Da Nona Sinfonia disse o filósofo americano Santayana que o mundo foi criado para que ela fosse composta. É a maior explosão de entusiasmo messiânico na história cultural do Ocidente, um feito de grandiosidade esmagadora no qual ressoa o espírito das catedrais góticas espalhadas por toda a Europa, a épica dos cantos medievais, as tragédias de Shakespeare, a profundidade do romantismo alemão, as vozes de Victor Hugo, e o êxtase do poema de Schiller, saudando o advento da Alegria vinda do céu para afagar toda a humanidade.
A Nona Sinfonia não constitui patrimônio exclusivo da cultura alemã. É a Europa unida que canta em seu coro, são as vozes de todos os povos que se irmanam, exprimindo a máxima dilatação do humano, transpondo barreiras e limitações de classes, nações e culturas, confraternizadas num todo uníssono graças à efusão universal da Alegria descida do alto.
Montesquieu, no século 18, dizia ser a Europa "uma nação composta de muitas outras", e Balzac falava na "grande família continental, na qual todos os esforços tendem a não sei que mistério de civilização". Em outras palavras: "a unidade da Europa como sociedade não é um 'ideal', e sim um fato de muita antiga cotidianidade" (Ortega y Gasset).
E mais: do ponto de vista social e cultural, não seria exagero dizer que a sociedade européia precede as nações européias, visto que estas nasceram no regaço maternal daquela. Em suma, a unidade européia não representa nenhum objetivo distante a ser um dia alcançado; ela está inscrita nos corações e mentes de todos os europeus, unidos por usos e crenças comuns, valores e projetos equivalentes, cultura, ciência, economia e direito permutáveis.
De onde se segue que a resistência dos Estados europeus a abrir mão das soberanias nacionais, a favor da unificação da política econômica européia (que seria a salvação do euro), constitui uma posição falsa, um estrabismo histórico fatal, que coloca em risco a sobrevivência política e econômica do continente inteiro. Só os cegos não enxergam no horizonte os acenos cada vez mais próximos do futuro Estados Unidos da Europa. Chegou a hora de trocar as soberanias nacionais, fechadas em si mesmas, pela soberania compartilhada, em nome da salvação da Europa como um todo. Porque em sua realidade histórica, social e cultural a Europa forma uma unidade indissolúvel. Por que seria diferente na economia?
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista
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