Migalhas de Peso

O Ministério Público e o poder de investigar

Não há como discordar do Procurador-Geral do MP: investigar é vocação do Ministério Público

2/7/2012

Não há como discordar do procurador-geral do MP, Dr. Márcio Fernando Elias Rosa: "investigar é vocação do Ministério Público" (O Estado de S. Paulo, 28/6/2012). Argumenta o procurador-geral que não se trata de usurpar a função da polícia judiciária e sim de complementá-la. Poderíamos indagar: complementar por que, se a Polícia dispõe de todos os meios de investigação?

A resposta é que no curso da investigação policial interferem fatores fora do controle da polícia que podem desviar o trabalho policial do seu rumo. O inquérito, por mais competente e honesto que for, não está livre de interferências estranhas que alteram as provas. Data venia, permito-me citar um caso de alteração da prova no inquérito, descoberto pelo meu saudoso irmão, Luiz de Mello Kujawski, promotor de Justiça, então funcionando na vara do júri, na capital paulista. Tratava-se de um homicídio perpetrado no interior de um bar situado no centro da cidade. Constavam fotos do local do crime. Ocorre que o promotor desconfiou de algo errado. Dirigiu-se ao bar em questão e encontrou o local completamente modificado. Em conversa com o dono, um senhor lusitano, este se explicou: - De fato, a disposição dos móveis era outra. Mas depois do crime apareceu por cá um senhor sugerindo que o ambiente ficaria melhor para os fregueses se eu mudasse a posição dos móveis. Quem seria o mencionado personagem? Até hoje não se sabe. Mas o fato é que sem a investigação por conta própria feita pelo promotor, o julgamento tomaria rumo diverso.

Como se vê, o poder de investigação serve para garantir a integridade das provas na medida em que os policiais não estão livres de intromissões indevidas na sua produção. Como fiscal da lei o promotor não pode ter cerceado seu poder de investigação.

Um dos argumentos mais frequentes e mais inconsistentes esgrimidos pelos que defendem o monopólio da investigação policial, é que "o MP é parte no processo, não tem como ser imparcial". Por este argumento, o promotor jamais poderia pedir a absolvição do réu, em parceria com a defesa.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o procurador de Justiça, Dr. João Benedicto Azevedo Marques, em lúcido raciocínio, desfaz mais uma confusão que está na base dos censores do MP. É a confusão entre "direção do inquérito" e "faculdade de investigação". Argumentando com o episódio do esquadrão da morte, em São Paulo e no Espírito Santo, desbaratados graças à ação de promotores destemidos, como Hélio Bicudo e outros, e casos afins, e mencionando o artigo 129 da Constituição e a Lei Orgânica do Ministério Público, o jurista Azevedo Marques conclui: "Como se vê, a polícia tem o monopólio da direção do inquérito, mas não da investigação" (Folha de S. Paulo, 23/6/2012).

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista





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