Sabemos que não queremos um mar infinito para navegações e explorações que não leve em conta os direitos dos povos de todas as cores. Também não queremos um campo minado, com tantas restrições que a cada passo dado poderia fazer eclodir uma mina antipessoal. O ideal, assim, seria uma enorme ilha, com os limites claramente e absolutamente determinados, dentro da qual tudo o mais seria legal.
Angustiava-nos refletir sobre a forma como o Direito daria conta de tudo tão novo, quando os institutos jurídicos foram criados sem considerar as facilidades trazidas com a nova vida. A tecnologia evoluiu, as ferramentas foram se sofisticando, tivemos programas inovadores e agora a ordem são os aplicativos, as redes sociais. E o Direito precisou evoluir para prever figuras especiais, como os crimes cibernéticos, a tributação de operações pela internet, mas as questões centrais, relativas aos limites da liberdade no ambiente virtual e a atribuição de responsabilidades, precisarão ser enfrentadas no curto prazo.
Os intermediários das comunicações pela internet já contavam com o entendimento de que eles funcionavam como facilitadores de comunicação e não como editores, daí não se exigir que eles façam uma análise prévia do que cada usuário pretende publicar (STJ-3ª Turma, REsp 1193.764-SP, rel. Min. Nancy Andrighi). Entretanto, antes disso, entendia-se que, adotando a teoria da responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de ter agido com culpa, "o provedor de hospedagem assumiu o risco de disponibilizar serviço que eventualmente possa ser mal utilizado, lesando bens alheios", devendo fazer o controle do conteúdo divulgado.
Recorrendo à analogia, os sites que permitem a comunicação imediata dos internautas por publicações poderiam ser comparados às concessionárias de rodovias, zelando e facilitando o tráfego de veículos, mas não se espera delas que verifiquem as habilitações dos motoristas, ou que se responsabilizem caso estes ultrapassem a velocidade permitida. Seria esse o caso dos intermediários? A analogia infelizmente não é de todo útil, pois a relação do intermediário é mais complexa, perene e, em função dessa perenidade, sua responsabilidade pelo conteúdo eventualmente pode surgir, quando não acatar decisão judicial ou, recusando-se a cumprir notificação do prejudicado, falhar em identificar o responsável pela violação de direito.
Exigir que os provedores de acesso ou donos de sites de conteúdo interativo realizem um controle prévio redundaria em que nada pudesse ser publicado em tempo real, como ocorre com os blogs, ou com as redes sociais, e que a cada foto, o internauta exibisse um termo de autorização de uso de imagem ou uma licença de uso do fotógrafo. Como dizia a propaganda, "na Sibéria não tem nada disso!"
Sem dúvida que no ambiente virtual, pela facilidade de com um botão publicar um texto visível a todo o mundo conectado, o mau uso também ocorre e a cada lesão de direito há de corresponder uma necessária indenização. O responsável, assim, pela violação deve ser o usuário que fez veicular mensagens difamantes, fotos sem autorização, conteúdo ilícito, confirmando que em ambiente livre pode-se dar as condições de emancipação do indivíduo. Que a técnica evolua para permitir sem dúvida a identificação e responsabilização dos maus usuários, com a advertência lacerdiana: o preço da liberdade é a eterna vigilância, e, acrescentamos, a evolução técnica e a responsabilização civil.
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* Priscila Akemi Beltrame é mestre e doutoranda pela Universidade de São Paulo, advogada de Ferraz de Camargo e Cobra Advogados.
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