Edgard Katzwinkel Júnior
O nome empresarial: o Código Civil (CC) e a Convenção da União de Paris (CUP)
O nome empresarial é o elemento de identificação da empresa e é através dele que atuam o empresário individual e a sociedade empresária. De acordo com o art. 1.156 do Código Civil, para os efeitos de proteção da lei, equipara-se ao nome empresarial a denominação das sociedades simples, associações e fundações.
É de extrema importância a proteção legal do nome empresarial, seja por força da identidade que ele contém, seja na preservação da clientela, seja porque é elemento preponderante para evitar a concorrência desleal. Desde o Dec. 916 de 1890 há uma regulação para proteção do nome empresarial, que anteriormente era conhecido como nome comercial ou mais especificamente tratado como firma.
Mais tarde, o nome empresarial passou a ser identificado como firma ou denominação, devendo ser observado que para a firma ou empresário individual a identificação só é possível através de firma e para algumas sociedades (ou empresários coletivos), tais como sociedades em nome coletivo e sociedades em comandita simples também só é possível a identificação através de firma. Para as sociedades limitadas (as mais comuns, pois correspondem a 98% do total), por sua vez, é possível a identidade através de firma ou denominação. As sociedades anônimas, por seu turno, serão identificadas somente através de denominação, ainda que o nome empresarial seja formado pelo nome do sócio fundador. Vale lembrar que a firma é nada mais, nada menos, que a assinatura do empresário, individual ou coletivo e que é formado pelo nome do empresário individual ou pelo nome do sócio ou dos sócios do empresário coletivo. A denominação, por outro lado, é nome de fantasia e aí, claro, não pode ser firma (assinatura).
A propósito desse tema o Brasil nunca foi muito feliz na sua regulamentação, ainda que, constitucionalmente, sempre houvesse uma regra assegurando a proteção do nome empresarial, como ocorre hoje com o inciso XXIX do art. 5º da Constituição Federal.
Assim, esperava-se que o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002) resolveria de uma vez por todas a questão, ao criar o Livro II para tratar "Do Direito de Empresa". Infelizmente, não foi isto o que aconteceu, como se vê no seu art. 1.166: "A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado".
O primeiro retrocesso encontra-se na necessidade de inscrição do empresário no Registro do Comércio, quando sempre foi de sabença comum que a proteção do nome empresarial poderia ocorrer independentemente de qualquer registro. O simples uso do nome poderia assegurar essa proteção. Também não foi feliz o legislador ao restringir a proteção de uso exclusivo nos limites do respectivo Estado, onde ocorresse o registro.
Ora, o nome empresarial pode precisar de proteção da concorrência desleal num âmbito geográfico ilimitado, inclusive internacionalmente, como é previsto na Convenção da União de Paris.
A Convenção da União de Paris, elaborada em 1883 e promulgada entre nós pelo Decreto 9.233, de 28/06/1884, teve a sua última revisão em Estocolmo/Suécia, em 1967, tendo o Brasil aderido a este texto com o Decreto 635, de 21/08/1992. O art. 8º dessa Convenção, e que existe desde o primeiro texto oriundo do século XIX, tem a seguinte redação: “O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”. Essa convenção tem força de lei no Brasil e a partir de 1991 os Tribunais (STJ, REsp nº 6.169-AM, 25/05/91 é o "leading case") passaram a adotá-la para a proteção do nome empresarial, de tal modo que foi superada a discussão sobre o confronto entre marca (registrada no INPI) e o nome empresarial (em princípio com registro apenas na Junta Comercial, que facilita a prova de anterioridade).
A nova Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279 de 14/05/96) adotou o princípio de que a violação ao direito sobre o nome comercial depende sempre da avaliação das circunstâncias de fato para ser caracterizado, devendo ser examinadas principalmente o ramo de atividade industrial, comercial ou de serviços no qual a empresa atua, bem como a área geográfica onde ela possui consumidores. Este princípio decorre da opção do legislador em tipificar a violação do nome comercial dentre os crimes de concorrência desleal, pois, como se sabe, para tais crimes não há ilícito se não existir uma relação efetiva de concorrência (cf. Monsen, Leonardos & Cia., in Newsletter nº 156, de janeiro de 2002).
Pois bem. Essa disposição da Lei de Propriedade Industrial, na verdade, tranquiliza as Juntas Comerciais quanto a sua responsabilidade no exame das colidências de nomes empresariais novos com nomes empresariais ou marcas mais antigas.
No entanto, o evidente conflito entre o que dispõe o Código Civil e a Convenção da União de Paris exige uma reflexão mais profunda e cuidadosa, na medida em que a Convenção Internacional é lei ordinária e o Código Civil, que também é lei ordinária e posterior à CUP, com outro tratamento sobre a matéria, teria revogado a Convenção. Essa é a solução simplista. No entanto, não é assim que o tema deve ser tratado.
O ilustre Ministro Cordeiro Guerra, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 80.004-SE, Relator o Min. Xavier de Albuquerque, que apreciou o conflito entre a Lei Uniforme de Genebra sobre Cheques e Notas Promissórias e o Dec. Lei nº 427 de 22/01/69 (RTJ, 83, p. 826), que exigia o registro de notas promissórias em determinado prazo, sob pena de nulidade, requisito não constante da Lei Uniforme, manifestou voto que bem define o entendimento sobre esse conflito e que é inteiramente aplicável ao tema sob comento.
No seu voto o ilustre Ministro bem ponderou que a promulgação dá ao tratado força de lei, sem força constitucional, no entanto. Entendeu ele, acompanhando Verdross, que a lei não deixa de ser obrigatória pelo fato de estar em contradição com o disposto no tratado internacional. Assim, nesses termos, Verdross, segundo o Ministro, entende que, malgrado a primazia do Direito Internacional em relação ao Direito Interno, em caso de conflito entre um e outro direito, a Justiça está vinculada à observância da lei interna, pois é órgão de uma ordem jurídica que lhe prescreve a obrigação de aplicar as normas editadas na conformidade do direito próprio ao sistema estatal a que pertence.
Acrescenta, então, o ilustre Ministro Cordeiro Guerra, que de acordo com Trieppel e Anzilotti, o direito internacional e o direito interno constituem duas ordens jurídicas distintas e independentes, a cujas normas não são comuns nem a motivação da sua validade, nem os destinatários dos seus mandamentos. Da completa independência das duas ordens jurídicas segue-se, necessariamente, que o direito interno, ainda no caso de haver sido editado em violação do direito internacional, não deixa de vincular assim os indivíduos sujeitos à incidência das suas normas, como os órgãos do Estado a que o sistema constitucional atribui a função de aplicar a lei.
Assim, em conclusão, a partir desse entendimento, o único efeito de recepção do direito internacional no quadro do direito interno é de dar força de lei às normas jurídicas assim incorporadas à legislação. Nesse caso, os tratados valerão como lei e nesta qualidade serão aplicados pelos Tribunais, da mesma maneira, na mesma extensão e com a mesma obrigatoriedade próprias à aplicação do direito interno. Os casos de conflito entre duas disposições - uma de direito interno e outra de direito internacional - se resolverão, portanto, pela mesma regra geral destinada a solucionar o conflito entre as leis: "lex posterior derrogat legi priori".
A Convenção da União de Paris continuará em vigor, plenamente, para atender os interesses do estrangeiro, no país, em confronto com nacionais. Nos conflitos entre nacionais prevalecerão as disposições do Código Civil.
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* Edgard Katzwinkel Júnior é sócio do escritório Katzwinkel & Advogados Associados
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