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Os limites de competência da Justiça especial na execução das multas

Apesar dos juizados especiais julgarem causas de menor complexidade e terem limites de competência, alguns insistem em determinar e permitir o processamento de execuções milionárias a título de astreintes, que podem se transformar em fonte de enriquecimento ilícito da parte.

15/2/2012
Marcos Braid

Os limites de competência da justiça especial na execução das multas

Os Juizados Especiais têm competência para processar e julgar causas de menor complexidade, assim consideradas aquelas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

A adoção dos princípios acima referidos levou o legislador infraconstitucional a simplificar e limitar o procedimento das causas que se processam perante os juizados especiais e os meios de impugnação das decisões judiciais, admitindo, além do recurso inominado às Turmas Recursais e dos embargos de declaração, apenas o cabimento de recurso extraordinário, exclusivamente, para o Supremo Tribunal Federal. Portanto, por ausência de previsão legal, ficou impossível em matéria constitucional a análise da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça, que é o órgão de uniformização da jurisprudência relacionada à legislação ordinária vigente no país.

Essa limitação engessou a possibilidade de revisão da decisão por um órgão superior. Isso porque, após a confirmação ou reforma de uma determinada decisão pela Turma Recursal, diante das inúmeras limitações e requisitos exigidos para a admissibilidade do recurso extraordinário, o Supremo, praticamente, ficou impossibilitado de enfrentar o mérito da decisão. A consequência disso é a permanência de decisões absurdas, arbitrárias e ilegais.

A jurisprudência do Supremo e do STJ despertou para esse poder absoluto dos juizados especiais e criou uma forma de revisão dessas decisões por meio da reclamação, e de controle da competência dos atos emanados dos juizados especiais pela via do mandado de segurança perante os tribunais locais. No primeiro caso, o Supremo decidiu que enquanto não é criada a Turma de Uniformização para os Juizados Especiais Estaduais poderia haver a "manutenção de decisões divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal" e determinou que as questões fossem processadas e decididas por meio de reclamação no STJ. A Corte, incentivado pela decisão do Supremo, editou a resolução nº 12, de 2009, criando as reclamações "destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recurso especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil".

No segundo caso, a admissão do mandado de segurança perante os Tribunais de Justiça dos Estados possibilitou aos tribunais e, por consequência, ao próprio STJ em grau de recurso, proceder ao exercício de controle da competência dos juizados especiais, decidindo, como por exemplo, se determinada causa é complexa por necessitar de prova pericial ou, ainda, se determinada execução, por ultrapassar o limite de alçada dos juizados, pode ser processada e julgada no âmbito da Justiça especializada.

Com base nesses instrumentos de revisão e controle, o Superior Tribunal de Justiça vem combatendo e moralizando as execuções de multas diárias (astreintes) processadas perante os juizados especiais. Essas multas nada mais são que meio de coerção pecuniário aplicado ao devedor para compeli-lo a cumprir determinada obrigação de fazer, não fazer e entrega de coisa. No âmbito dos juizados, , por exemplo uma simples reclamação visando obter a exclusão do nome do autor dos órgãos de proteção ao crédito, em caso de eventual descumprimento de um comando judicial no qual fora fixada multa diária -, poderá transforma se em fonte de enriquecimento ilícito para a parte, com a execução de multas no valor de R$ 1 mil R$ 10 mil, R$ 100 mil, R$ 1 milhão, R$ 10 milhões, dependendo do tempo de descumprimento da ordem judicial. E mesmo com a previsão legal estampada no artigo 461, parágrafo sexto do Código de Processo Civil, conferindo poderes ao juiz, inclusive de ofício, de reduzir esses valores quando manifestamente excessivos, raras vezes se observa o cumprimento desta norma pela justiça especializada.

O STJ, em boa hora, seja via reclamação, seja via mandado de segurança, vem admitindo a suspensão de execuções milionárias e a redução de multas que ultrapassem o limite do teto de quarenta salários mínimos para as demandas que tenham curso perante os juizados especiais.

Muito embora essa limitação não se sobreponha aos juros, correção monetária e honorários advocatícios, na medida em que tais encargos são inerentes à condenação, tal entendimento não abarca os valores atinentes à multa imposta a título de astreinte.

A multa cominatória, prevista tanto no artigo 52, inc. V, da lei 9.099/95, quanto no art. 461, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, não é estimada segundo critérios objetivos, haja vista que para que se verifique a suficiência da medida, esta "deve ser examinada hipotética e potencialmente à luz das circunstâncias econômicas, sociais e psicológicas de cada caso concreto submetido à apreciação judicial".

Foi preciso o STJ criar instrumentos e através deles dizer o que já estava dito numa simples interpretação dos dispositivos da lei 9099/95, ou seja, que uma vez proposta reclamação perante os juizados especiais, a execução de multas diárias por eventual descumprimento de ordem judicial jamais poderá ultrapassar o limite de alçada (40 salários mínimos) da justiça especializada.

Infelizmente, alguns juizados especiais e Tribunais locais ainda não quiseram enxergar para os limites de competência de atuação da justiça especial, e insistem em determinar e permitir o processamento de execuções milionárias a título de astreintes. Felizmente, o STJ, como órgão de uniformização da legislação federal, vem combatendo esses abusos e moralizando esse modo de atuação, colocando os juizados especiais no seu devido lugar, que é o de dizer o direito dentro dos limites e atribuições que lhe foram conferidas por lei.

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* Marcos Braid é advogado, sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados

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