Ao deparar-me com o resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.330-1/DF, que pretendia a declaração de inconstitucionalidade da medida provisória criadora do ProUni, e, sobretudo, ao ler o voto do Ministro Gilmar Mendes, vi-me diante da necessidade de escrever este artigo para esclarecer, dado o interesse público, que a isenção oferecida como contrapartida à concessão de bolsas de estudos não se destina a todas as mantenedoras de instituições de ensino da iniciativa privada.
O ProUni foi criado pela Medida Provisória 213/04 e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) ajuizou ação visando à declaração de sua inconstitucionalidade. Enquanto tramitava a ação, a medida provisória foi convertida na lei 11.096/05, com algumas alterações. Dadas as alterações, foram-me solicitados novos pareceres.
Pois bem. No julgamento da ADIn, em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes aduz:
... pois os dispositivos atacados, de fato, fazem remissões constantes ao art. 55, da lei 8.212/91 e, bem examinados, demonstram que o propósito da referida norma foi justamente fazer com que as entidades beneficentes de assistência social, agraciadas pela ‘isenção’ legal, sejam obrigadas a aplicar o resultado operacional na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais, o que, no caso em apreço, tomado em conjunto a intenção governamental de ampliar o acesso ao Ensino Superior, significa que este resultado operacional deverá ser aplicado na concessão de bolsas de estudos. (p. 16 do voto. Os grifos não constam do original).
A afirmação de que as entidades beneficentes de assistência social foram agraciadas com isenção concedida pela lei do ProUni como troca pela concessão de bolsas de estudos não é condizente com a realidade e tampouco com a Constituição Federal.
O ProUni foi engendrado pelo Ministério da Educação com o escopo de incluir estudantes de baixa renda no ensino superior mediante a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais para o ingresso em cursos de graduação e sequenciais de formação específica ministrados por instituições de ensino mantidas pela iniciativa privada.
Como contrapartida pela concessão de bolsas de estudos integrais e parciais, a lei do ProUni outorgou isenção de alguns tributos às mantenedoras de instituições de ensino que aderiram ao programa.
À instituição que aderiu ao ProUni, no período de vigência do termo de adesão, a lei concede isenção dos seguintes tributos: (a) Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ; (b) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, (c) Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS e (d) Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS.
Sucede que, a iniciativa privada mantém instituições de ensino por meio de fundações, associações ou sociedades, de modo que podem ser: (a) sem fins lucrativos ou (b) com fins lucrativos.
Entre as mantenedoras de instituições de ensino sem fins lucrativos, há as que são beneficentes e as que não são beneficentes, o que, inclusive, é considerado pela lei.
Conquanto considere a separação das mantenedoras das instituições de ensino em com fins lucrativos, sem fins lucrativos não beneficentes e sem fins lucrativos beneficentes, a lei do ProUni não deixa transparecer com facilidade que somente as primeiras são, realmente, beneficiadas com isenção dos quatro tributos: IRPJ, CSLL, COFINS e PIS.
Mostra-se imprescindível a interpretação da lei do ProUni em conformidade com a Constituição Federal para que possamos concluir terem sido beneficiadas com isenção dos quatro tributos somente as mantenedoras de instituições de ensino com fins lucrativos.
As mantenedoras de instituições de ensino superior sem fins lucrativos não beneficentes são imunes ao pagamento de impostos em respeito ao disposto pelo artigo 150, VI, c, e seu § 4º, da Constituição Federal, de sorte que a isenção do IRPJ, conferida pela lei do ProUni, não se destina a elas. E, por serem sem fins lucrativos, essas mantenedoras também não são contribuintes da Contribuição Social sobre o Lucro, o que demonstra que a isenção outorgada pela lei do ProUni também não as beneficia. Logo, concedem bolsas de estudo, em razão da adesão ao ProUni, mas não se beneficiam da isenção do IRPJ e da CSLL. Foram agraciadas apenas com a isenção da COFINS e do PIS.
As mantenedoras de instituições de ensino superior sem fins lucrativos beneficentes são imunes ao pagamento de impostos em respeito ao disposto pelo artigo 150, VI, c, e seu § 4º, da Constituição Federal, de maneira que a isenção do IRPJ, conferida pela lei do ProUni, não se destina a elas. Tais mantenedoras também são imunes ao pagamento das contribuições destinadas à seguridade social, nos termos do § 7º do artigo 195 da Constituição Federal, então a isenção da COFINS e do PIS não se dirige a elas. E, por serem sem fins lucrativos, essas mantenedoras também não são contribuintes da Contribuição Social sobre o Lucro, o que demonstra que a isenção outorgada pela lei do ProUni também não as beneficia.
O que se conclui? Conclui-se que as entidades beneficentes de assistência social não foram agraciadas com a isenção porque são imunes ao IRPJ, CSL, COFINS e PIS, o que conduz à conclusão de que não optaram por aderir ao PROUNI visando à contrapartida, diga-se, à isenção de impostos e contribuições pela concessão de bolsas de estudos.
Dando sequencia ao seu raciocínio, no parágrafo posterior ao citado acima, o Ministro Gilmar Mendes assevera:
Essa, ao meu entender, foi a orientação adotada pelo relator da ADI em exame, ao afirmar em seu voto que ‘o modelo normativo aqui impugnado não laborou no campo material reservado à lei complementar. Isto porque, a meu ver, ele tratou, tão-somente, de erigir um critério objetivo de contabilidade compensatória da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais. Critério, esse, que, se atendido, possibilita o gozo integral da isenção quanto aos impostos e contribuições mencionados no art. 8º do texto impugnado’.
Desse modo, entendo, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a MP 213/2004, convertida na lei 11.096/2005, apenas regulou a forma pela qual se deve investir o resultado operacional obtido também por meio da imunidade tributária, objetivando a ampliação do acesso ao Ensino Superior, mediante a concessão de bolsas de estudos. Significa dizer que em vez de arcar diretamente com os custos das bolsas de estudo concedidas aos estudantes, o Poder Público concede ‘isenção’ às entidades educacionais para que estas apliquem o resultado daí obtido no financiamento dessas bolsas.
A conclusão do tópico acima permite afastar de plano a alegação de que o diploma federal em exame teria usurpado a competência legislativa dos Estados e do Distrito Federal para editar normas específicas sobre ensino. Isso porque, conforme visto, a norma federal cuida, em verdade, de concessão de bolsas por meio da adesão voluntária de faculdades privadas ao PROUNI, as quais, em contrapartida, são contempladas com a imunidade tributária. (p.16/17 do voto. Os grifos não constam do original).
A assertiva de que se trata de contabilidade compensatória da aplicação financeira em gratuidade a assegurar o gozo integral da isenção dos impostos e contribuições não se coaduna com a realidade criada pela lei do ProUni, pois a isenção da COFINS e do PIS não abrange todas as receitas.
Em consonância com o § 1º do artigo 8º da lei do ProUni, a isenção da COFINS e do PIS abarca somente as receitas provenientes de cursos de graduação ou sequencial de formação específica, o que equivale a conceder isenção parcial, e não total. Sobre as receitas dos cursos de pós-graduação lato sensu, pós-graduação strictu sensu, cursos de extensão e livres, assim como as receitas advindas da educação básica, se atua também nessa seara, a entidade mantenedora com fins lucrativos e a sem fins lucrativos não beneficente devem recolher as contribuições.
Logo, não há que se falar em critério objetivo de contabilidade compensatória da aplicação financeira a possibilitar o gozo integral da isenção da COFINS e do PIS.
No mais, é preciso separar a concessão de isenção da outorga do direito à imunidade. A lei do ProUni não contemplou as “faculdades” privadas com imunidade tributária em contrapartida pela concessão de bolsas, como afirma o Ministro. Imunidade é limitação constitucional ao poder de tributar e, como tal, consiste em direito outorgado às entidades mantenedoras de instituições de educação sem fins lucrativos, beneficentes ou não. O que a lei pode fazer é conceder isenção, jamais imunidade. O que a lei do ProUni fez foi:
(1) conceder isenção, parcial, condicionada e por prazo determinado, do IRPJ, da CSLL, da COFINS e do PIS às entidades mantenedoras de instituições de educação (Universidades, Centros Universitários e Faculdades) com fins lucrativos como contrapartida pela concessão de bolsas de estudos;
(2) conceder isenção, parcial, condicionada e por prazo determinado, da COFINS e do PIS às entidades mantenedoras de instituições de educação (Universidades, Centros Universitários e Faculdades) sem fins lucrativos não beneficentes como contrapartida pela concessão de bolsas de estudos, já que têm direito à imunidade do IRPJ e não praticam o fato gerador da CSLL;
(3) não conceder isenção às entidades mantenedoras de instituições de educação (Universidades, Centros Universitários e Faculdades) sem fins lucrativos beneficentes, pois têm direito à imunidade do IRPJ, da COFINS e do PIS e não praticam o fato gerador da CSLL, mas obrigá-las a conceder bolsas de estudo.
A lei do ProUni obriga as entidades mantenedoras de instituições de educação a conceder bolsas de estudo, mas não lhes concede nenhuma contrapartida por isso.
Constata-se, pois, que as entidades sem fins lucrativos não beneficentes têm direito à imunidade do IRPJ e, para tanto, não necessitam conceder bolsas de estudo. Basta que cumpram os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Com relação à CSLL não há ocorrência de fato gerador, de modo que não se pode falar em obrigatoriedade de concessão de bolsas de estudo como condição para deixar de pagar a apontada contribuição. Para terem direito à isenção, e não à imunidade, da COFINS e do PIS sobre, única e exclusivamente, as receitas oriundas dos cursos de graduação ou sequencial de formação específica, tais entidades devem conceder bolsas de estudo. A isenção não é total; é parcial, condicionada e por prazo determinado.
Verifica-se, também, que as entidades mantenedoras de instituições de educação (Universidades, Centros Universitários e Faculdades) sem fins lucrativos beneficentes têm direito à imunidade do IRPJ e, para tanto, não necessitam conceder bolsas de estudo. Basta que cumpram os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Com relação à CSLL não há ocorrência de fato gerador, por isso não há obrigatoriedade de concessão de bolsas de estudo como condição para deixar de pagar a referida contribuição. Por serem beneficentes, quando aderiram ao ProUni, elas tinham direito à imunidade da COFINS e do PIS sobre a totalidade das receitas auferidas, dado que a Constituição Federal não limita a imunidade a uma parte da receita, como faz a lei do ProUni que restringe a isenção a uma parte da receita (somente a receita de cursos de graduação ou sequencial de formação específica).
Diante do exposto, uma pergunta há de ser feita: poderia a lei do ProUni obrigar as entidades mantenedoras de instituições de educação sem fins lucrativos beneficentes a conceder bolsas de estudo? Essa obrigação consiste em requisito para o exercício do direito à imunidade da COFINS e do PIS? Se for requisito, por ser ordinária, poderia a lei do ProUni veiculá-lo ou deveria tê-lo sido por lei complementar?
Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes também abordou a discussão acerca da modalidade de lei adequada para regular a imunidade (limitação ao poder de tributar). Mas esse assunto será reservado para outro artigo a ser publicado em breve. Por ora, cumpre estacar que, antes da publicação da lei do ProUni não havia exigência legal de concessão de bolsas de estudo como condição para o exercício do direito à imunidade da COFINS e do PIS pelas entidades mantenedoras de instituição de educação sem fins lucrativos beneficentes. Havia exigência, por meio de decreto, para a aplicação em gratuidade de um percentual de 20% (vinte por cento) sobre a receita bruta.
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<_st13a_personname productid="Maria Ednalva de Lima">* Maria Ednalva de Lima é advogada especialista em Direito Tributário e Educacional, do escritório Maria Ednalva de Lima Advogados Associados
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