Migalhas de Peso

Esperança

Um canto triste de sabiá ecoa. Num tom quase fúnebre, parece pedir para que os homens acordem. A esperança da Terra é cantada na crônica do juiz de Direito de Curitiba/PR.

23/3/2012

Gilberto Ferreira

Esperança

Os tatus obviamente não falam, mas este falava. Eu o encontrei quando caminhava pelo bosque. Ele estava fazendo um buraco ao pé de um pinheiro e trabalhava com afinco. Era um tatu grande, macho, já de idade avançada.

Ao me ver, ele parou de trabalhar e me olhou de soslaio. Imaginei que fosse sair correndo. Mas não, simplesmente continuou me olhando, com aquele jeito estranho.

Fiquei intrigado e me aproximei. Foi aí que ele falou:

- A terra aqui é mais fofa. Já estou cansado, mas preciso terminar.

Consenti com a cabeça, pois notei que nas proximidades havia uma fonte jorrando água, o que justificaria a umidade do terreno.

- Suponho que você esteja cavando a sua casa...

Ele me lançou um olhar duro e respondeu:

- Estou abrindo uma cova – E imediatamente pediu que o seguisse.

Ele passou por um jardim muito florido, parou diante de um enorme carvalho e curvou-se.

Olhei ao redor e nada vi. Parecia tudo normal e não entendia porque ele havia me levado até ali.

- Eu o encontrei morto hoje de manhã.

Foi aí que vi um tatuzinho muito jovem com a cabeça estilhaçada.

- Era meu único filho.

Fiquei sem saber o que dizer.

- A cova é para enterrá-lo. Você poderia me ajudar a transportá-lo?

Fiquei de joelhos e peguei o animalzinho no colo. Tratava-se de um bebê.

- Na semana passada foi a vez da mãe dele. Presumo que ela tenha sido morta porque encontrei vestígios de sangue e alguns pelos seus ali do outro lado da fonte.

Abaixei a cabeça e fechei os olhos. Ele prosseguiu:

- Logo também chegará a minha vez.

Eu continuava sem saber o que lhe dizer.

E ele continuou falando.

- Chegará a minha vez como chegou a vez do Tigre da Tasmânia, assim como chegará a vez dos leões, dos leopardos, dos tubarões, das baleias...

Meneei a cabeça concordando.

- A sua espécie vai acabar com todas as espécies vivas da Terra.

Peguei o pequeno tatu e o coloquei na cova. Ele antecipou-se e começou a jogar terra sobre o animalzinho até cobri-lo inteiramente.

Foi aí que eu comecei a chorar. Ele encostou a cabeça em minha perna e chorou também.

Depois, foi se afastando devagarzinho e antes de entrar no mato e desaparecer, deu uma última olhada para o pequeno túmulo.

Nesse momento eu acordei. O dia já estava claro. Levantei-me às pressas e corri para o bosque. Embaixo de um pinheiro encontrei um pedaço fofo de terra formando como que um pequeno túmulo. Fiquei com medo de mexer na terra e encontrar o tatuzinho do sonho.

No alto do pinheiro um sabiá cantava um canto triste. Em dado momento pareceu-me que ele dizia: acordem, talvez haja tempo de vocês salvarem a Terra e a vocês próprios.

E aí eu me lembrei do arsenal de bombas atômicas que existe no mundo, da falta de escrúpulo daqueles que manipulam o comércio de armas clandestinas e de drogas, da cegueira que atinge os políticos e da avidez dos homens pelo poder e pelo lucro e pedi ao sabiá o favor de cantar a sua melodia em todos os cantos da Terra.

Não sei se o sabiá me ouviu. Mas ele imediatamente parou de cantar e alçou um voo muito alto e desapareceu no horizonte.

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* Gilberto Ferreira é professor da PUC e juiz de Direito em Curitiba-PR






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