No que tange à parte conceitual, tem-se uma gama de definições na doutrina para o dano moral, porém, em que pesem pequenas nuances, podemos afirmar que consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, ou seja, é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua vida privada, honra, intimidade e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Acontece que, ao explorarmos o universo do dano moral, verifica-se a necessidade de se proceder a uma mudança de foco na responsabilidade civil pátria, deixando de analisar tão somente a figura da vítima e passando a ter olhos também para a conduta do agressor, possibilitando um juízo mais abrangente.
A adoção do valor de desestímulo sobre a indenização imposta possibilita a conscientização do ofensor de que aquela conduta perpetrada é reprovada pelo ordenamento jurídico, de tal sorte que não volte a reincidir no ilícito.
Assim, mormente em virtude ao total desrespeito dos grandes poderios econômicos na busca desenfreada pelo lucro indevido, vislumbramos a real necessidade de se criar um novo mecanismo na responsabilidade civil por dano moral, método esse que não vá de encontro ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa, mas, antes de tudo, possibilite a eficácia da sentença por meio não somente da função reparatória/compensatória, mas também da desestimuladora/preventiva.
Diante disso, entendemos que o método de garantir o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais da personalidade humana somente atingirá seus desígnios se for adotada uma postura sólida de reprimenda aos abusos cometidos.
Demonstrando, na prática, a necessidade de se repensar sobre o atual sistema de responsabilidade civil brasileiro, basta imaginar dois acidentes de trânsito, sendo o primeiro causado por pessoa habilitada há vários anos, sem qualquer infração, retornando do trabalho para a sua casa em velocidade compatível à via e, ao trocar o cd de música, por total infelicidade, vem a bater em outro veículo. Diante do ocorrido, o motorista, machucado, mas bastante preocupado com a vítima do outro veículo, a coloca num taxi e a encaminha para o Pronto Socorro mais próximo, deixando claro, assim, toda a sua preocupação e remorso com o sinistro ocorrido.
No outro acidente, o condutor inabilitado, ao sair de uma festa em plena madrugada, totalmente embriagado, apostando "pega" com outro veículo pela contramão de uma avenida de grande movimento, vem a colidir de frente com outro carro que estava sendo conduzido por um trabalhador a caminho do seu serviço. Em virtude do ocorrido, o causador do acidente não só deixa de socorrer a vítima, mas tenta, desesperadamente, evadir do local, mas é perseguido e preso por policiais, que inclusive constatam a total falta de arrependimento do ofensor em virtude do ocorrido.
Partindo do pressuposto de que as vítimas dos dois acidentes narrados sofreram o mesmo grau de fraturas pergunta-se: seria justo ambos os motoristas serem condenados a pagar uma indenização por dano moral sobre o mesmo montante? Ou ainda, será que um mesmo juiz, numa mesma época, fixaria montantes iguais de indenização por dano moral para os dois casos?
Não temos dúvida de que a resposta é negativa, principalmente pela total diferença de grau de culpa por parte dos ofensores, bem como haver grande distinção de reprovabilidade das condutas perpetradas nos dois acidentes.
Quanto à positivação do nosso Direito Civil, verifica-se vários institutos com natureza sancionatória, dentre eles a Cláusula penal (art. 416 do Código Civil); Juros de mora (arts. 280, 404 e 407 do Código Civil); Arras (arts. 418 e 420 do Código Civil); Pagamento em dobro (art. 940 do Código Civil); Restituição em dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC) e Astreintes (art. 461 do CPC e art. 84 do CDC).
Sobre o atual art. 944 do Código Civil, em seu parágrafo único, verifica-se a preocupação do legislador no que tange à figura do ofensor (e não apenas da vítima), tornando-se claro que, ao se adotar como parâmetro para a fixação do quantum devido para além da amplitude dos prejuízos suportados pela vítima (reparatório), também utilizou o grau de culpabilidade do agente infrator, despertando, assim, uma verdadeira alteração paradigmática no campo da responsabilidade civil.
No tocante às decisões judiciais, tem-se que, quando apreciam a responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais, algumas se utilizam da função desestimuladora de forma equivocada, fundamentando as condenações a respeito da necessidade de se emprestar um caráter punitivo-pedagógico, o que acaba majorando, por vezes, as quantias estabelecidas a título de compensação. Vale dizer, ao se confundir a função desestimuladora e a compensatória numa mesma e única condenação, por consequência, gera-se uma insatisfatória reparação dos danos, como também uma insuficiente ou mesmo imperceptível punição/prevenção de comportamentos lesivos.
Diante disso, importante que o juiz, quando do arbitramento da indenização do dano moral, proceda com razoabilidade e clareza, mencionando, de forma fundamentada, as razões para a imputação da indenização com caráter desestimulador, devendo tal montante ser feito separadamente do valor da indenização compensatória, possibilitando uma maior transparência e controle dos critérios utilizados pelo magistrado.
Ainda sobre a jurisprudência, importante destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca da existência da dupla função de indenização por danos extrapatrimoniais, reconhecendo o caráter punitivo-desestimulador que a responsabilidade civil deve desenvolver (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 455.846/RJ. 2. T. Rel. Min. Celso de Mello, 11 dez. 2004).
Outro ponto de destaque é que se entende ser prudente que esse adicional advindo da condenação não seja destinado à vítima, mas, sim, em favor de estabelecimento de beneficência, fazendo-se um paralelo com o já disposto no parágrafo único, do artigo 883 do Código Civil e no art. 13 da Lei da Ação Civil Pública, evitando-se, inclusive, a alegação de enriquecimento indevido da vítima, bem como um possível surgimento da "indústria do dano moral".
Enfim, acreditamos que tal adoção desestimuladora figura-se de suma importância para o desenvolvimento da responsabilidade civil, uma vez que tal procedimento indenizatório proporciona uma verdadeira coibição por parte do ofensor em não mais repetir o ato ilícito em face da vítima, visando, assim, à promoção da dignidade da pessoa humana, princípio ínsito ao Estado Democrático de Direito.
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* Rodrigo Pereira Ribeiro de Oliveira é advogado, professor da PUC/Minas e membro do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais.
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