Migalhas de Peso

Predador

O cronista, inspirado com o inverno, fala sobre as situações extremas da nossa natureza.

25/6/2012

O frio na madrugada foi daqueles de congelar uísque com pedra de gelo no copo. Ontem à noite um amigo piloto me prometeu carona num voo à Antártica.

A palavra, na origem, não tem nada a ver com a cerveja que, para quase todos nós, é coisa muito antiga, bem do tempo em que se esfriava água de beber em pote de barro. E cerveja também. Do tempo em que se abria garrafa de vinho sem saca rolha.

Sabes como se abria garrafa de vinho sem saca rolha? Com uma toalha enrolada em forma de rodilha apoiada na parede. Batia-se o fundo da garrafa na rodilha e depois de alguns minutos batendo, batendo, a pressão do vinho expelia a rolha.

Naquele tempo saca rolha era uma coisa obscena, criança não podia ver porque era associada ao sexo dos suínos, que as crianças estavam velhas de ver, às escondidas, nos fundos dos quintais.

E a cerveja que com a chegada da geladeira os fissurados na loura gelada querendo véu de noiva, mas sem noção da temperatura, deixavam congelar? O segredo estava em alisar com as pontas dos dedos num exercício de leveza e paciência as bordas do fundo da garrafa. Casco escuro, preferencialmente.

A palavra antártica, não a que deu fama à cerveja, mas a que denomina o continente gelado do nosso e ainda habitável planeta, vem do grego – antarktikos, oposto a ártico. Somam-se 14 milhões de quilômetros quadrados em derredor do polo sul, completamente cobertos de gelo.

Houve um tempo em que sob o insuportável calor que volta e meia acomete a ilha do amor, principalmente à noite quando as muriçocas suburbanas voam com uma asa só porque a outra asa é para se abanarem, houve um tempo em que a minha vontade maior foi querer ir à Antártida.

Ver aqueles pinguins em seu jeito de andar meio pendular como se imitassem os pinguins do desenho animado da televisão portuguesa, constata-los gregários, compreender, afinal, porque o seu país, definitivamente, é aquele mesmo e depois, na volta, encontrar em casas bregas um ou outro pinguim ainda servindo de enfeite sobre geladeiras, oh meu Deus, quanta tortura, cadê a Comissão da Verdade?

Felizmente, já vivemos o tempo das preocupações tamanhas com biodiversidade, com a responsabilidade ecológica e social, com o compromisso com a vida não só das pessoas e dos seus direitos humanos, em especial os direitos humanos dos homicidas e dos assaltantes, felizmente também já vivemos o tempo que o Léo Jaime, lá bem no antigamente, profetizava.

Enquanto o Roberto Carlos, no auge dos melôs de motéis discursava – eu te proponho na madrugada nós nos amarmos, o Leo Jaime chegando de Goiânia trazia proposta mais incisiva e solidária – troque seu cachorro por uma criança pobre... Claro que os dois continuam atuais e certos.

Li que a Prefeitura em S. Paulo vai construir um hospital para atender os cães e os gatos pobres. Uma hemodiálise de cachorro hoje custa uma fortuna, mesmo com plano de saúde.

Por isso, alguém sugeriu que ao sentir-se mal e não encontrando vaga num hospital de gente logo se dirija ao hospital dos cachorros e dos felinos. A senha é ir chegando e latindo num tom sofrido – aauu, uuuau – ou miando bem infeliz – miaauu, miaauu...

Hoje bem cedo eu vi um gavião pousado na grade do parque, mirando a grama e então pensei – já sei, vou escrever hoje sobre predador. Contou também que pouco antes eu vi outro ostentando velhice quase se arrastando na calçada.

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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