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Pode o Juízo Revidendo absolver o réu condenado pelo Tribunal do Júri?

Não se deve confundir soberania do Tribunal do Júri com infalibilidade das suas decisões.

1/3/2012

Fernando Tourinho Filho

Pode o Juízo Revidendo absolver o réu condenado pelo Tribunal do Júri?

À primeira vista pode parecer estranho, em face da soberania dos veredictos, possa a segunda instância rever decisão proferida pelo Tribunal popular. É certo que a instituição do Júri, com as suas decisões soberanas, está prevista no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, vale dizer, no capítulo dos direitos e garantias individuais. Não é menos certo que a lei maior tutela e ampara, de maneira toda especial, o direito de liberdade, daí dedicar-lhe todo um capítulo. Tanto é verdade que quando se trata de prova ilícita obtida pela Defesa para provar a inocência do réu, não há discrepância.

Observe-se que a Constituição da República, no art. 5º, LVI, proclama serem "inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Trata-se de dogma constitucional, como é a soberania dos veredictos. Indaga-se: e se a prova ilícita for obtida para provar a inocência do réu? Nucci, cuidando da matéria, com absoluta propriedade, após citar a lição do saudoso Celso Bastos, no sentido de que "nenhum direito reconhecido pela Constituição pode revestir-se de um caráter absoluto", entendimento consagrado no STF, observa: "... se o texto constitucional rejeita o erro judiciário, é natural que não seja possível sustentar a proibição da prova ilícita contra os interesses do réu inocente. Dessa forma, se uma prova for obtida por mecanismo ilícito, destinando-se a absolver o acusado, é de ser admitida, tendo em vista que o erro judiciário precisa ser, a todo custo, evitado" (Código de Processo Penal comentado, 2011, p. 371 – g. n.). O mesmo, e com muito mais razão, se deve dizer, entre o manter a soberania dos veredictos intangível e procurar corrigir um erro em benefício da liberdade. Se a Constituição repugna o erro judiciário e se o juízo revidendo, reconhecendo-o, absolve o réu, a devolução dos autos à primeira instância a fim de submetê-lo a novo julgamento é um sentido sem sentido, na bela expressão do cancioneiro popular.

Obviamente o direito de liberdade se sobrepõe a todo e qualquer outro, mesmo porque as liberdades públicas, notadamente as que protegem o homem do arbítrio do Estado, constituem uma das razões do processo de organização democrática e constitucional do Estado. Se a revisão criminal visa, portanto, à desconstituição de uma sentença condenatória com trânsito em julgado, vale dizer, se é um remédio jurídico processual que objetiva resguardar o direito de liberdade, há de sobrepor-se ao princípio da soberania, é óbvio. Entre o direito de liberdade e a garantia constitucional da soberania dos veredictos, a prevalência é daquele, ante a repugnância que causa a qualquer homem de bem a condenação de um inocente. E essa repulsa pelo erro judiciário é universal, e como dizem Brière de L’Isle e Paul Cogniart “La science et la conscience des juges ne leur garantissent pas l’infaillibité” (Procédure pénale, t. 2, p. 251).

Desse modo, as decisões condenatórias do Júri, uma vez preclusas as vias impugnativas, podem ser objeto de revisão criminal. Nesse sentido: RT, 479/321, 357/523, 449/476, 475/352, 448/330, 548/331; RTJ, 115/1114; HC 67.737, DJU, 16-2-1990, p. 930; e Hermínio Marques Porto (Júri, 2. ed., p. 41-42).

E se no juízo revidendo se concluir que a decisão condenatória foi manifestamente contra a prova dos autos? A jurisprudência era pacífica no sentido de o juízo revidendo absolver. Mais tarde, no STJ, HC 190.419/DF, DJU, 18-11-2002, p. 251, e AgRg no REsp 1.021.468, DJe, 10-8-2011, Rel. Min. Jorge Mussi, invocou-se aquele único precedente: anula-se o julgamento, ensejando outro. Deslizam até mesmo os que escrevem com pena de ouro, dizia o velho Vieira. Com a devida vênia e respeito pelo e. Ministro Jorge Mussi, não nos parece, visto que somente em grau de apelação foi previsto novo julgamento. Após o trânsito em julgado, não. Não e renão. Repetimos: todas as Constituições do mundo civilizado repugnam o erro judiciário, mormente quando se tratar da condenação de um inocente. Se no juízo revidendo for reconhecido que a decisão do Júri foi manifestamente contra a prova dos autos, não tem sentido o retorno dos autos à primeira instância para novo julgamento. Sua absolvição se impõe. Se o Júri está no capítulo dos direitos e garantias individuais, e a revisão criminal é instituto que visa precipuamente a desconstituir a sentença condenatória transitada em julgado – sempre, inexoravelmente sempre, com a finalidade de proporcionar benefício ao réu, não havendo possibilidade de revisão pro societate –, não teria sentido anular uma decisão do Júri já transitada em julgado, para submetê-lo a novo julgamento. Haveria, inclusive, a possibilidade de uma reformatio in pejus ante a possibilidade de o réu, no novo julgamento ser condenado, às vezes até a uma pena mais grave.

Admita-se tenha sido o réu pronunciado por homicídio qualificado. Os jurados reconheceram o homicídio mas afastaram a qualificadora. Não houve recurso. Transitada em julgado a decisão, o réu ingressou no juízo revidendo demonstrando que ela foi manifestamente contrária à prova dos autos, não havendo nenhuma prova que o inculpasse. Procedente a revisão, e levado o réu a novo julgamento, os novos jurados, soberanos que são, e julgando de acordo com a sua consciência -- atente-se para o juramento que prestam antes do julgamento (art. 472 do CPP) --, não estariam impossibilitados de acolher a tese ministerial exposta na pronúncia e condená-lo por homicídio qualificado, mesmo porque não mais poderia o Juiz alterar a pronúncia de homicídio qualificado para simples. Se os jurados julgam de acordo com a sua consciência nada os impediria de acatar a tese da qualificadora. Quid inde? Se a regra do art. 626 do CPP ao permitir à instância revisora o poder de absolver não pode ser aplicada à decisão do Júri, em face da sua soberania, logicamente não se lhe aplicaria também a prevista no seu parágrafo único, que impede, no novo julgamento, aumento de pena... surgindo, então, estúpida violação à proibição da reformatio in pejus.

Há no texto da nossa Lei Fundamental, para a hipótese aqui em testilha, três regras constitucionais: a soberania dos veredictos, a plenitude de defesa e a revisão criminal, esta por força do § 2º do art. 5º da CF e aquelas pela previsão do inciso XXXVIII do mesmo art. 5º. Soberania, plenitude de defesa e revisão criminal formam uma trilogia em resguardo de um direito maior, que é o direito de liberdade. Elas não podem contradizer-se, sob pena de haver superioridade de uma em relação a outra. Soberania é uma coisa; infalibilidade é outra. E como bem disse o Ministro Celso de Mello, " ... a condenação definitiva imposta pelo Júri é passível, também, de desconstituição, mediante revisão criminal (RTJ 115/1114), não lhe sendo oponível a cláusula constitucional da soberania do veredicto do Conselho de Sentença... A soberania dos veredictos do Júri – não obstante a sua extração constitucional – ostenta valor meramente relativo, pois as manifestações decisórias emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere a esse órgão especial da Justiça comum o exercício de um poder incontrastável e ilimitado" (HC 68658/DF, DJ, 26-6-92, p. 10105).

O Código de Processo Penal e os Regimentos Internos dos Tribunais estabelecem os órgãos competentes para julgar as revisões. O Tribunal do Júri não pode ser Juiz revidendo de suas decisões. Nem a Constituição da República lhe confere tal competência.

Na lição do eminente Ministro Gilmar Mendes, "as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído na e pela própria Constituição. Em consequência a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade, do que resulta, por outro lado, que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra, até porque – 'relembre-se o círculo hermenêutico – o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes" (Curso de direito constitucional, p. 114).

"Intimamente ligado ao princípio da unidade da Constituição, que nele se concretiza -- prossegue o eminente Ministro e Professor -- o princípio da harmonização ou da concordância prática consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando em situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas, ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum" (ibidem).

As decisões do Júri são soberanas. Trata-se de uma garantia do direito de liberdade. Certo que o Júri também pode condenar e, aparentemente não estaria respeitando o direito de liberdade. Mas o Júri foi mantido para, nos crimes dolosos contra a vida, que qualquer um pode praticar – dependendo das circunstâncias --, julgar com a liberdade que o Juiz togado não tem. "O juiz togado tem um defeito que o jurado não tem, o calo profissional, que, na rotina, pode desanimá-lo, endurecê-lo, com o risco de, ao fim de certo tempo, já não o comoverem as grandes dificuldades da complexa criatura humana e, assim, em decorrência, faltar-lhe o equilíbrio essencial..." (Edmundo Oliveira, O Tribunal do Júri na administração da Justiça criminal nos Estados Unidos, apud Rogério Lauria Tucci, Tribunal do Júri, p. 105).

Ou, como assinalou Binder: “El juez técnico aparece, entonces, como un ser puramente racional, ajeno a los sentimientos, ajeno a las consideraciones sociales: una computadora de carne y hueso que – vaya paradoja -- nadie se animaria a cambiar por una verdadera computadora.

Ahora bien: frente al juez técnico, el juez popular se há presentado como un baluarte de la libertad, resultado del concepto básico de soberanía política, garante de una justicia que no se limite a aplicar el Derecho de un modo puramente lógico” (Alberto M. Binder, Introducción al derecho procesal penal, p. 86).

Assim, na hipótese de o juízo revidendo reconhecer que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, a absolvição se impõe, mesmo porque a competência para determinar se proceda a novo julgamento é da Câmara Criminal ou Turma, em grau de apelação. Transitada em julgado a decisão, somente a revisão criminal ou eventualmente o habeas corpus pode desconstituí-la. É certo que o § 3º do art. 593, do CPP dispõe que se a apelação se fundar no inciso III, d, do art. 593 e, provido o recurso e realizado o segundo julgamento, não se admite apelação com fulcro na mesma alínea. E não se admite porque a decisão do Júri é soberana. Mas não há resposta séria e convincente para esta pergunta: por que a decisão do Júri foi soberana no segundo julgamento e não o foi no primeiro? E muito menos a esta: se os jurados, na exortação a que se refere o art. 472, comprometeram-se a julgar a causa com imparcialidade e de acordo com as suas consciências, como poderiam ser obrigados a julgar de acordo com as provas dos autos?

Como não houve previsão no capítulo da revisão criminal sobre a possibilidade de, na hipótese em exame, ser o réu submetido a novo julgamento, outro caminho não há senão o da absolvição. É bem verdade, também, que o art. 626 do CPP fala na possibilidade de ser anulado o processo e, no parágrafo único, dispõe que, "de qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista". É um argumento a mais a justificar nosso entendimento: se o réu devesse ir a segundo julgamento, e os novos jurados, ao contrário do que sucedera no julgamento anterior, reconhecessem a qualificadora, que solução encontraria o Juiz- Presidente? Se o Júri é soberano, e uma vez reconhecido o homicídio qualificado, o parágrafo único do art. 626 do CPP não seria bastante para frear-lhe a soberania.

Não se deve confundir soberania do Tribunal do Júri com infalibilidade das suas decisões. Admitida essa irrealidade, todos os nossos Tribunais do mais modesto, que é a Turma de Recursos dos Juizados Especiais Criminais, à nossa maior Corte de Justiça, ponto culminante do Poder Judiciário nacional, poderiam, e efetivamente podem, ter suas decisões revistas, mas... as decisões do Tribunal popular seriam intocáveis, como se estivessem dentro de uma redoma. Não é assim que se interpreta o princípio da soberania. Este quer significar apenas e tão somente que a segunda instância não pode corrigir eventual erro de julgamento do Tribunal populari: se o Júri absolveu, repita-se, ante eventual apelo da Acusação, o máximo que a Instância Superior pode fazer é determinar se proceda a novo julgamento. E se condenou, também, em decorrência do mesmo princípio, não pode o órgão de segundo grau absolver.

Mas, no instante em que transita em julgado a decisão do Tribunal do Júri e surgem novas provas mostrando a inocência do réu em toda a sua nudez, pode e deve o juízo revidendo absolvê-lo. A revisão é feita pela Seção ou Grupo de Câmaras do Tribunal de Justiça, se se tratar de Júri estadual, ou o grupo de Turmas do Tribunal Regional Federal se o Júri for federal. Soberania dos veredictos não se confunde com infalibilidade, sob pena de nenhum condenado pelo Tribunal popular conseguir demonstrar o erro judiciário, a menos que esse Tribunal queira. Senão, não.

Desse modo, as decisões do Tribunal popular, dês que se amoldem àquelas exigências dos arts. 621 e 626 do CPP, comportam a revisão. É verdade que há uma corrente doutrinária de envergadura (Guilherme Nucci, Tribunal do Júri, 2011, p. 447; Jorge A. Romeiro, Da revisão, p. 86; Adalberto José de Camargo Aranha, Dos recursos no processo penal, p. 175) entendendo que no juízo revidendo deverá o Tribunal, se julgar procedente a revisão, limitar-se ao judicium rescindens, encaminhando os autos à primeira instância para que novo Júri exerça o judicium rescissorium. Já vimos que Nucci, com bastante acerto, entende que a Magna Carta tem uma repugnância pelo erro.

O jurado, repita-se, não fica preso a textos legais, nem a precedentes ou súmulas. Se absolver ou condenar, a segunda instância não pode converter a absolvição em condenação e vice-versa. Aí está a sua soberania. Transitada em julgado, a decisão absolutória torna-se inatacável. Se condenatória, ainda resta a via revidenda, seja para absolver, seja para desclassificar o crime, seja para anular o julgamento. Aqui está a revisão. Desrespeito algum se faz à soberania, visto não ter sido a decisão proferida em seu desfavor. E como disse o brilhante Sérgio Demoro Hamilton no prefácio à segunda edição do Direito processual penal de Paulo Rangel, e aceitando a entendimento do autor (p. LX), "a ação revisional não é pro reo, ela tem por fim restabelecer a ordem jurídica violada com a punição de um inocente".

Se "a finalidade da revisão é a de permitir o reexame de processos condenatórios findos - em que se respeitaram a soberania dos veredictos e a plenitude de defesa-- e possibilitar a reparação daquilo que constitui a preocupação maior dos penalistas – o erro judiciário" -, como afirmava o velho Walter P. Acosta (O processo penal, p. 369), de que serviria a revisão, ante a possibilidade de o Júri manter a mesma sentença? Por óbvio não seria um meio de reparar o erro judiciário, e sim de procrastinar o fim do processo, com desprestígio do órgão revidendo e desrespeito àquela outra regra constitucional, de maior expressão, que admite a revisão criminal dos processos findos. E a soberania dos veredictos estaria se sobrepondo à revisão criminal, adquirindo "ares" de infalibilidade.

Ademais, se a soberania dos veredictos é dogma constitucional, também o é a plenitude de defesa. Soberania e plenitude de defesa formam uma urdidura inextrincável, ambas na defesa da liberdade do réu. E haveria um arremedo de plenitude de defesa, ou uma plenitude de defesa perneta, se a instância revidenda, reconhecendo que a decisão do Tribunal popular foi manifestamente contrária à prova dos autos, constatando um erro judiciário brutal, pudesse apenas rescindir o julgado e determinar a realização de novo Júri, sujeitando o revisionado às agruras de outro julgamento. Não seria revisão, e sim um segundo apelo... E se no novo julgamento fosse mantida a condenação? Impossibilitado de apelar (art. 593, § 3º, do CPP), teria de ingressar com novo pedido revisional... se surgisse nova prova (art. 622, parágrafo único, do CPP). E se surgisse? Nova revisão. E se obtivesse êxito? Novo julgamento pelo Tribunal do Júri... Teria sentido esse círculo vicioso sem sentido?

A revisão deixaria de ser remédio para jugular erro judiciário – repugnado pela Lei Maior -, ficando com a sua natureza completamente desfigurada. Se o juízo revidendo, em vez de absolver (como pode fazê-lo), determinar a realização de outro julgamento pelo mesmo órgão que cometeu o erro, seria a mesma coisa que dar com uma mão e tirar com a outra... como já dizia um dos nossos mais velhos anexins.

Não se nega seja a soberania dos veredictos dogma constitucional. É o que está, com todas as letras, no art. 5º, XXXVIII, da Lex Mater. Também o é a revisão criminal prevista nos arts. 102, I, f , e 108, I, b, da Lei Fundamental, por força do § 2º do art. 5º desse mesmo diploma maior. E a revisão criminal, ao contrário do que possa parecer, tem um poder muito mais extenso e intenso que a própria soberania do Júri. É uma ação que objetiva desconstituir a coisa julgada, quando houver erro judiciário. É mercê da revisão criminal que se reapreciam condenações proferidas até pelo Supremo Tribunal Federal, cimeiro do Poder Judiciário, fazendo surgir, desnudado e desventrado, de maneira absolutamente soberana o espectro do erro judiciário. É por meio dela que as decisões do Superior Tribunal de Justiça, órgão maior das Justiças Estaduais e Federal, são reexaminadas. Assim também as decisões proferidas por quaisquer Tribunais, porque o interesse maior é não permitir o erro judiciário, mazela de muitos julgados.

Frederico Marques, mestre de todos nós, e que não morria de amores pelo Júri, afirmava com a maior segurança: “A soberania dos veredictos não pode ser atingida, enquanto preceito para garantir a liberdade do réu. Mas, se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comete contra o texto constitucional. Os veredictos do Júri são soberanos enquanto garantem o jus libertatis. Absurdo seria, por isso, manter essa soberania e intangibilidade quando se demonstra que o Júri condenou erradamente” (A instituição do Júri, São Paulo, v. 1, p. 54-55).

Nesse mesmo sentido, o Professor André Nicolitt: "Na revisão criminal o Tribunal tem amplo poder para reformar a sentença condenatória, para absolver o condenado, diminuir a pena, ou qualquer outro benefício, pois a soberania dos veredictos é uma garantia do réu e não pode ser utilizada para obstar outra garantia constitucional em seu próprio benefício, como no caso a revisão do erro judiciário" (Manual de processo penal, p. 557).

Assim também Paulo Rangel (Direito processual penal, 2011, p. 1057): "A absolvição como efeito da revisão ocorre, inclusive, das decisões emanadas do Tribunal do Júri, pois não há que se falar em ofensa à soberania dos veredictos, pois este foi criado em favor do réu e, nesse caso, não pode haver ofensa àquilo que está sendo 'desrespeitado' para lhe proteger".

Sérgio Médici, com absoluta propriedade, observa: "Atribuir a competência do judicium rescissorium ao júri seria equiparar a revisão a uma simples apelação. A revisão criminal destina-se exclusivamente a corrigir o erro judiciário e não ao reexame de toda a prova ou à ampla discussão do mérito da causa" (Revisão criminal, 2000, p. 201).

Aury Lopes Jr.: "Esclarecemos que o Tribunal, julgando a revisão, poderá absolver o autor sem a necessidade de novo júri, que somente ocorrerá quando houver anulação do processo, em que todo ou parte do processo deverá ser repetido" (Direito processual penal e sua conformidade constitucional, v. 2, p. 626).

O sempre lembrado Mirabete ensinava: "É admissível a revisão da sentença condenatória irrecorrível proferida pelo Tribunal do Júri, pois a alegação de que o deferimento do pedido feriria a 'soberania dos veredictos', consagrada na Constituição Federal, não se sustenta. A expressão é técnico-jurídica e a soberania dos veredictos é instituída como uma das garantias individuais, em benefício do réu, não podendo ser atingida enquanto preceito para garantir sua liberdade. Não pode, dessa forma, ser invocada contra ele. Aliás, também a Magna Carta consagra o princípio constitucional da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes (art. 5º, LV), e entre estes está a revisão criminal. Cumpre observar que, havendo anulação do processo, o acusado deverá ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, enquanto a prova da inocência redunda em absolvição do condenado" (Código de Processo Penal interpretado, 2001, p. 1603).

Mandar o acusado a novo julgamento criar-lhe-ia uma situação de anseio, enfim, de um culpado potencial. E se for condenado novamente? A via do apelo, conforme vimos, estaria fechada, em face do § 3º do art. 593 do CPP. Restar-lhe-ia nova revisão, se conseguisse nova prova... E se conseguisse, o juízo revidendo mandaria a novo Júri... Seria e é uma situação de contundente extravagância ante a indisfarçável esdruxularia. Como pode o juízo revidendo corrigir o erro judiciário se será obrigado a remeter os autos ao mesmo órgão que cometeu o desatino? Não funcionaria como órgão competente para corrigir o erro judiciário, mas exerceria o papel de simples órgão de segunda instância.

O nosso ordenamento não criou um juízo rescindens e outro rescissorium, à semelhança do que ocorre em outras poucas legislações. Se não o criou, não podem os Tribunais criá-lo, usurpando função do legislador. Sempre foi da nossa tradição o juízo revidendo exercer o juízo rescindens e o juízo rescissorium simultaneamente. No juízo revidendo, entre nós, a causa é novamente julgada, seja para alterar a classificação da infração, seja para absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo, à dicção do art. 626 do CPP. Nenhuma restrição às decisões do Tribunal do Júri. Quando da elaboração da lei n. 263, em fevereiro de 1948, ocasião em que os mesmos constituintes procuraram adaptar a Instituição do Júri aos novos caracteres traçados no § 28 do art. 141 da Carta Política de 1946, revogaram os arts. 604, 605, 606 e outros do CPP, mas mantiveram em toda a sua inteireza as disposições sobre revisão criminal.

Todos os ordenamentos do mundo, sem exceção, consagram – em homenagem a esse mesmo direito de liberdade, bem maior que possuímos -- o instituto da revisão criminal de todas as condenações, partam de onde partirem, dês que haja um erro judiciário. A finalidade da revisão é conjurar o erro judiciário. Mas se houver um decreto absolutório é diferente. O nosso ordenamento não admite a revisão pro societate. O mesmo ocorre na França: "Par indulgence pour les coupables il n’y a pas de révision en cas d’acquittement accordé à la personne qui était en réalité coupable" (Robert Vouin e Jacques Léauté, Droit penal et procédure pénale, 1960, p. 320).

Assim também Gaston Stefani et al.: "Si l’erreur de fait a entrâiné l’acquittement d’un coupable, l’autorité de la chose jugée constitue un obstacle absolu à toute modification de la décision d’acquittement prononcée a tort. Mais si, au contraire, par suíte d’une erreur de fait un innocent a été injustement condamné, il est alors possible, malgré la chose jugée qui s’attache à la décision de condamnation, de faire réparer cette erreur judiciaire" (Procédure pénale, p. 809).

Quando os ordenamentos a permitem, fazem-no com certa parcimônia (Portugal -- CPP, art. 449; Alemanha -- StPo, § 362; Itália -- art. 69, n. 2, do Codice di Procedura Penale, apenas quando "la morte dell’imputato è stata erroneamente dichiarata", à semelhança do que ocorre com o do Equador). A finalidade da revisão, repita-se, é conjurar o erro judiciário. Trata-se de ação de impugnação para desfazer a coisa julgada.

Se a finalidade da revisão criminal é corrigir o erro judiciário – ou não seria revisão; se a revisão é também garantia constitucional – e das mais expressivas -, contra as ofensas à dignidade da pessoa humana e à injustiça, sendo ela o último remédio para fazer cessar o erro judiciário, não teria sentido, como não tem, limitar-se o juízo revidendo, nas condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, a remeter os autos a esse Tribunal para proferir novo julgamento, para constatar se o juízo revidendo agiu acertadamente absolvendo o condenado... A revisão teria sido de todo inócua e perdido a sua função, qual seja, corrigir o erro judiciário, parta de onde partir.

No processo de revisão criminal não há dois períodos distintos, como ocorre nos pleitos judiciários (João Martins de Oliveira, Revisão criminal, p. 206).

Daí a lição de Frederico Marques: "Como ação penal destinada à tutela do direito de liberdade, a revisão criminal pro defensionis é, ao demais, direito e garantia decorrentes da própria Constituição. Trata-se de corolário imediato da plenitude do direito de defesa tão solenemente proclamada no art. 141, § 25, da Lei Maior" – referência à Carta de 1946 – obs. nossa (Apontamentos sobre o processo penal brasileiro, de Pimenta Bueno, p. 154).

E se após cumprir a pena que lhe foi imposta pelo Tribunal do Júri, surgir uma prova indiscutível da sua inocência e, desejando restaurar seu status dignitatis, ingressasse o réu no juízo revidendo e obtivesse êxito? Teria sentido mandá-lo a novo Júri para a confirmação da decisão revidenda? E se ele morresse e a esposa ou o filho conseguisse uma prova esmagadora da sua inocência e lograsse êxito na revisão criminal? Teria sentido remeter os autos à primeira instância para o Tribunal do Júri confirmar, ou não, a decisão do juízo revidendo? Ademais, a Constituição e o Código de Processo Penal, este no art. 624, dizem quais os órgãos que têm competência para as revisões. Nenhuma alusão ao Tribunal do Júri...A Constituição não conferiu competência ao Júri para rever as suas próprias decisões.

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* Fernando Tourinho Filho é professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito do Centro Universitário (UNIARA) de Araraquara

 

 

 

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