A verificação do dispositivo constitucional não deve ser visto somente sobre a ótica da sistêmica jurídica, mas em relação a todos os efeitos que deste comando legal posam advir. O direito não é uma ciência estática e nem pode ignorar as outras ciências que em torno dela gravitam.


O direito, nos dias de hoje, tem uma íntima relação com as outras áreas/ciências, e, de forma alguma deve ser interpretado de forma autônoma. Não me parece correto interpretar o dispositivo legal em detrimento, por exemplo, a área econômica, mais especificamente ao mercado imobiliário (e mais a fundo, ao mercado locatício) e social.


Os efeitos da decisão acima citada não podem ser ignorados. O reboliço causado é latente. As relações entre locador e locatária estão mais a “flor da pele”. Explico: boa gama dos locadores estão dando preferência a outros meios de garantia para as locações em face da referida decisão. Contudo, pondere-se que os locatários – por vezes – não tem condição de efetuar um depósito caução (pelo desencaixe de valores) ou concretizar um seguro-fiança (pelos requisitos exigidos para tanto ou pelo valor exigido), o que, inevitavelmente, gerará um problema de habitação, pois com esta decisão os locadores vão procurar outras formas de garantias locatícias, e, não tendo condição os locatários (como antes dito), o DESPEJO é medida certa a ser adotada.


No mais, decisões como estas, via de regra, remetem ao abalo da imagem do país perante o mercado internacional, afetando, claramente, o índice de confiança do investidor no mercado doméstico.


Essas eram algumas considerações que entendia pertinentes a nova ótica do nosso Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, que com certeza ainda gerará muita discussão a respeito, sobretudo, em eventual decisão de uma das Turmas que o compõe ou, até mesmo, do seu Pleno, posto que, a decisão em exame é singular.
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1

Rodrigo Vallejo Marsaioli é advogado, formado em direito pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS e administração de empresas pela Faculdade de Administração de Empresas de Santos - FAES, pós-graduado em Direito pela UNISANTOS e membro da XIV Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-Seção São Paulo.

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* Advogado do escritório Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados.






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