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As prorrogações de concessão no setor elétrico

As concessões do setor elétrico vencem em 2015 e o governo cogita prorrogá-las por mais 30 anos por meio de lei. Se a decisão de prorrogar é, no mérito, boa, a fórmula de buscar aprovação legislativa é equivocada.

12/3/2012

Floriano de Azevedo Marques Neto

As prorrogações de concessão no setor elétrico

Parece se encaminhar para uma solução definitiva a polêmica em torno do término ou prorrogação das concessões do setor elétrico que vencem até 2015. Desde pelo menos 2006, o assunto é debatido no âmbito do MME e ANEEL com os diversos atores do setor. Agora, noticia-se que o Governo cogita prorrogar as concessões por mais 30 anos. Pretende fazê-lo por meio de lei, enviando ao Congresso um projeto em regime de urgência. Aprovado o PL, o Presidente regulamentaria, por meio de decreto, as condições de exploração e novas tarifas.

A decisão parece, no mérito, acertada. Já em 2007, em parecer emitido para a ABRADEE, sustentei que esta era a solução, não somente possível do ponto de vista jurídico, mas também a mais recomendável para permitir a continuidade dos avanços setoriais. Isso porque a não prorrogação implicaria num processo desgastante de apuração, contrato a contrato, de valores de investimento não amortizados (cálculo inicial aponta para um montante acumulado, em vários contratos, de mais de R$ 40 bilhões), para fins de indenização ou compensação. De outro lado, as novas licitações, num cenário de incertezas, poderiam gerar impasses, conflitos e frustrações, atravancando segmentos vitais para o país.

Se a decisão de prorrogar é, no mérito, boa, a fórmula de buscar aprovação legislativa é equivocada. Por dois motivos.

Primeiro porque ela é desnecessária. Os contratos de concessão já preveem não apenas a possibilidade de prorrogação (a qual, sustentei já em várias oportunidades, não ocorreu ainda) como fixa critérios e procedimentos para isso. Sem qualquer necessidade de alteração legislativa, a prorrogação é possível. Bastaria um decreto disciplinado-a, sucedida por adequada regulamentação pela ANEEL. Na verdade, o Governo, a partir de um parecer equivocado do MME, fabricou uma dificuldade pressupondo que a lei vedava a prorrogação, o que não ocorre. Criado artificialmente um suposto óbice legal, agora se quer mudar a lei para fazer o que o marco regulatório (lei e contrato) já permitia.

A segunda razão, porém, é mais preocupante. Fosse a prorrogação ilegal, ela não deveria ser feita, mesmo que com nova autorização legislativa. Concessão (qualquer que seja seu objeto) é instrumento de delegação da exploração de uma utilidade pública a um particular, por prazo certo e determinado. Prorrogada ou não uma concessão sempre tem de ter fim. Caso contrário se transforma em alienação ou alienação da função pública para o privado. Não se pode introduzir a ideia de concessão eterna enquanto dure. O contrato de concessão gera obrigações entre poder público e concessionário, que devem sobreviver até mesmo à mudança legal. Afinal, no nosso sistema, a lei não colhe o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Portanto, mudanças legais para ampliar prazos de concessão, para além do que permite o contrato, não podem nem devem ser aceitas. Inclusive porque a Constituição (artigo 175) veda concessão direta, mesmo que por lei.

No setor elétrico, as prorrogações cogitadas são já lícitas e possíveis à luz da lei e dos contratos vigentes. Não é necessário mudar a lei, nem em regime regular, nem em regime de urgência. Basta seguir os contratos. Respeitar as regras e os pactos é a melhor forma de assegurar a estabilidade setorial. Mais até que a renovação dos prazos.

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* Floriano de Azevedo Marques Neto é sócio da banca Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, atua na área do Direito Administrativo e Regulatório

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