Migalhas de Peso

O destino e o título

Com muito bom humor, a advogada integrante do Jurídico de Saias, relata sua odisseia em busca da regularização de seu título de eleitor.

18/5/2012

Há coincidências felizes que nos fazem pensar que somos especiais e que o universo reservou coisas boas para nós.

Assim me senti ao ler por acaso no jornal que o prazo para recadastramento eleitoral tinha sido prorrogado para 9 de maio. Tive a certeza que alguém no TRE era igualzinho a mim, talvez até me conhecesse e soubesse que há 10 anos moro em outra cidade e nunca consegui transferir o título. Muitas viagens, correria em casa, pouco tempo... Naquele momento somava-se o fato de eu desconhecer o paradeiro da minha carteira de motorista, ter me dado conta de que entregara a carteira de identidade ao embarcar num voo de volta para São Paulo e ainda não ter renovado a carteirinha da OAB. Tirando isso, concluí que eu saber, generosos dois dias antes de o fatídico prazo terminar, que ainda havia a possibilidade de regularizar meu direito básico de cidadania era algo próximo do divino e que eu deveria tentar.

Enchi-me de coragem e pus-me a desbravar o que era preciso fazer. Jornalistas são seres concisos e objetivos, mas a reportagem que li era bem informativa, continha o endereço do cartório eleitoral e um breve relato do que era necessário levar.

Subestimei o primeiro obstáculo. Moro numa cidade relativamente pequena, mas ignorava onde ficava aquela rua. Dirigi-me ao "Poupatempo" onde uma vez havia ido e interpelei a moça do balcão de informações. Aventei a possibilidade de já resolver tudo no mesmo dia: requerer 2ª via do RG, da CNH e se desse fazer um hemograma lá mesmo... Bem, este último desejo não dava porque não estava mais em jejum... Difícil. Para conseguir outro RG eu tive que agendar uma nova data, a CNH nova prescindiria de uma via da CNH vencida com foto (tenho certeza que em alguma bolsa velha eu até encontro), mas do jeito que falaram acho que vai ser mais fácil ir no "achados e perdidos" da companhia aérea ou voltar para a autoescola e fazer baliza de novo. A visita ao estabelecimento não foi em vão, pois a atendente me indicou onde ficava o cartório eleitoral. A segunda tarefa do dia era estacionar. Em frente ao local, sem chance. Depois de algumas voltas no quarteirão, consolei-me em deixar o carro na rua, tendo a convicção que todo aquele esforço seria recompensado. Deparei-me com uma fila modesta e logo fui perguntada por uma senhora titubeante:

- A senhora é preferencial?

Como estou um pouco acima do peso, a vontade de me passar por gestante era grande, mas meu senso ético falou mais alto e com dignidade dirigi-me ao andar superior onde várias pessoas disputavam os poucos assentos e recebi a senha 489.

Felizmente havia uma triagem. À minha frente um senhor mostrava uma conta de luz recente à cartorária que começava a negar-lhe a transferência:

- Mas esta conta é deste mês! Precisamos de um comprovante de endereço de pelo menos três meses passados.

Gelei. O meu era a conta do celular do mês, ainda lacrada na bolsa. Vi com pesar o humilde cidadão ir embora sem resolver sua situação. Não sei por que a cartorária simpatizou comigo. Fato é que me perguntou sobre o endereço. Eu, honestamente, contei o caso. Ela referiu o problema do homem atendido por sua colega, mas por fim localizou na conta uma referência ao pagamento de juros de fevereiro (ainda bem que atrasei aquele pagamento!) e disse que era o suficiente. Exultante me pediu o documento de identificação. Veio a parte constrangedora. Mostrei o passaporte. Ele é grande o bastante para que não o perca. A moça verificou que não havia o nome de meus pais. Eu tinha duas vias antigas da carteirinha da OAB. Naquela rosa, mais apresentável o nome de minha mãe estava abreviado e não serviu, mas a outra, aquela do final dos anos 90, continha todas as informações. E o título?

Sou bem humorada:

- A senhora viu que estou andando com o passaporte, me sujeitando à multa do artigo 232 do Código de Trânsito pela ausência da carta, acredita mesmo que eu posso ter uma noção de onde está meu título?

Ela sorriu. E disse:

- Sabe que tem multa para pagar?

- Imagina! Sempre justifiquei direitinho!

Ela sarcástica:

- Só podemos fazer algo se a senhora tiver o canhoto do primeiro turno de 2010 (riso contido para mim)... A senhora vai ter que quitar antes de podermos continuar a transferência. Há um supermercado descendo a ponte em frente, onde a multa pode ser paga.

Nem precisei de academia aquele dia. Duas quadras no passo acelerado devem ter consumido umas boas calorias. Paguei a exorbitante quantia de R$ 3,51 e voltei triunfante para a fila daqueles que iriam sair dali prontos para votar em outubro.

Aliviada, feliz e satisfeita fui em direção ao carro, o destino era mesmo que eu vencesse a burocracia, minha natureza despreocupada e conseguisse. Missão cumprida! No dia da eleição vou acordar cedo e ir até a escola do bairro... Mas, votar em quem mesmo?!

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* Alessandra Raffo Schneider é Diretora Jurídica da Suzlon Energia Eólica do Brasil e integrante do Jurídico de Saias


 

 

 

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