Estampa o Diário Oficial da União de 19/7/2012, a lei 12.688, que tem por sumário:
"Autoriza a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás) a adquirir o controle acionário da Celg Distribuição S.A. (Celg D); institui o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies); altera as leis 3.890-A, de 25 de abril de 1961, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.887, de 18 de junho de 2004, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 11.033, de 21 de dezembro de 2004, 11.128, de 28 de junho de 2005, 11.651, de 7 de abril de 2008, 12.024, de 27 de agosto de 2009, 12.101, de 27 de novembro de 2009, 12.429, de 20 de junho de 2011, 12.462, de 4 de agosto de 2011, e 12.546, de 14 de dezembro de 2011; e dá outras providências".
Desse conjunto de normas legais alteradas, verifica-se que importância foi dada a apenas um dos trinta e dois artigos que compõe a lei 12.688/2012, qual seja, o art. 28 que promove modificações redacionais aos arts. 1º e 43 da lei 12.462/2011. Este diploma cuida do que se rotulou de "Regime Diferenciado de Contratações (RDC)", nascido para reger as licitações e contratos necessários à Copa do Mundo de Futebol de 2014, à das Confederações de 2013 e às Olimpíadas de 2016.
Falou-se em "dar importância" ao citado dispositivo porque todos os meios de comunicação, sem exceção, pontuaram o significado prático do indigitado art. 28, até porque a comandante da Nação Brasileira veio a público parlar aos seus súditos para acentuar que o RDC foi criado inicialmente para acelerar as obras das Copas das Confederações de 2013, do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, conferindo flexibilização às regras para licitações governamentais, tornando o processo mais ágil e menos rigoroso.
A Presidenta disse: "Nós alteramos vários procedimentos para acelerar as obras. Queria lembrar que, como é PAC, incide sobre essas obras o processo de simplificação que é o RDC, uma variante do regime de licitação".
Como plano do Governo Federal, o alcunhado "Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)" foi gerado para estimular o crescimento da economia brasileira mediante investimentos em obras de infraestrutura (portos, rodovias, aeroportos, redes de esgoto, geração de energia, hidrovias, ferrovias, etc.).
Vê-se que a carona dada ao PAC na "caçamba" do RDC seguiu o mesmo caminho tortuoso trilhado quando da aprovação deste regime flexibilizado de contratações pelo setor público.
O RDC foi introduzido no meio do processo legislativo atinente à Medida Provisória 527/11 que versava sobre a estrutura organizacional e as atribuições dos órgãos da Presidência da República.
A extensão do RDC ao PAC foi embutida no Projeto de Conversão da MP 559/2012. Esta tratava originalmente de autorização para as Centrais Elétricas Brasileiras S. A. – Eletrobrás – adquirir participação na Celg Distribuição S. A.
Aliás, a inserção de matérias totalmente diferentes da tratada quando da edição de Medidas Provisórias parece ter sido uma estratégia bastante comum. O Poder Executivo valendo-se de sua base e de seus aliados no Congresso Nacional obtia a aprovação de normas de seu interesse, encurtando o processo legislativo.
Registre-se, como curiosidade, que essa prática de incluir emendas de última hora no texto de MP’s foi apelidada de "jabutis" pelos senadores.
Sem maiores problemas com os ambientalistas, o Supremo Tribunal Federal exterminou os "jabutis".
Com o RDC instituiu-se nova sistemática no tramitar das licitações para as situações nele tratados. A sequência procedimental de exame e análise das fases de habilitação e julgamento das propostas prevista na lei 8.666/93 foi invertida. Foi transferida ao contratado a responsabilidade pela elaboração dos projetos das obras. Não é divulgado o orçamento prévio. Houve a redução dos prazos entre a divulgação do edital e a abertura das propostas.
Ataques vorazes foram desferidos contra esse Regime Especial para determinadas licitações.
Primeiramente, partidos de oposição (PSDB, DEM e PPS) ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF e, logo em seguida, o próprio Procurador-geral da República aforou nova ADIn que tomou o 4.655 e ficou também sob a batuta do Ministro Luiz Fux.
Naquela ocasião propagou-se que padecia a lei de criação do RDC de manifesta inconstitucionalidade formal e de vícios materiais.
Em seu arrazoado o ínclito Procurador-geral afirmou que os dispositivos referentes ao RDC são inconstitucionais porque ferem os balizamentos que necessariamente devem ser observados pelas normas infraconstitucionais que regulam as licitações e os contratos administrativos no país.
Segundo o preclaro GURGEL, a regra que assegura a igualdade de condições a todos os concorrentes nas licitações não é respeitada na lei 12.462/11 porque a norma não fixa parâmetros mínimos para identificar as obras, os serviços e as compras que deverão ser realizadas por meio do RDC. "Não há reitere-se, qualquer parâmetro legal sobre o que seja uma licitação ou contratação necessária aos eventos previstos na lei, outorgando-se desproporcional poder de decisão ao executivo".
Relativamente à extensão do RDC ao PAC, é verossímil que, não só pelo anúncio feito pelos Senadores que tentaram impedir que tal acontecesse por emendas na redação da MP, a discussão jurídica sobre a legalidade da ampliação deságue no STF novamente.
Assim como se reputava que o RDC para as obras das Copas e Olimpíadas traria prejuízos ao patrimônio público, o mesmo se diz da extensão.
Ventila-se que o pretexto da emergência para as obras da Copa – o mesmo para obras PAC - já não encontrava justificativa real, não será agora que se mostrará concreto diante de tantos exemplos de obras licitadas paradas.
Apura-se o procedimento licitatório e se alcança a contratação, mas casos não raros indicam que tudo acaba por revelar um açodamento porque o objeto contratado não chega a ser fielmente executado.
Todavia, não importa acender o debate entre as benesses trazidas com o RDC e as falácias do sistema ou se filiar em determinada corrente de pensamento.
Revela-se imperioso, sim, concitar todos, em especial a comunidade organizada, a cobrar o estabelecimento de uma sistemática coerente e organizada para tratar sobre as contratações públicas.
Lembre-se que em 28 de janeiro de 2007 foi lançado o PAC que trouxe em seu bojo medidas rotuladas como de gestão pública, entre as quais o aceno à adoção de novas tecnologias de informação visando o aumento da transparência e da eficiência nas contratações governamentais, além de propostas para a agilização dos processos licitatórios.
Em regime de urgência, depois retirada, o Poder Executivo encaminhou mensagem com projeto de lei para atualizar a lei 8.666/93.
Após diversos debates, o processo simplesmente adormeceu em berço esplêndido.
Vê-se de um lado, o Executivo atropelar com Medidas Provisórias e o Legislativo dividido entre uma parcela que se mostra servil e outra que chora copiosamente porque está tendo a sua função normativa usurpada.
É preciso acabar com o casuísmo legislativo. Se há um Estatuto Nacional de Licitações defasado proceda-se a sua revisão para ajustá-lo às atuais necessidades, se assim for entendido, ou a contrário senso, julgando-se adaptado, deixe-se de dilacerar o diploma tornando-o uma colcha de retalhos.
Velhas, mas não superadas, são as lições que procuraram enfatizar a necessidade da existir uma convivência harmoniosa entre os poderes da república, bem assim que cada qual deve desempenhar com solércia a sua tarefa constitucional.
Professou José de Alencar:
"Cada um deve ocupar-se do que lhe é ordenado; e aquele não merece mais, que só cumpre o seu dever".
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1Art. 28. Os arts. 1o e 43 da Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 1o ( ... ). I – ( ... ); IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). ( ... ).” (NR).
"Art. 43. Na hipótese do inciso II do art. 57 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, os contratos celebrados pelos entes públicos responsáveis pelas atividades descritas nos incisos I a III do art. 1o desta Lei poderão ter sua vigência estabelecida até a data da extinção da APO." (NR)
2O Decreto 7.581, de 11.10.2011, traz o Regulamenta do Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, de que trata a lei 12.462, de 5 de agosto de 2011.
3Projeto de Lei de Conversão da MP 527/11.
4Projeto de Lei de Conversão 13/2012.
5Assunto a ser tratado em outra ocasião.
6A licitação sob a modalidade de pregão regulada pela lei 10.520, de 17/07/ 2002, e regulamentada pelo decreto 3.555, de 8/8/2000, vem concebida nesses termos e parece ter sido a fonte inspiradora.
7Verbete 137 - Migalhas de José de Alencar. Livraria Migalhas.
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*Sidney Martins é coordenador do núcleo de Direito Público e da Controladoria de Qualidade do escritório Küster Machado – Advogados Associados.
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