Migalhas de Peso

Ministro Cezar Peluso

Na simplicidade com que ocorreu, a despedida de Peluso revestiu-se de rara grandeza institucional, moral e histórica.

30/8/2012

A despedida do ministro Cezar Peluso do Supremo Tribunal, na tarde de 29 de agosto de 2012, na simplicidade com que ocorreu, revestiu-se de rara grandeza institucional, moral e histórica.

Grandeza institucional: Como guardião maior da Constituição, com seu último voto, Peluso honrou mais uma vez, com a garra de sempre, a dignidade do poder judiciário, espancando e afugentando para longe as vãs suspeitas que rondavam aquela Suprema Corte, em função da desconfiança infiltrada no Legislativo, e do chamado "aparelhamento" do Executivo. Depois de sua fala ficou afastada a ameaça propalada por algumas Cassandras, da possível “petização” do Supremo, delirante heresia. Positivamente, o Brasil está muito longe de ser uma republiqueta latino-americana de bananas. Ao contrário de seus vizinhos, fragmentados após a independência, o Brasil conservou sua unidade e sua centralidade, seu eixo representado primeiro pela Coroa, e depois da República, pela União.

Grandeza moral: O ministro Peluso é o que tem a maneira mais direta de encarar as questões jurídicas, no Supremo. Ele não divaga, não foge ao foco, não pratica circunlóquios; vai direto ao ponto e não o perde de vista. Inimigo de formalismos, seu ataque da questão é cerrado, implacável, comandado por uma lógica flamejante, veemente. Sua veemência demonstra que ele, apesar da consistência de seu raciocínio, não é nenhuma máquina silogística, nenhum robô intelectual. Sua fala não esconde a indignação, como diz Marcelo Coelho. Mas o que falta dizer é que o sopro da indignação é o combustível que aciona e aguça sua inteligência, respondendo, paradoxalmente, pela sua maior imparcialidade. A força da indignação, em vez de cegar seus olhos, abre e dilata sua visão das coisas. Neste magistrado o brilho da inteligência corresponde à determinação do caráter.

Na última cena, de despedida, externa algumas palavras de há muito atravessadas em sua garganta, pedindo passagem. Confessa que o juiz não condena por ódio, mas forçado pela missão de cumprir a lei, mesmo com o coração confrangido. Lembra Santo

Agostinho ao mencionar que faz parte da misericórdia castigar.

Grandeza histórica: O julgamento do mensalão é um divisor de águas na história da democracia brasileira, e Peluso foi um dos protagonistas dessa transição da crença vacilante que se alastrava pelo país nessa forma de governo, para a renovação e o fortalecimento da fé democrática. Agora já não se pode dizer que “o mensalão não existiu”, que a justiça sempre absolve os colarinhos brancos, e que a farsa de um partido usurpando o governo deve durar para sempre. A postura majoritária da Suprema Corte ensina aos brasileiros que a política de Estado paira muito acima do maniqueísmo entre direita e esquerda. E que, enquanto existirem juizes em Brasília, a democracia estará a salvo.

Na expressão de outro talento jurídico, que escreve com o sabor dos clássicos, Celso de Mello, corruptos e corruptores são os “profanadores da República”, mas a hora do seu castigo chegou. Diríamos que, finalmente, fez-se ouvir no Supremo o “dies irae”. Não o ódio, mas a ira dos justos.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista





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