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Ativos intelectuais e sociedades de advogados

Cada vez mais, os escritórios de advocacia se ajustam ao modelo de uma empresa baseada em informação. A estatísticas de registro de domínio da Internet no Brasil mostram que os advogados e escritórios são os maiores usuários de todas as profissões, mais do que o dobro de qualquer outra, em número maior mesmo que os domínios especializados do setor industrial.

11/8/2005

Ativos intelectuais e sociedades de advogados

Denis Borges Barbosa*

Cada vez mais, os escritórios de advocacia se ajustam ao modelo de uma empresa baseada em informação. A estatísticas de registro de domínio da Internet no Brasil mostram que os advogados e escritórios são os maiores usuários de todas as profissões, mais do que o dobro de qualquer outra, em número maior mesmo que os domínios especializados do setor industrial.

Mesmo no contencioso, onde os advogados fazem mais ou menos o mesmo serviço que um retórico grego fazia, dois mil anos antes de Cristo, tornou-se impossível advogar sem apoio de tecnologia de informação. É, aliás, um pressuposto do sistema: todos tribunais brasileiros mantém acesso à informação de processos e a maioria disponibiliza jurisprudência, e até texto integral dos acórdãos. Protocolização de documentos pela Internet, o que vai se tornando mais comum, e até a penhora on line são do cotidiano de um advogado.

Mas não é o uso de tecnologia de informação na advocacia que nos interessa, neste caso. Nosso tema são os dois aspectos do fluxo de informação nas atividades de advocacia: a questão da gestão de conhecimento e da proteção de ativos.

Quando entrei na faculdade e nos quinze anos seguintes, o conhecimento estava nos livros, na voz dos professores e nas conversas dos advogados. Foi só nas duas primeiras semanas de meu mestrado em Columbia – em 1982 - que recebi o impacto do que era “conhecimento”. Antes de começar o curso, os alunos tinham que se afundar na biblioteca e na busca por computador. Naquele tempo, antes dos microcomputadores, o que existiam eram terminais de mainframes, e o acesso remoto à base Lexis-Nexis.

Foi a mais importante aquisição na minha vida profissional. Nestes vinte e três anos, essa nova porta ao conhecimento foi o que modificou minha vida. Mas não só a minha. O advogado que sabe obter e gerir conhecimento passa a ser um profissional com talento e vocação especial: no meu escritório há sempre lugar para um gênio na pesquisa. Aquele que é capaz de ir pesquisando durante o telefonema com o cliente, e dar respostas refletidas e precisas...on line. Familiaridade com Internet e banco de dados é mais importante para a profissão do que um diploma de faculdade de primeiro nível (se bem que um costuma vir junto com o outro).

Mas todo bem tem seus problemas. A informação é tanta, que é preciso estabelecer instrumentos de armazenamento, recuperação e compartilhamento. No meu escritório, praticamente todos os textos digitados desde 1986 estão em meio digital, e arquivados por advogado, cliente ou assunto. Tal disciplina permite responder aos clientes – por exemplo – citando todas as vezes que respondemos às mesmas questões nos últimos 19 anos, o que mudou na lei, e no que ele continua teimosamente reincidindo. Ou procurar os temas já tratados anteriormente, sem apelo aos sistemas complexos de bases de dados com que os informatas querem complicar nossa vida ou nossos bolsos, ou à intercessão abençoada mais sempre lenta das documentalistas.

Ou seja, usando os meios padrões de arquivos de texto e subdiretórios, com os mecanismos de memória de massa habituais (um winchester de 80 giga...) é possível guardar o texto integral (e todas as versões) das petições, due diligences, pareceres, emails, etc, de duas décadas de um escritório com mil clientes registrados e que teve, em média, vinte profissionais neste período. São só 5 gigas em 5 mil arquivos. Nada assustador.

Para buscar o que quero, a cada caso, uso os instrumentos usuais (o localizador do Windows, ou o do Total Commander), com o apoio de coisas como o google desktop – um freeware por enquanto, que indexa seu Pc e recupera com o mesmo engenho que na web (mas não funciona no servidor). Para resolver um problema mais recente (pesquisar também no interior de arquivos pdf) uso o Searchwithin da Software 995 – freeware também.

De outro lado, um programa de pesquisa prospectiva é essencial. Se você tem uma clientela localizada – capital estrangeiro, propriedade industrial – vale usar suas madrugadas insones e horas em inspiração para varejar a Internet e ir criando subdiretórios de pesquisa. Nada demais também: 430 temas, 4800 arquivos e só 1,4 megas resolvem a questão, numa eficácia lendária.

Resumindo: tudo isso se faz sem investimento em programas de informatização que só enriquecem informatas e atrapalham a produtividade. Hoje em dia, com software padrão, freeware e consciência do valor da informação é possível obter e gerir massas inacreditáveis de dados num escritório de advocacia. Quem gasta dinheiro com essas coisas está terceirizando a competência.

Próximo ponto. Não adianta manter tudo isso para que só os gurus do conhecimento utilizem. É essencial dispersar o conhecimento essencial, especialmente o corrente. Criar working groups de destinatários e circular internamente a informação simplesmente através de um MSN messenger ou do email faz maravilhas. Não deixo de lado programas relacionais, como o Amicus, precioso para trabalho em grupos com contacto permanente com clientes – por exemplo, no societário – mas outra vez o uso consciente dos softwares padrão e dos freeware fazem milagres.

Até aí muita gente vai. Fluxo de conhecimento é questão de treinamento e talento.

Mas o que é novo é tomar consciência de que isso é também o capital intelectual do escritório. Nos meus tempos de estagiário, o único elemento cintilante de uma sociedade de advogados era a cabeça dos sócios. Hoje, todo esse acervo e principalmente o trabalho dos grupos que repartem um projeto, ação ou parecer, transcendem o brilho pessoal dos profissionais. São o que a moda chama de capital estrutural das sociedades de advogados. Um exemplo: os questionários de due diligence, gerados por dezenas de profissionais, implantados após muita experiência e contribuições de correspondentes estrangeiros, são exemplos de material de imenso valor – e que não pertence aos advogados, nem podem ser levados para casa. Os modelos contratuais...

E essa noção que os profissionais de advocacia tem de assimilar: seus clientes têm segredos a serem preservados a ferro e fogo, contra concorrentes famintos e empregados desonestos. Mas os próprios escritórios têm seus elementos de vantagem concorrencial neste mercado difícil, e são segredos de empresa como quaisquer outros. A nossa deliciosa tradição profissional de independência e a atuação personalizada e individualista que tornam a advocacia são coisas a serem preservadas e ampliadas. Mas neste tempo em que (lembrava Bacon lá por 1597...) knowledge is power, deixar de lado o capital intelectual dos escritórios é simplesmente irresponsável.

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*Diretor de Grotius – Capital Intelectual





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