O ingresso na magistratura de carreira
Vladimir Passos de Freitas*
No Brasil o ingresso na magistratura de carreira se faz por concurso de provas e títulos, promovido pelos Tribunais, com base na sua autonomia administrativa (CF, art. 99). É prática antiga. O primeiro de que se tem notícia ocorreu em 21.11.1891, em Santa Catarina. Apresentou-se um candidato que, longamente inquirido, acabou reprovado (Tribunal de Justiça de SC, Memórias dos 100 anos, p. 113, 2001). De lá para cá, centenas de concursos foram feitos pelos Tribunais brasileiros. O TJ/SP está no 176º concurso. Nada recomenda desprezar-se a experiência acumulada em mais de 100 anos.
A recente reforma do Judiciário trouxe algumas mudanças nos concursos. Outras tantas virão com o chamado Estatuto da Magistratura, a ser encaminhado pelo STF ao Congresso Nacional. A primeira delas refere-se aos 3 anos de atividade jurídica (CF, art, 93,I). A referência é subjetiva e suscita indagações. Primeiro, referido tempo é o mínimo e nada impede que os Tribunais o aumentem (p.ex.,TJ/MG exige 4 anos, www.tjmg.gov.br, edital de concurso, item VI, 4.8). Outrossim, a atividade jurídica pressupõe o título de bacharel, pois o estágio faz parte do curso de graduação. Aos servidores do Poder Judiciário deve ser reconhecida tal condição pela notória prática e para que possam ser aproveitados na magistratura. Às demais hipóteses deverá ser feito exame caso a caso (p. ex. auditores fiscais). Longo tempo passará até que a jurisprudência defina todas as situações.
Pela emenda 45/04, caberá à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, que funcionará junto ao STJ (CF, art. 105, par. ún., I) regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira. A redação é pouco clara e deixa margem a dúvidas sobre a intenção do constituinte. Ao que parece, o objetivo foi o de que o ingresso se faça, como em Portugal, pela aprovação em concurso, seguida de um curso específico de formação. Só após, se aprovado, o candidato se tornará juiz. Nesta linha o TJ/RS já realiza um curso de 2 meses entre as provas escritas e a oral.
Seja ou não este o melhor entendimento e a forma adotada, é importante respeitar as peculiaridades de cada estado ou, pelo menos, regionais. As diferenças econômica, populacional e cultural dos estados não recomendam um modelo nacional único. À Escola Nacional cabe a fixação de linhas mestras. Não os detalhes. Nesta linha, as matérias devem ser escolhidas por cada Tribunal. É que cada região tem suas espécies de conflitos, a exigir dos candidatos, além dos conhecimentos das matérias básicas (Constitucional, Civil, etc.), outros específicos. Por exemplo, o Pará inclui com acerto o Direito Agrário em seus concursos. Alguns Tribunais exigem conhecimentos de Direito Ambiental (TJs/RO, AP, MS e SC e pelos TRFs 1a. e 4a. R.). Outros, Direito do Consumidor (TJ/BA), Estatuto da Criança e do Adolescente (TJ/PR) e Conhecimentos Gerais e Língua Portuguesa (TJ/SP).
Ao exame psicotécnico deve ser dado o valor que merece. Não é mais possível ignorá-lo. O TRF da 4a. R., no seu 11º concurso, negou inscrição definitiva a 7 candidatos avaliados de forma negativa em exames psicológico e psicotécnico. Não foram interpostas ações judiciais contra o ato administrativo. A medida é salutar, inclusive para os interessados, que poderão conhecer e suprir suas deficiências. A investigação social deve ser aprimorada. Regra geral, ela se limita a ofícios a pessoas indicadas pelos inscritos. As respostas são formais. Não se costuma apontar falhas com receio de conseqüências. As bancas examinadoras não devem ter receio de aprovar. É desarrazoado e fere o interesse público, após meses de trabalho com gastos elevados, aproveitar menos de 1% dos candidatos. A magistratura não necessita de gênios, mas sim de homens e mulheres bons e trabalhadores.
No mais, é recomendável que: a) a banca seja composta por magistrados vocacionados para a atividade, se possível professores; b) alternar os membros da banca, mas mantendo um do concurso anterior para transmitir a experiência; c) as provas sejam formuladas com clareza e bom-senso, não sendo razoável exigir conhecimentos excepcionais; d) o edital do concurso contenha, se possível, as datas de todas as provas, permitindo aos candidatos organizar suas vidas e obrigando os examinadores a cumprir o cronograma; e) f) as Escolas da Magistratura dos Tribunais tenham papel de condutoras do processo seletivo; f) A prova oral deve ser mantida, pois nela se extrai, além dos conhecimentos, a reação dos candidatos quando se acham sob pressão.
O assunto está na pauta de discussões. Envolve o interesse público dos Tribunais, o pessoal de milhares de jovens bacharéis e o econômico de cursos preparatórios. É preciso dar-lhe toda atenção.
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*Desembargador Federal do TRF da 4ª Região e professor doutor de Direito Ambiental, PUC/PR
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