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Sanções em contratos administrativos

O causídico aponta que a legislação que regulamenta sanções em contratos administrativos é imprecisa e, por isso, muitos questionamentos surgem a respeito de sua abrangência.

7/2/2012

Ricardo Camarotta Abdo

Sanções em contratos administrativos

Quando se trata do tema "sanções em contratos administrativos", muitos questionamentos surgem quanto à sua abrangência, dada a imprecisão da legislação que regulamenta a questão e que traz grande margem de discricionariedade à Administração Pública, bem como o grande "poder" que recai sobre as mãos do administrador público a quem cabe a um só tempo fiscalizar o cumprimento do contrato assinado e aplicar sanções ao Contratado.

Pois bem. Importa esclarecer inicialmente que a Administração Pública não realiza apenas Contratos Administrativos, mas, também, contratos outros que são celebrados sob o regime de direito privado. Explica-se resumidamente.

Utiliza-se a expressão "Contratos da Administração" para fazer referência a todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob o regime do direito público, seja sob o regime do direito privado (ainda que parcialmente derrogado por normas de direito público). Cingimo-nos somente aos contratos firmados sob o regime de direito público.

Com efeito, a expressão "Contratos Administrativos" remete somente aos contratos celebrados pela Administração Pública sob o regime de direito público, ou seja, aqueles contratos celebrados para a consecução de fins públicos e que estão regulados pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos – lei 8.666/93. Nesta espécie de contrato, a Administração Pública age com poder de império, com finalidade exclusivamente pública, diferenciando-se dos contratos celebrados sob o regime de direito privado, principalmente, pela presença das chamadas "cláusulas exorbitantes"1.

Entende-se por cláusulas exorbitantes como aquelas cláusulas que importam na relação desproporcional presente em todo Contrato Administrativo, onde se impera a supremacia do interesse público sobre o privado, também representado pela relação vertical entre as partes. Essas cláusulas (também conhecidas como prerrogativas) são tidas como ilícitas nas contratações disciplinadas pelo direito privado.

Resumida e exemplificativamente, cita-se como cláusula exorbitante (i) a exigência de garantias; (ii) a possibilidade de alteração unilateral do contrato pela Administração Pública; (iii) a rescisão unilateral do contrato por manifestação exclusiva da Administração Pública; (iv) os poderes inerentes à fiscalização que a Administração Pública possui; (v) a retomada do objeto; e convergindo-se, agora, ao tema em análise, (vi) a aplicação unilateral de sanções e penalidades.

Para a celebração de um contrato administrativo, não basta a vontade das partes. É fundamental que referido contrato (administrativo) seja precedido de uma fase interna da Administração (o que comporta raras exceções), onde será constatada a necessidade a ser suprida (objeto do futuro contrato), a viabilidade jurídica e econômica da contratação e, também, a existência de competição entre os possíveis fornecedores/prestadores de serviço. Define-se, também nesta fase interna, se o objeto a ser contratado comporta dispensa ou inexigibilidade de licitação (contratação direta).

Lembrando-se que ambas as modalidades – dispensa e inexigibilidade de licitação – são regulamentadas também pela lei 8.666/93, vale apontar, sucintamente, que a diferença básica entre elas é a de que na dispensa de licitação há a possibilidade de competição que justifique um processo licitatório, no entanto, a lei (8.666/93) faculta a sua dispensa nos casos nela previstos. Já no caso de inexigibilidade, resta configurada a inviabilidade de competição para o objeto a ser contratado.

Independentemente do caso de dispensa ou inexigibilidade de licitação, em outras palavras, seja o contrato administrativo proveniente de uma contratação direta ou precedida de processo licitatório, referido contrato será regido pelas mesmas normas e regras.

Dentre elas, como já adiantado, encontra-se o "poder" que a administração pública possui em aplicar as sanções previstas na lei 8.666/93 que, obrigatoriamente, também devem estar previstas no Edital e no Contrato Administrativo formado.

Outro importante ponto a ser destacado é que, muito embora a legislação estabeleça expressamente que "a Administração poderá aplicar ao contratado" sanções, é evidente que a expressão não traz uma discricionariedade ao administrador público de aplicar ou não aplicar a sanção administrativa quando verificada a infração contratual pelo particular contratado. Trata-se de um dever! A não aplicação da sanção nas hipóteses legais e contratualmente previstas configura um ato que fere a moralidade administrativa e configura desvio de finalidade por parte do administrador público, o qual, por sua vez, estará sujeito a sofrer consequências legais em razão de sua omissão.

Estão previstas na lei 8.666/93 quatro tipos de sanções: (i) advertência; (ii) multa; (iii) suspensão temporária do direito de licitar e impedimento de contratar com a '"Administração" (não superior a dois anos nos contratos regidos pela Lei 8.666/93); e, a pior delas, (iv) a declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a "Administração Pública".

Referidos "tipos" sancionatórios estão arrolados no artigo 87, da lei 8.666/93 intencionalmente na ordem acima destacada. Nota-se, portanto, a intenção do legislador em escalonar as sanções da menos severa (advertência) a mais grave (declaração de inidoneidade).

A previsão legal acerca da aplicabilidade de referidas sanções também não se restringe somente aos casos de inexecução total ou parcial do contrato, como preceitua o caput do artigo 87, uma vez que, logo na sequência do texto legal, o artigo 88 estende a aplicação destas sanções a praticamente todo e qualquer ilícito verificado na execução do contrato e do processo licitatório, bem como para o caso de condenação definitiva em fraude fiscal, por exemplo.

Nota-se, outrossim, a faculdade de cumulação das sanções, ou seja, o contratado pode sofrer, pelo mesmo fato (que implique em descumprimento/inexecução do contrato) qualquer uma das sanções previstas nos incisos do artigo 87, da Lei 8.666/93, somada a sanção de multa, conforme previsão contida no parágrafo segundo do mesmo dispositivo de lei.

Ocorre que, verificadas os pontos acima destacados, não há como deixar de afirmar que existe uma enorme imprecisão legislativa quanto a qual sanção aplicar em cada hipótese específica. Ou seja, a legislação não traz parâmetros claros acerca de quando o administrador público, obrigado a sancionar no caso de descumprimento do contrato pelo Contratado, deve aplicar a sanção de advertência, multa, suspensão temporária de licitar e contratar ou a de idoneidade. Não vigora, neste caso, o princípio da pena específica, como ocorre no direito criminal, por exemplo.

Muito se discute na doutrina a respeito do tema. O que se encontra praticamente consolidado pelos tribunais pátrios é a evidente intenção do legislador em criar uma escala de sanções, da mais leve até a mais grave, devendo, o administrador público responsável pela sua aplicação, respeitado o devido processo legal e o direito do contraditório, aplicar o princípio da proporcionalidade da sanção em face da gravidade da infração cometida, motivando suas decisões.

Vale dizer, é absolutamente reprovável a conduta do administrador público, diante da imprecisão da legislação, aproveitar-se de sua margem de discricionariedade, para a prática de atos arbitrários que ferem os direitos dos Contratados de terem uma sanção proporcional à infração cometida. Tais atos são tidos como ilegais, uma vez que ferem a moralidade e configuram abuso de poder e desvio de finalidade da lei e, nesse sentido, passíveis de revisão pelo Poder Judiciário sem que ocorra a ingerência no mérito administrativo.

Outro ponto não menos debatido com grande intensidade pela doutrina e recorrentemente levado ao Poder Judiciário consiste na abrangência e distinção das duas sanções mais graves elencadas no artigo 87 da lei 8.666/93, quais sejam, a suspensão temporária do direito de licitar e contratar com a Administração e a declaração de inidoneidade.

É consenso que ambas as sanções impedem que o sancionado contrate e participe de licitações públicas. Mas qual a abrangência para cada caso? É de nosso entendimento a interpretação mais favorável ao particular sancionado no sentido de que, na hipótese do inciso III (suspensão temporária) a abrangência da infração restringe-se ao Órgão sancionador, enquanto que na hipótese do inciso IV (inidoneidade) a sanção se estende à toda Administração Pública.

E esse entendimento não se justifica somente pelo fato de existir previsão definida expressamente na lei 8.666/93, como, também, por uma consequência lógica-jurídica da natureza diversa de ambas as sanções. Explica-se.

A previsão expressa na lei está contida no artigo 6o, incisos XI e XII, os quais definem o termo "Administração" (utilizado no inciso III do artigo 87) como sendo o órgão, entidade ou unidade da Administração Pública, ao tempo em que o termo "Administração Pública" (utilizado no inciso IV do artigo 87) como todos os órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Somente com base nisto já é possível sustentar que a extensão dos efeitos do inciso III fica restrita ao Órgão que aplicou a sanção.

Já quanto a natureza jurídica das sanções, há que se lembrar inicialmente que todos os tribunais e doutrina reconhecem uma gradação entre as sanções sendo a do inciso IV (inidoneidade) a mais grave. Nesse sentido, evidente que o contratado que é inidôneo, deve ser punido com a sanção prevista pelo inciso IV e não pelo inciso III. Isto nos leva a fácil conclusão de que a empresa contratada que infringir o contrato e que for sancionada pela sanção do inciso III (suspensão temporária do direito de licitar/contratar) não é inidônea.

Ora, se a empresa sancionada (pelo inciso III) não é inidônea, ela pode contratar com os demais entes da Administração Pública, com exceção daquele que aplicou a sanção, uma vez que esta sanção possui a nítida intenção de apenas punir o contratado no âmbito daquela relação jurídica. Uma natureza jurídica, portanto, meramente repressiva/sancionatória (sempre lembrando que tal sanção pode ser cumulada com a sanção de multa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário dos prejuízos causados).

Seguindo o raciocínio acima perfilhado, cometendo a empresa contratada a mais grave das infrações, deverá ela ser declarada inidônea, sendo certo, nesse sentido, que tal empresa não poderá contratar com qualquer ente da Administração Pública, uma vez que representa um risco ao Poder Público de contratar com empresa que pode trazer prejuízos ao erário novamente. Revela-se, portanto, uma natureza jurídica repressiva/sancionatória e, também, preventiva na sanção prevista no inciso IV do artigo 87 da lei 8.666/93.

Todavia, em que pesem os nossos esforços argumentativos, apoiados na mais respeitada doutrina (que não é uniforme sobre a questão), os tribunais pátrios, seguindo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apontam que a sanção prevista no inciso III, do art. 87, da lei 8.666/93 produz efeitos que se estendem a todos os demais órgãos, entidades ou unidades da Administração Pública direta ou indireta.

Perfazendo o seu importante papel de controle externo, por sua vez, o Tribunal de Contas da União (TCU) trazia entendimento coerente e importante, no sentido de que os efeitos da sanção de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração restava restrito ao órgão que a havia aplicado. Todavia, infelizmente, o TCU reviu seu posicionamento recentemente (neste ano de 2011), passando a seguir a orientação do STJ.

Compreende-se a nobre intenção do Poder Judiciário, e agora também do TCU, na tentativa de proteger a Administração Pública com relação a futuras contratações com empresas inidôneas e que podem trazer prejuízos ao erário e, em última instância, a todos nós, contribuintes.

Todavia, como acima elucidado, não com base em mero "achismo", mas com fortes argumentos jurídicos e com fundamento em previsão legal expressa (art. 6º, XI e XII, lei 8.666/93), discordamos de tal entendimento, uma vez que existe sanção específica para o fim almejado com a interpretação atribuída aos efeitos da sanção do inciso III, o que, além de ferir a lei (a interpretação dada pelos Tribunais), torna praticamente inútil a previsão de quatro tipos diferentes, gradativos e distintos de sanções, resumindo-se em apenas três.

Por fim, apenas para enriquecer a questão com a mais recente inovação legislativa no que se refere às sanções administrativas, há que se levar em conta a nova Lei 12.462, de 5 de agosto de 2011, que institui do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, aplicável exclusivamente às licitações e contratos firmados com vistas à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e obras de infraestrutura e serviços dos aeroportos das capitais.

Referido diploma legal (lei 12.462/11) traz em seu artigo 47 inovação legislativa sobre o tema das sanções administrativas, justamente visando solucionar a controvérsia acima narrada acerca da abrangência das sanções previstas nos incisos III e IV do artigo 87 da lei 8.666/93.

Em nosso sentir, nota-se, na nova lei (lei 12.462/11), uma verdadeira miscelânea de conceitos no que diz respeito à sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, com o conceito de inidoneidade. De qualquer forma, no âmbito deste regime diferenciado, encerra-se a discussão acerca da abrangência dos efeitos da sanção.

Isto porque logo no seu caput, o artigo 47, ampliando o prazo máximo para até 5 (cinco) anos, já estende os efeitos da sanção de impedimento de licitar e contratar para toda a Administração Pública para quem "der causa à inexecução total ou parcial do contrato" (inciso VII). Todavia, fica sujeito à mesma sanção, de acordo com a análise literal do texto, aquele que "comportar-se de modo inidôneo" (inciso VI). Daí a mistura de conceitos ao comparar-se com a vigente Lei 8.666/93.

De toda sorte, entendemos que deve ser feita uma análise conjunta dos dois textos legais, conforme dispõe o parágrafo segundo da lei 12.462/11 que aplica, naquilo que não contrariar esta legislação, o quanto estipulado no Capítulo IV da lei 8.666/93.

Em outras palavras, em que pese não existir qualquer precedente jurisprudencial acerca do tema, uma vez que a legislação ainda é recente para tanto, é de nossa opinião que continuam válidos os princípios aplicáveis às sanções administrativas, principalmente o princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, entendemos viável – sob a égide da lei 12.462/11 – a declaração de inidoneidade, nos termos do inciso IV da lei 8.666/93, desde que respeitados o direito de contraditório e da ampla defesa, sendo medida de rigor que tal sanção continue sendo de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme dispõe o parágrafo terceiro do artigo 87, da lei 8.666/93.

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1 Diferenças apontadas meramente de forma exemplificativa, uma vez que existem muitas outras características que diferenciam o contrato administrativo do contrato sob regime privado em que a Administração Pública é parte.

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* Ricardo Camarotta Abdo é advogado sênior do escritório De Vivo Whitaker, Castro e Gonçalves Advogados, especializado em Direito Administrativo

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