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Não há direito adquirido à sonegação tributária

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 558633 , cujo relator foi o Ministro Francisco Falcão, reconheceu o direito de a Fazenda Nacional “quebrar” o sigilo bancário para investigar as informações sobre as CPMF’s pagas pelos contribuintes, mesmo para os fatos geradores ocorridos antes da edição da Lei nº 10.174/2001.

13/9/2005


Não há direito adquirido à sonegação tributária


Tânia Nigri*


O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 5586331 , cujo relator foi o Ministro Francisco Falcão, reconheceu o direito de a Fazenda Nacional “quebrar” o sigilo bancário para investigar as informações sobre as CPMF’s pagas pelos contribuintes, mesmo para os fatos geradores ocorridos antes da edição da Lei nº 10.174/2001.


A Lei nº 10.174/01 que alterou a Lei nº 9.311/96, passou a permitir o que antes era vedado expressamente, qual seja, a utilização das informações decorrentes do cruzamento entre os dados da CPMF e as declarações de renda2 , com o intuito de proceder ao lançamento dos impostos supostamente sonegados.Do cotejo dos artigos acima mencionados, conclui-se que a intenção do legislador foi a de facilitar o poder investigatório do Fisco, dificultando, assim, a sonegação do contribuinte, o que foi fortemente auxiliado pela exclusão da limitação administrativa de comparação dos dados do CPMF com aqueles prestados espontaneamente pelo contribuinte.


Muitos contribuintes demonstraram inconformismo com o fato do normativo estar sendo aplicado a fatos geradores ocorridos antes da sua vigência, o que, segundo alegavam, estaria maculando a Constituição Federal no tocante ao princípio da irretroatividade.


A Administração Tributária, por sua vez, argumentou que o lançamento tributário, de acordo com o artigo 144, § 1º, do Código Tributário Nacional, teria caráter retrospectivo, reportando-se, quanto aos aspectos materiais, à data da ocorrência do fato gerador da obrigação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. No que tange aos aspectos formais, a legislação que tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgando ao crédito maiores garantias ou privilégios, teria aplicabilidade imediata, não se configurando hipótese de aplicação retroativa da lei.Acrescentavam ainda, que o princípio da irretroatividade não encontraria sede na Lei Maior, razão pela qual não haveria que se falar em inconstitucionalidade alguma.


A irretroatividade é um princípio albergado no Código Tributário Nacional e atine somente aos aspectos materiais do lançamento, não alcançando a formalização do crédito tributário. Portanto, para a apuração do quantum do imposto para o qual já havia a definição do fato gerador, como é o caso do Imposto de Renda de renda e do IOF, entre outros, não se vislumbraria ilicitude alguma em calculá-lo com base em informações bancárias obtidas a partir da CPMF, vez que se trata apenas de um novo meio de fiscalização3 .


Tal posição foi acolhida pelo STJ que, por unanimidade, acolheu o entendimento do Relator do Recurso Especial, ressaltando que as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante sua vigência. Ressaltou-se, entretanto, que a Lei nº 10.174 poderá ser aplicada ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador tenha ocorrido anteriormente à sua vigência, desde que a constituição do crédito não esteja alcançada pela decadência.


Observa-se, neste caso, a predominância do bom senso e da moralidade, já que não se poderia imaginar que um país sério garantisse o direito adquirido à sonegação tributária, devendo prevalecer sempre o interesse público sobre o particular para que se busque, com maior efetividade, a realização da tão sonhada e ainda tão longínqua justiça fiscal.
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1 Segundo informa o “site” do Superior Tribunal de Justiça de 01/09/2005, no ano de 2001 a Delegacia da Receita Federal em Londrina pediu a “quebra”do sigilo bancário de um comerciante cuja investigação preliminar apurou uma movimentação de mais de R$ 2,5 milhões em contas de sua titularidade nos bancos HSBC e BANESTADO, não tendo constado tais valores da declaração de rendimentos do Imposto de Renda referente ao mesmo ano calendário. À época da movimentação, a legislação obrigava que todo contribuinte que tivesse recebido valor superior a R$ 10.800,00 anuais, deveria fazer o ajuste anual com o Fisco. Para investigar a incongruência, foi instaurado procedimento fiscal.
Inconformado com a quebra de seu sigilo bancário, o comerciante ingressou com mandado de segurança, para que fosse considerada inconstitucional a exigência das informações requeridas pela Receita Federal. O pedido foi negado pela 3ª Vara Federal de Londrina (PR). Ao apelar, o contribuinte teve o pedido novamente negado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre (RS).
O acórdão do TRF dispunha que "a legislação prevê o repasse de informações sobre operações bancárias pela instituição financeira à autoridade fazendária, bem como a possibilidade de utilização dessas informações para (...) verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento do crédito porventura existente".
Diante disso, o comerciante apresentou recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça que em decisão individual do ministro Francisco Falcão, indeferiu o pedido do contribuinte, o que foi confirmada por unanimidade no julgamento do agravo regimental , ocorrido em 23/08/2005, na Primeira Turma.

2 O artigo 11, parágrafo 3º, da Lei nº 9.311/96, que instituiu a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, tinha a seguinte redação: Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação. (…) parágrafo 3º - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos. (grifamos). A Lei nº 910.174/01 reza o seguinte: "Art. 11- (…) § 3o - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. (grifou-se)

3 Com base em reportagem publicada pela Revista Veja, de 20 de setembro de 2000, em que se fazia alusão a um estudo da Receita Federal, onde foram cruzados os dados obtidos da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira) com os dados sobre pessoas físicas e jurídicas que não apresentaram declaração de Imposto de Renda ou se declararam isentos no ano de 1998, o Ministério Publico Federal procedeu a investigações, solicitando a quebra dos sigilos bancário e fiscal de 81 pessoas. Alegando que a quebra de sigilo estaria ferindo garantias constitucionais, o investigado impetrou um mandado de segurança, negado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendeu ser a ordem judicial de quebra de sigilo bancário formalmente adequada. Visando modificar tal decisão do TRF e, assim, impedir a quebra dos sigilos bancário e fiscal, o investigado interpôs recurso para o Superior Tribunal de Justiça, argüindo "ausência de previsão legal para a medida interposta pelo Ministério Público Federal", já que, segundo alegava, não seria permitida a utilização dos informes relativos ao recolhimento de CPMF para, em relação ao ano de 1998, constituir outros créditos tributários.

De acordo com o recurso, a medida estaria contrariando o princípio do contraditório e da ampla defesa, além de caracterizar abuso de poder. Para a defesa, "os dados relativos à movimentação financeira são invioláveis, em face de norma constitucional que protege a privacidade e a intimidade".

No recurso, a defesa do investigado afirmou que a Lei 9.311/96 vedava a utilização dos informes referentes à CPMF para a constituição ou lançamento de outros tributos. Além disso, segundo o recurso, a Lei 10.174/01 não poderia ser aplicada ao caso porque "a legislação tributária só retroage quando for mais benéfica ao contribuinte".

O ministro Paulo Medina rejeitou o pedido, entendendo que "não há direito líquido e certo em manter o sigilo bancário individual contra o interesse público, despertado em função de fundada suspeita quanto ao cometimento de ilícito penal". Dessa forma, fica mantida a decisão que autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal na investigação do MPF sobre possível sonegação fiscal. "O procedimento de investigação preliminar decorre de autorização legal, inserida na Carta Magna dentre as atribuições do Ministério Público, artigo 129, inciso VI, VII e IX", destacou o relator.

Segundo o ministro, a investigação do MPF "é procedimento administrativo que tem por escopo reunir elementos capazes de formar convencimento sobre a ocorrência ou não de fato relevante para o Direito Penal e, por sua natureza inquisitiva, pré-processual, não está submetido ao crivo do contraditório, que será exercido eventual e oportunamente, de modo amplo, após formada a lide, na instrução criminal".

Paulo Medina ressaltou que o início da ação penal "não depende, para sua propositura, do término do procedimento administrativo", por serem processos autônomos. O relator também rejeitou a afirmação da defesa do investigado de que não seria possível a análise da movimentação da CPMF em 1998. "Não procede o argumento de que os informes relativos a 1998 são indenes à investigação criminal, quer porque prevalece, no caso, o interesse público sobre o particular, quer porque o dispositivo legal invocado vedava a utilização de tais informações para fins de constituição de crédito fiscal e não para averiguar o cometimento de delitos fiscais".

O ministro destacou ainda estar correta e bem fundamentada a decisão judicial que decretou a quebra dos sigilos, por não ofender "nenhum dispositivo legal nem qualquer garantia individual albergada no texto constitucional". Paulo Medina finalizou seu voto lembrando precedente do STJ no mesmo sentido do seu entendimento de que o MP é legítimo "para requerer ao Poder Judiciário a quebra de sigilo bancário porquanto a ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público".

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*Advogada e mestre em Direito Econômico pela UGF/RJ






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