Gilberto Ferreira
Esperança
Ao me ver, ele parou de trabalhar e me olhou de soslaio. Imaginei que fosse sair correndo. Mas não, simplesmente continuou me olhando, com aquele jeito estranho.
Fiquei intrigado e me aproximei. Foi aí que ele falou:
- A terra aqui é mais fofa. Já estou cansado, mas preciso terminar.
Consenti com a cabeça, pois notei que nas proximidades havia uma fonte jorrando água, o que justificaria a umidade do terreno.
- Suponho que você esteja cavando a sua casa...
Ele me lançou um olhar duro e respondeu:
- Estou abrindo uma cova – E imediatamente pediu que o seguisse.
Ele passou por um jardim muito florido, parou diante de um enorme carvalho e curvou-se.
Olhei ao redor e nada vi. Parecia tudo normal e não entendia porque ele havia me levado até ali.
- Eu o encontrei morto hoje de manhã.
Foi aí que vi um tatuzinho muito jovem com a cabeça estilhaçada.
- Era meu único filho.
Fiquei sem saber o que dizer.
- A cova é para enterrá-lo. Você poderia me ajudar a transportá-lo?
Fiquei de joelhos e peguei o animalzinho no colo. Tratava-se de um bebê.
- Na semana passada foi a vez da mãe dele. Presumo que ela tenha sido morta porque encontrei vestígios de sangue e alguns pelos seus ali do outro lado da fonte.
Abaixei a cabeça e fechei os olhos. Ele prosseguiu:
- Logo também chegará a minha vez.
Eu continuava sem saber o que lhe dizer.
E ele continuou falando.
- Chegará a minha vez como chegou a vez do Tigre da Tasmânia, assim como chegará a vez dos leões, dos leopardos, dos tubarões, das baleias...
Meneei a cabeça concordando.
- A sua espécie vai acabar com todas as espécies vivas da Terra.
Peguei o pequeno tatu e o coloquei na cova. Ele antecipou-se e começou a jogar terra sobre o animalzinho até cobri-lo inteiramente.
Foi aí que eu comecei a chorar. Ele encostou a cabeça em minha perna e chorou também.
Depois, foi se afastando devagarzinho e antes de entrar no mato e desaparecer, deu uma última olhada para o pequeno túmulo.
Nesse momento eu acordei. O dia já estava claro. Levantei-me às pressas e corri para o bosque. Embaixo de um pinheiro encontrei um pedaço fofo de terra formando como que um pequeno túmulo. Fiquei com medo de mexer na terra e encontrar o tatuzinho do sonho.
No alto do pinheiro um sabiá cantava um canto triste. Em dado momento pareceu-me que ele dizia: acordem, talvez haja tempo de vocês salvarem a Terra e a vocês próprios.
E aí eu me lembrei do arsenal de bombas atômicas que existe no mundo, da falta de escrúpulo daqueles que manipulam o comércio de armas clandestinas e de drogas, da cegueira que atinge os políticos e da avidez dos homens pelo poder e pelo lucro e pedi ao sabiá o favor de cantar a sua melodia em todos os cantos da Terra.
Não sei se o sabiá me ouviu. Mas ele imediatamente parou de cantar e alçou um voo muito alto e desapareceu no horizonte.
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* Gilberto Ferreira é professor da PUC e juiz de Direito em Curitiba-PR
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