Meu quase-conformismo não contava com a figura – para fazer jus à pessoa, em linguagem atual, uma figuraça! – do Prof. José Pinto Antunes, então diretor da faculdade, cujo nome, em decisão praticamente unânime dos formandos, seria dado à nossa turma de 1975. Último Barão de Lorena, esse senhor de aparência frágil e modos refinados e afáveis, cujo objetivo de vida declarado era ser diretor da Academia, a amava sobre todas as coisas e era um defensor dos estudantes em quaisquer circunstâncias, como outros colegas talvez possam relembrar nesta coletânea. Agnóstico, liberal de boa cepa, naquele velho e bom sentido voltairiano, foi ele quem reformou o pardieiro em que se transformara nosso Centro Acadêmico para entregá-lo a uma gestão de esquerda. E foi também ele quem, certa manhã, num dos intervalos de quinze minutos entre as aulas, enquanto seu carro, um Puma, dirigido pelo Ivo, seu fiel escudeiro, era estacionado naquele patiozinho traseiro que dá entrada pela Rua Riachuelo, chamou-me e me disse, com aquele indefectível sorriso que o caracterizava: "Decidi abolir a gravata, mas quero que isso seja uma conquista dos alunos. Peça ao Gouveia que me enderece ofício requerendo o fim do uso obrigatório da gravata que vou deferir ainda hoje".
Acabara de tomar um café no XI, acompanhado pela amiga e colega de turma Márcia Elizabeth Fernandes Pereira, e subíamos para a próxima aula. Nesse ano, 1972, eu ocupava a presidência da Comissão de Trote, daí ter mantido contato freqüente com o Pantu, apelido pelo qual os alunos carinhosamente nos referíamos ao Prof. Pinto Antunes. Pasmos os dois, Márcia e eu ainda trocamos mais algumas palavras com ele, enquanto Ivo acabava de estacionar o carro. Mas, lembro-me bem, ela me cutucava, pois eu, ainda sob efeito da notícia e certamente tentando obter mais alguma concessão, insistia em expor a ele uma providência que desejava tomar em relação às atividades do XI, e ela temia que ele desistisse da idéia... Logicamente a aula seguinte foi perdida, pois saímos à procura do Gouveia (Antonio de Gouveia Júnior, presidente do XI) a fim de que o ofício fosse redigido e entregue o mais rapidamente possível.
E foi assim, sem a menor "condição objetiva" para que a gravata fosse abolida, na verdade sem luta alguma nesse sentido, naquele momento, que ela, como a Bastilha, caiu: por obra da vontade do Prof. Pinto Antunes, reconhecendo e acolhendo um antigo anseio dos alunos.
Era óbvia a necessidade de faturar politicamente essa "vitória dos estudantes", já que uma tradição sesquicentenária acabara de ruir, e uma coletiva de imprensa foi convocada. Para espanto dos jornalistas presentes, eis que surge o Gouveia... trajando sua inseparável gravata, fato que foi devida e ironicamente noticiado pela revista Veja.
__________
* Alfredo Spínola de Mello Neto é advogado formado na Faculdade de Direito da USP, turma de 1977.
Texto publicado no livro "Arcadas: no tempo da ditadura" (Saraiva - 253p.) Organizador: Henrique d'Aragona Buzzoni
___________