Migalhas de Peso

A lei de licitações está caduca e inoperante? Houve a flexibilização de seus termos?

Tramita no legislativo um PL estruturando novo diploma para a lei de licitações, e parece não ter fim.

2/7/2012

Em meados de 1993 nasceu a Lei de Licitações com cento e vinte e seis artigos.

As contratações no setor público vinham reguladas em parcos e minguados artigos insertos no corpo do famigerado Decreto-lei 200/67 que cuidava da chamada reforma administrativa.

Ao longo de sua existência a lei de Licitações sofreu algumas alterações. Surgiram dezessete leis procedendo a modificação do texto original1. Paralelamente, outros diplomas trouxeram outras novidades2.

Tramita no legislativo federal PL estruturando um novo diploma. Talvez não seja correto dizer "tramita". O mais adequado seria falar: está encalhado na Casa Legislativa Federal!

Sob o influxo do criado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Poder Executivo Federal foi quem apresentou dito Projeto em regime de urgência.

Na Câmara de Deputados, o texto foi aprovado, com alterações, no dia 2 de maio de 2007, tendo a sua redação final naquela Casa sido consolidada no PL 7.709-A.

No Senado Federal, a proposição recebeu o número de PL 32/2007, tendo sido aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em 30 de maio de 2007, e pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), 12 de junho, e encaminhado à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em 28 de junho de 2012, entregando-se a Relatoria ao Senador Eduardo Suplicy.

Antes, a urgência prevista no artigo 64 da Constituição Federal, para a tramitação da matéria, foi retirada por aprovação do Plenário do Senado, em 27 de junho de 2007, em atendimento à Mensagem 102/2007 do próprio Presidente da República.

A gestação desse Projeto parece não ter fim.

Nele mantiveram-se disposições e se conceberam sistemas que estariam a retratar um avanço na desburocratização dos procedimentos licitatórios.

Escapa ao âmbito destas considerações tergiversar sobre o conteúdo da proposta. Fica para outra oportunidade.

Estes rabiscos foram motivados pela avalanche de notícias dando conta dos "lobbies" em certames licitacionais e celebração de "contratos mascarados" do Poder Público com terceiros.

Daí a razão da formulação das perquirições preambulares.

Deixando adrede o casuísmo do Regime Diferenciado das Contratações Públicas – RDC3 que certamente flexibilizou as licitações para as obras e serviços relacionados com a copa do mundo de futebol no Brasil em 2014 e as Olimpíadas de 2016, matéria também reservada para abordagem oportuna, voltem-se os olhos para as modificações fora desse contexto.

Nesse diapasão, vê-se que os dispositivos que tratam sobre condutas delituosas (crimes licitacionais) são rigorosamente os mesmos nos quase dezenove anos de vigência da lei 8.666/93. Como a regra é licitar e a contratação direta a exceção, passando em revista rápida os artigos que tratam desta última, constata-se que:

- originalmente a lei, em enumeração taxativa, dispôs sobre os casos de dispensa de licitação no art. 24, em quinze incisos, ao passo que, no art. 25 cuidou-se das hipóteses de inexigibilidade em três incisos, mas com caráter meramente exemplificativo.

Nenhuma modificação sofreu o art. 25 até agora. O mesmo não se pode dizer acerca do art. 24. Novas situações autorizativas para a contratação sem licitação foram adicionadas.

Nitidamente dentro das conveniências do Poder Executivo, dezesseis hipóteses novas surgiram.

Permite-se a contratação direta, com dispensa de licitação, para:

1) Obras e serviços de engenharia de valor até 10% do valor legalmente estabelecido, modalidade convite, limite de 150 mil;

2) Outros serviços e compras de até 10% do estabelecido, modalidade Convite, 80 mil;

3) Casos de guerra ou grave perturbação da ordem;

4) Casos de emergência ou calamidade pública;

5) Se não houve interessados na anterior e a Administração não puder repetir o procedimento sem sofrer prejuízo;

6) Quando União intervier no domínio econômico;

7) Quando os preços apresentados forem manifestadamente superiores aos praticados no mercado nacional;

8) Quando envolver exclusivamente Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno;

9) Quando houver possibilidade de comprometimento da Segurança Nacional;

10) Para compra ou locação de imóvel à administração cuja necessidade e instalação de escolha sejam condicionadas;

11) Para contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento resultante de rescisão contratual;

12) Compras de gêneros perecíveis, pão e hortifrutigranjeiros;

13) Para contratar instituição brasileira de pesquisa do ensino ou instituição dedicada na recuperação social de presos;

14) Para aquisição de bens ou serviços, nos termos de acordo internacional específico;

15) Para restauração de obras de arte, objetos históricos;

16) Para impressão dos diários oficiais e formulários produzidos de uso da administração e prestação de serviços, informática;

17) Compras de peças originais nacionais ou estrangeiras para equipamento com garantia, junto ao fornecedor original;

18) Compras e contratações de serviços para abastecer navios e embarcações, unidades aéreas ou tropas com movimentação operacional ou adestramento;

19) Compra de materiais de uso das Forças Armadas, manter padronização;

20) Contratação de Associação de portadores de deficiências para fornecimento demão de obra ou prestação de serviços;

21) Aquisição de bens exclusivos para pesquisa cientifica e tecnológica com recursos da CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico);

22) Contratação de fornecimento de energia e gás natural;

23) Contratação de empresas públicas e sociedade de economia mista com suas subsidiárias;

24) Celebração de contratos de prestação de serviço com organizações sociais (ensino, cultura, saúde, preservação do meio ambiente, pesquisa científica ou tecnológica);

25) Contratação realizada por instituição cientifica e tecnológica (ICT) para transformação de tecnologia e licenciamento do direito de uso;

26) Para contrato de programa com entidades da Federação ou entidade administração indireta para prestação de serviço público de forma associada;

27) Contratação para coleta, processamento e comercialização de recicláveis ou reutilizáveis de coleta seletiva de lixo;

28) Fornecimento de bens ou serviços produzidos e prestados no País de alta complexidade tecnológica e defesa nacional;

29) Aquisição de bens e contratação de serviços para atender aos contingentes militares das Forças Singulares brasileiras empregadas em operações de paz no exterior;

30) contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei Federal;

31) contratação por órgãos e entidades da administração pública de empresa, consórcio de empresas e entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos, visando à realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento que envolvam risco tecnológico, para a solução de problema técnico específico ou obtenção de produto ou processo inovador;

Com o rótulo de licitação inexigível diante da presença de elementos que indiquem a inviabilidade do estabelecimento de competição entre possíveis contratados, a lei 8.666/93 declina os seguintes exemplos de situações que autorizam a contratação direta do particular:

a) aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo;

b) contratação de serviços técnicos enumerados de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

c) para contratação de profissional de qualquer setor artístico, consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Destarte, não há como esconder, pelo simples fato do aumento dos casos de dispensa, a flexibilização da lei neste ponto em particular.

Com o quadro aqui desenhado, sem preocupação de cunho jurídico-científico, revela-se que urge acelerar a meditação em torno das indagações apresentadas, de molde a não ficar assistindo passivamente a "carruagem andar" ou a "caravana passar"!

José de Alencar há algum tempo vaticinou:

"Compreende-se que a lei, filha da necessidade e gerada ao influxo das ideias do momento, nem sempre seja a expressão fiel da ciência, compreende-se que a lei, radicada no espírito e no coração do povo, resista por muito tempo à razão que a procura extirpar ou mudar"4.

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1Leis: 8.883/1994; 9.032/95; 9.648/98; 9.854/99; 10.973/04; 11.079/04; 11.107/05; 11.196/05; 11.945/07; 11.481/07; 11.484/07; 11.763/08; 11.783/08; 11.952/09; 12.188/10; 12.349/10 e 12.440/11.

2Lei 10.520/2002 (Licitação sob a modalidade de Pregão); lei 11.079/2004 (normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública); e lei 12.232/2010 (normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda).

3Lei 12.462, de 4/8/2011.

4Migalhas de José de Alencar. A propriedade. RJ. B. L. Garnier – Livreiro Editor, 1883.

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* Sidney Martins é coordenador do Núcleo de Direito Público e da Controladoria de Qualidade do escritório Küster Machado – Advogados Associados

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