A decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça, por 5 votos a 4, entendeu que a prova de embriaguez, para efeito de punição sob a égide da legislação de trânsito, somente pode ser comprovada mediante testes de bafômetro ou exame sanguíneo.
Contudo, observado o sistema no qual convivemos com o caos no trânsito, a penúria de recursos para modernizar a malha rodoviária e a atitude exclusiva e incondicional das autoridades, na aplicação das multas, necessário se torna afirmar que reiteradamente estamos diante de situação pendular.
Com efeito, mostramo-nos acomodados ao situacionismo da impunidade, ou procuramos mediante a legislação, a qual, como já sabemos, não se cumpre, permitir formas punitivas acentuadas contra os delinquentes que agem no trânsito.
Na realidade, necessitamos de uma reforma do Código de Trânsito para que a autoridade, em sentido amplo, o Estado, cumpra o seu papel, haja vista que falta fiscalização, as estradas estão em situação, na maioria dos casos degradantes, e bilhões arrecadados com multa não são reaplicados na melhoria da malha viária.
Todos sabemos, e não é novidade alguma, que os delinque4ntes de trânsito, agindo com culpa grave ou dolo eventual, jamais serão segregados, em virtude de antecedentes e de bons argumentos respondendo em liberdade, ainda que tenham praticado homicídios, ou deixado pessoas inválidas, mormente pelo estado de embriaguez evidenciado.
Nos países desenvolvidos começam a ser fabricados veículos que inibem a partida e acionamento do motor, quando o motorista está embriagado, além do que nas modernas cidades de primeiro mundo, bares, restaurantes e pubs realizam o teste com o cliente, ao deixar o estabelecimento, e, constatando que seu estado, a impossibilitar a condução do veículo, obrigatoriamente fornecem condução, de tal modo que não pode aquela determinada pessoa se auto conduzir.
O nosso legislador é ao mesmo tempo contraditório e paradoxal, tanto é verdade que na votação da lei geral da copa, a matéria relativa ao uso de bebida alcoólica nos estádios fora relegada para competência estadual, o que somente demonstra forte pressão do poder das empresas fornecedoras e distribuidoras e a possibilidade de um conflito que arranha ainda mais a imagem do país no exterior.
Ao mesmo tempo em que se pratica forte campanha publicitária relativamente à bebida alcoólica, principalmente cerveja, também o Estado precisa regulamentar esta questão e ser coerente no sentido do controle e fiscalização dos motoristas mais desavisados.
Resta patente, pois, que a decisão do STJ pulveriza a eficácia da lei seca, fazendo entrar água, por todos os cantos, o que aumenta ainda mais a preocupação em relação à imunidade e as circunstâncias dos motoristas embriagados.
A frota brasileira de veículos, na última década, cresceu assustadoramente, não apenas nas grandes capitais, mas também em múltiplas regiões, sem falar ainda nas motocicletas que convivem diariamente com os automotores, além de bicicletas, sem que a autoridade do trânsito consiga disciplinar de maneira harmônica o conflito entre todos.
A mera ingestão de bebida alcoólica, como referenciado pelo Ministro do STF Luiz Fux apresenta total incoerência com aquele que pretende dirigir, sendo delito que coloca em perigo e risco a coletividade, daí porque a necessidade maior de controle e fiscalização.
Estamos bastante atrasados em relação aos países de primeiro mundo, no que concerne aos instrumentos normativos, as consequências práticas da direção perigosa e aquela proveniente do estado de embriaguez.
Não é sem razão que, ano após ano, tem havido uma explosão do pagamento do seguro obrigatório, diante do aumento do número de mortes e casos de invalidez provocados no trânsito indisciplinado do país.
É preciso descortinar política pública na qual o Estado não persiga única e exclusivamente seu interesse de arrecadar impostos com a venda de carros, motos e veículos pesados, criando-se alternativas, tais como o transporte ferroviário, meios coletivos e outros que reduzam a individualidade do cidadão, reduzindo, também, a poluição ambiental.
Definitivamente, o atraso mais do que secular em relação aos meios de transporte é fator preponderante para o aumento da violência e da impunidade no trânsito, o que somente faz aumentar a responsabilidade preventiva e repressiva do Estado no combate às suas falhas estruturais ao longo do período de implantação da indústria automobilística e do modelo do Código de Trânsito absolutamente divorciado da realidade do país.
Conclui-se, pois, que a reforma da legislação é apenas um passo que precisa vir acompanhado da conscientização e educação da população, vítima de um modelo nefasto que objetiva transferir para o indivíduo toda a responsabilidade da inércia e da omissão estatais.
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* Carlos Henrique Abrão é magistrado do TJ/SP
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