Migalhas de Peso

Questões relativas à concessão de veículos automotores

Tendo presente a complexidade e expressão econômica que envolvem as relações entre distribuidores e produtores de veículos automotores de via terrestre, a contratação de concessão comercial de veículos automotores de via terrestre é disciplinada por lei própria, a Lei 6.729/79, com as alterações introduzidas pela Lei 8.132/90.

18/8/2005


Questões relativas à concessão de veículos automotores

Plínio Ribeiro Volponi*

Tendo presente a complexidade e expressão econômica que envolvem as relações entre distribuidores e produtores de veículos automotores de via terrestre, a contratação de concessão comercial de veículos automotores de via terrestre é disciplinada por lei própria, a Lei 6.729/79, com as alterações introduzidas pela Lei 8.132/90.

Conceituado como um contrato de compra e venda continuada, estabelecido com encargo de exclusividade de parte a parte (Cf. Bulgarelli, Waldirio - “Contratos Mercantis”, Ed. Atlas, São Paulo, pág. 419), o contrato de concessão comercial veio atender às necessidades dos fabricantes, reduzindo os vultosos custos administrativos e comerciais necessários à colocação de seus produtos no mercado.

Percebendo, por outro lado, a natural preponderância da concedente sobre as concessionárias, partes economicamente mais fracas da relação decorrente da concessão comercial, e dado o vulto dos negócios envolvidos, o legislador teve a preocupação de assegurar também às concessionárias as condições mínimas de praticar tal atividade comercial, buscando restringir ou minimizar os possíveis abusos das concedentes.

Assim, tais contratos podem ser caracterizados conto contratos de integração entre o fabricante e o distribuidor que, através de colaboração recíproca, buscam também vantagens recíprocas na distribuição de produtos aos consumidores.

A legislação especial contempla, em vários de seus artigos, as especificidades pertinentes à concessão de veículos, tais como:

a) comercialização, por parte da distribuidora em uma área geograficamente delimitada, de veículos automotores, implementos e componentes, que os compra da fornecedora com a finalidade exclusiva de revendê-los a consumidor final, (art. 3º, I);

b) prestação de assistência técnica a esses produtos, inclusive quanto ao seu atendimento em garantia ou revisão (art. 3º, II);

c) uso gratuito da marca do concedente, como identificação (art. 3º, III);

d) fidelidade e exclusividade recíproca relativamente aos produtos e à marca, sendo defeso a comercialização de produtos concorrentes (art. 3º, parágrafo 1º, letra "b");

e) existência de área operacional de responsabilidade do concessionário (art. 5º, inciso I, com a nova redação dada pela Lei n.º 8.132/90);

f) sistema de quotas ou atribuições (art. 7º);

g) obrigatoriedade de manutenção de estoques (art. 10);

h) fixação pelo concedente dos preços de venda aos concessionários, preservada sua uniformidade e igualdade quanto às condições de pagamento (art. 13);

i) exigência, pelo concedente, de capital de trabalho, capacidade técnica, instalações, ferramental de trabalho e mão-de-obra especializada da concessionária (art. 20);

j) vigência do contrato por prazo indeterminado ou o estabelecimento do prazo mínimo e inicial de 5 (cinco) anos (art. 21 e seu parágrafo único); e

k) causas de rescisão do contrato e a aferição de condições e pressupostos legais (art. 22 e parágrafos 1º e 2º).

Alguns aspectos inerentes à concessão comercial, pela relevância e importância dos interesses envolvidos, merecem atenção especial.

1. ÁREA DEMARCADA DE ATUAÇÃO.

Atributo essencial à concessão, expressamente previsto no inciso I do artigo 5º da Lei 6.729/79, com a redação dada pela Lei 8.132/90 que dispõe:

Art. 5º - São inerentes à concessão:

I – área operacional de responsabilidade do concessionário para o exercício de suas atividades;

.............................................

§ 2º - O concessionário obriga-se à comercialização de veículos automotores, implementos, componentes e máquinas agrícolas, de via terrestre, e à prestação de serviços inerentes aos mesmos, nas condições estabelecidas no contrato de concessão comercial, sendo-lhe defesa a prática dessas atividades, diretamente ou por intermédio de prepostos, fora de sua área demarcada.

§ 3º - O consumidor, à sua livre escolha, poderá proceder à aquisição dos bens e serviços a que se refere esta Lei em qualquer concessionário.

Portanto, como decorre de disposição legal expressa, o concessionário deverá exercer suas atividades nos limites de sua área contratual de atuação, não podendo, diretamente ou através de prepostos, atuar fora de sua área demarcada.

A exceção está prevista no parágrafo 3º do artigo 5º, que faculta ao consumidor a escolha de qualquer concessionário da marca para aquisição de bens e serviços.

A lei estabelece uma linha muito tênue separando o ato de vontade do consumidor que, por decisão e conveniência pessoal elege seu fornecedor, da conduta pró-ativa do concessionário, que busca clientes na área de atuação atribuída a outro concessionário.

Na prática, porém, não é de todo dificultoso a constatação do ato ilegal.

Existem várias formas que podem levar à verificação do ato impugnado, com boa margem de segurança: inexistência de duplo domicílio ou residência de veraneio do comprador; volume significativo de vendas para determinada região geográfica; considerável distância do domicílio do comprador do local de venda do bem; habitualidade dessa prática pelo infrator, além de outros indicativos que o dia a dia do negócios pode ensinar.

2. DESCONTOS ABUSIVOS.

Os descontos abusivos, ou excessivos, praticados por alguns concessionários na oferta de bens e serviços representam uma forma de concorrência desleal, passível de punição legal.

Como regra, as empresas concedentes, dando cumprimento à expressa disposição legal, mantêm as mesmas condições de preço e de pagamento para toda sua rede de concessionários, e geralmente não praticam nenhuma atitude de privilegiamento com relação a determinados concessionários, de sorte a justificar descontos excessivos que algumas vezes são praticados.

Com efeito, dispõe o parágrafo 2º do artigo 13 da lei em vigor :

“Art. 13.

................................

Cabe ao concedente fixar o preço de venda aos concessionários, preservando sua uniformidade e condições de pagamento para toda a rede de distribuição”.

Certamente as concedentes têm ainda presente o princípio estabelecido no inciso III da artigo 16 do mesmo diploma legal, segundo o qual,

“Art. 16- A concessão compreende ainda o resguardo da integridade da marca e dos interesses coletivos do concedente e da rede de distribuição, ficando vedadas:

III- diferenciação de tratamento entre concedente e concessionário quanto a encargos financeiros e quanto ao prazo de obrigações que se possam equiparar.”

Considerando essas razões de ordem legal, nada justifica os descontos excessivos muitas vezes oferecidos por alguns concessionários, podendo entender-se que tal prática tenha por finalidade prejudicar ou eliminar, parcial ou totalmente, a concorrência representada pelos demais concessionários da marca.

Esse comportamento, ao criar dificuldades para os concorrentes, fere os princípios gerais garantidores da atividade econômica consagrados e elencados na Constituição Federal e está previsto na Lei de Defesa da Concorrência, Lei 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Resta àqueles que forem prejudicados com tal conduta pleitear o ressarcimento dos prejuízos comprovadamente sofridos.

3. ÍNDICE DE FIDELIDADE NA COMPRA DE COMPONENTES.

Conforme expressa disposição legal – art. 8º da Lei 6.729/79, com a redação dada pela Lei 8.132/90, integra a concessão o índice de fidelidade de compra de componentes dos veículos automotores fornecidos pela concedente.

Esse índice deveria ter seu percentual estabelecido através de convenção de marca. À falta desse ajuste, as concedentes, na prática, têm se valido de índices em torno de 75%.

Os componentes dos veículos, como é notório, não são, em sua maioria, fabricados pelas montadoras, que limitam-se a assinalar com sua marca e embalar esses componentes, adquiridos volumosamente das indústrias de autopeças e revendê-los aos seus concessionários.

Em razão do volume das compras e o evidente vínculo entre o setor de autopeças e a montadora, a expectativa normal seria no sentido de que os preços para esses componentes fossem os melhores do mercado, não só para os concessionários, mas também para o consumidor final.

Tal não acontece, porque as montadoras praticam com sua rede de concessionários preços abusivos ou excessivos para esses componentes.

Por sua vez os concessionários, tentativamente, procuram repassar esses custos ao consumidor, no mais das vezes sem êxito, uma vez que não há diferença de qualidade entre os componentes fornecidos pelas montadoras e comercializados pelos concessionários e aqueles existentes nas lojas independentes – a não ser a exorbitância do preço, que em alguns casos chega a ser de 150%.

Como conseqüência, o consumidor deixa de comprar componentes dos concessionários e utilizar seus serviços de assistência técnica.

Os prejuízos decorrentes dessa situação são por demais evidentes e impõe-se a necessidade de regrar o índice de fidelidade previsto no artigo 8º da Lei, bem como exigir da montadora preços adequados à realidade do mercado para seus componentes.

4. TRANSFERÊNCIA DA CONCESSÃO.

Segundo disposição do artigo 3º do Capítulo XIX da Primeira Convenção das Categorias Econômicas dos Produtores e dos Distribuidores de Veículos Automotores, de 16 de dezembro de 1983, celebrada com força de lei, conforme dispõe o artigo 17 da Lei 6.729/79, está preceituado que:

“Art. 3º - Os titulares da propriedade, quotas ou ações de empresa distribuidora de veículos automotores poderão cedê-las ou transferi-las, no todo ou em parte, a interessado que atenda aos requisitos de idoneidade moral e situação econômico-financeira satisfatória em relação à atividade da empresa objeto da transação, podendo ser acrescidos em convenção de marca outros requisitos para a realização da cessão e transferência”.

Não obstante o cumprimento dessas formalidades legais e a prévia apresentação pelas partes de todos os documentos necessários à análise das concedentes para manifestação expressa sobre a transação pretendida, o que se vê, constantemente, é silêncio e omissão sempre que o tema é colocado, ou desautorização por motivos que só podem ser atribuídos à conduta caprichosa.

Os prejuízos dos concessionários decorrentes de imotivada obstaculização do negócio são de fácil percepção e até passíveis de indenização, mesmo porque o impedimento sem justo e expresso motivo é ilegal, ferindo regra contida no artigo 16, inciso I, da Lei 6.729/79 que veda ao concedente a prática de atos pelos quais vincule o concessionário a condições de subordinação econômica, jurídica ou administrativa ou estabeleça interferência na gestão de seus negócios.

5. VENDA DE VEÍCULOS PARA EMPRESAS LOCADORAS POR PREÇO DIFERENCIADO.

Embora legalmente prevista, essa modalidade de comercialização de veículos poderá trazer transtornos aos concessionários contratados.

O problema ocorre quando a venda direta, em volumes significativos, é efetuada pelas concedentes às empresas locadoras de veículos por preço inferior ao de fornecimento aos concessionários. Em curto espaço de tempo acontece o retorno de um grande lote de veículos ao mercado, sob a qualificação de semi-novos (quando não são vendidos diretamente pela locadora ao consumidor final, como novos), por preço que não pode ser cogitado pelos concessionários em suas atividades comerciais normais.

A conduta sob exame parece, numa visão inicial, atentar contra os mecanismos normais de formação de preços e poderá ser caracterizada como concorrência desleal. A infração está prevista na Lei de Defesa da Concorrência, Lei 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão aos delitos contra a ordem econômica.

A discriminação praticada pelas concedentes com relação aos adquirentes de seus bens estará inevitavelmente gerando dificuldades aos seus próprios concessionários para o exercício regular da atividade contratualmente prevista, qual seja, a comercialização de veículos usados.

Concluindo esse breve e parcial estudo, vê-se que nesse universo que abrange a comercialização de bens de consumo altamente desejados, não são poucos os questionamentos que envolvem o relacionamento entre concedentes e concessionários de veículos automotores de via terrestre.

___________________

*Advogado do escritório Lopes da Silva e Guimarães Advogados e Associados









________________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024