"Todos são iguais perante a lei"
(Constituição de 1891, Art. 72)
O enunciado poderia ser lacônico, como na primeira Constituição republicana; ou esparramado, como se dá com a atual. Até mesmo a Carta ditatorial de 1937, e a Constituição apressada de 1967, não deixaram de proclamar que todos nos achamos em pé de igualdade diante da lei, do humilde morador de rua, ao presidente da República.
A existência de foro privilegiado não deixa, portanto, de caracterizar transgressão ao fundamental princípio republicano de paridade. Privilégio, segundo os dicionários deriva do latim privilegium, ou privus+lex, com o significado de lei ou medida tomada em favor de alguém, ou lei de distinções, quando justo seria que houvesse tratamento isonômico.
Já na Constituição de 1891 competia ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originária e privativamente, o Presidente da República e Ministros de Estado, nos crimes comuns, e Ministros diplomáticos, nos crimes comuns e de responsabilidade (Art. 59). Antes, porém, seriam submetidos à deliberação política no Senado, que lhes poderia resultar em perda do cargo, e incapacitação para o exercício de qualquer outro, “sem prejuízo da ação da justiça ordinária, contra o condenado” (Art. 53).
Guardadas as diferenças, continua a ser assim. Aumentou, todavia, e de forma avassaladora, o número dos que passaram a gozar de foro privilegiado. O rol encontrado no Art. 101 da Lei Superior beneficia, nas infrações penais comuns, além do presidente, e dos ministros, o vice-presidente, membros do Congresso, os próprios integrantes do Supremo, o procurador-geral da República; nas infrações penais comuns e crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, membros dos tribunais superiores, e do Tribunal de Contas da União, e chefes de missões diplomáticas de caráter permanente. Na ação penal do "mensalão", além de medalhões políticos, já cassados, encontramos banqueiros, bancários, empresários, publicitários, militantes partidários, cabos eleitorais.
O problema da morosidade, que embaraça a causa do "mensalão", não tem como único vetor a elasticidade do foro privilegiado. A prolixidade da Constituição, e as constantes alterações que sofre, afrouxaram as competências originais do Supremo, em desacordo com a razão de ser da corte suprema. Hoje lhe são enviados, em grau de recurso extraordinário, milhares de demandas comuns, como prazo de aviso prévio, questões de insalubridade, litígios em torno de estabilidade de empregados admitidos no regime da CLT, conflitos de representação sindical. Tudo porque a Carta Magna incorporou matérias de lei ordinária.
No processo do "mensalão" o povo se admira da presença de tantos acusados. O lento arrastar da ação decorre da natureza da causa, mas, também, da sobrecarga imposta pela Constituição ao STF, que deixou de ser corte constitucional por excelência, para se transformar em terceiro grau de jurisdição.
O regime militar, com o objetivo de quebrar a espinha dorsal do Tribunal, ampliou o número de ministros de 11 para 16. A experiência durou pouco, e gerou maus resultados. A solução reside na redução da carga de trabalho, conforme escreveu, em 1918, Carlos Maximiliano, nos Comentários à Constituição Brasileira de 1891. Observou o jurista: "A semelhança do que sucedeu com os Estados Unidos e a Argentina, acha-se o Brasil em face de um problema cuja solução se impõe – aliviar a Corte do excesso de trabalho, do qual não dá conta". A carga, já demasiada, tem se tornado, a cada ano, mais insuportável. Mesmo em questões comum são impetrados recursos extraordinários, com fins protelatórios. Não há como negar o passo arrastado da Ação Penal 12-MG, conhecida "mensalão". Apesar das providências tomadas pelo Ministro Ayres Brito, não é de todo impossível que os acusados venham a se safar pela prescrição.
Com cerca de sessenta emendas, mais uma não viria a afetar a lei Superior, para aliviá-la do excesso de peso, e restringir os privilegiados pelo Foro Especial. Como exemplo, poder-se-ia tomar a regra da Constituição de 1891. Não haveria retrocesso, mas, sim, significativo avanço.
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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
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