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Arbitragem: visão pragmática do presente e futuro

A Lei n. 9.307 de 23.09.1996, Lei de Arbitragem (LA), conhecida como Lei Marco Maciel em homenagem ao seu patrono no Senado Federal, que regula a solução extrajudicial de controvérsias referentes a direitos patrimoniais disponíveis, em vigor há quase 9 anos, propiciou que passassemos da era da pedra lascada para a era virtual, representando avanço considerável na regulamentação do instituto jurídico da arbitragem, que contribui para a efetiva distribuição da Justiça.

11/8/2005


Arbitragem: visão pragmática do presente e futuro

Selma Ferreira Lemes*


A Lei n. 9.307 de 23.09.1996, Lei de Arbitragem (LA), conhecida como Lei Marco Maciel em homenagem ao seu patrono no Senado Federal, que regula a solução extrajudicial de controvérsias referentes a direitos patrimoniais disponíveis, em vigor há quase 9 anos, propiciou que passassemos da era da pedra lascada para a era virtual, representando avanço considerável na regulamentação do instituto jurídico da arbitragem, que contribui para a efetiva distribuição da Justiça.

Inúmeros fatores confirmam esta avaliação positiva. O primeiro refere-se ao Judiciário, pois o Supremo Tribunal Federal-STF ratificou a constitucionalidade de preceitos vitais da nova lei, bem como as decisões individuais ou colegiadas vêm assimilando perfeitamente os princípios e conceitos da LA. Neste sentido concedem efeito vinculante à cláusula compromissória, extinguindo o processo sem julgamento de mérito diante de cláusula compromissória regularmente pactuada; auxiliam na instauração da arbitral diante da ausência de elementos necessários para institui-la de plano (art.7°); executam as medidas cautelares determinadas pelo árbitro ou concedem-nas previamente para posterior manutenção ou reformada em sede arbitral; coíbem ações de anulação de sentenças arbitrais, que pretendem transformá-las em recursos (que não são), esclarecendo que a arbitragem não representa uma via prévia à instância judicial etc. São demonstrações inconcussas de apoio, não obstante existirem, também, decisões desfavoráveis, pois evidentemente dependem da natureza das matérias tratadas, vícios presentes etc.

Os operadores do direito têm papel central neste processo de mudanças, em que tudo nasce com a convenção de arbitragem (cláusula compromissória inserida no contrato ou em documento apartado, bem como o compromisso arbitral, quando surgida a controvérsia as partes deliberam que solucionarão o conflito por arbitragem). Ademais, para que o processo arbitral possa instaurar-se sem fissuras é necessário que a cláusula compromisssória seja convenientemente redigida e que contenha os requisitos necessários para que possa ser regularmente instaurada (forma de iniciar a arbitragem e indicar árbitros, possibilidade de utilizar a arbitragem institucional etc) evitando-se a propositura da demanda acima mencionada (art.7°), posto que se as partes elegeram a arbitragem foi justamente para retirar do judiciário a solução da controvérsia.

É fato inconcusso que avançamos muito, pois já se faz rara a alegação de que a arbitragem viola o art. 5°, inciso XXXV da CF/88, bem como a conduta de ignorar a cláusula compromissória e ajuizar demanda judicial, que representará perda de tempo e altos custos aos clientes, pois depois de longos anos batendo em ferro frio deverá retornar ao ponto de partida e discutir a matéria na seara arbitral. Na área doutrinária já contamos com três revistas especializadas em arbitragem e, na área acadêmica, já temos a inserção da matéria nas grades curriculares, seja em cursos de graduação como pós-graduação. Há Câmaras e Centros de Arbitragem idôneos e competentes para administrar processos arbitrais.

A arbitragem represente para o advogado a renovação na lida jurídica aferida em duas óticas. A primeira imprimindo-lhe a necessidade de estudar e entender o direito da arbitragem, que não encontra correspondência no processo judicial, em muitas situações. Para isso deve ter a percepção que a arbitragem é um procedimento mais célere; que não terá a disponibilidade de provimentos e recursos do judiciário; que é uma via especializada em razão da formação dos árbitros indicados; que deve estudar e avaliar a conveniência em autorizar os árbitros a resolverem a demanda por equidade, que muitas vezes poderá ser favorável ao seu cliente, principalmente, entre outros fatores, quando a matéria de prova for mais difícil; que a prova oral tem grande valor probatório etc. A segunda por determinar que empreenda estudo calcado na Análise Econômica do Direito, na disciplina do Direito & Economia, ao analisar, especialmente na área empresarial, que os conflitos que surgirem no âmbito dos contratos representarão custos de transação.

Neste sentido deve-se efetuar análise da relação custo-benefício do contrato a ser firmado quanto à inclusão da cláusula compromissória. Deve efetuar análise dos custos da arbitragem, sopesar a celeridade processual, a complexidade da matéria abordada e a possibilidade de sigilo, em comparação com a demanda judicial, considerando a morosidade do judiciário. A análise deve ser tanto qualitativa (complexidade da controvérsia) como quantitativa (o judiciário é mais lento em razão da pletora de demandas e de recursos disponíveis).

Em razão destes fatores verifica-se, na prática, que a arbitragem amolda-se como uma luva ao contrato de ampla complexidade técnica, aos contratos coligados (devem ter cláusulas compromissórias harmonizadas), aos contratos com elementos de conexão internacional etc. Mas isso não significa, que nos contratos cíveis em geral, e até nas áreas de consumo e trabalhista, a arbitragem não seja uma boa opção ao caso concreto. Todavia, tudo dependerá da análise da relação custo-benefício que o profissional do direito venha a efetuar. Esta será uma análise seletiva e comparativa que até pouco tempo (antes da LA) não se fazia, pois a única forma heterocompositiva usual de solução de conflitos era a judicial.

A arbitragem terá papel fundamental nos novos contratos administrativos, em especial nas parcerias público privadas (Lei Federal n° 10.079/04, art. 11, III) e nas reguladas em leis estaduais, representando fator definidor do negócio, pois que diretamente relacionada com os custos de transação que repercutem no preço do negócio. A definição da arbitrabilidade objetiva (matéria a ser solucionada por arbitragem) é ampla. A arbitragem nestes contratos é inteiramente importada do direito civil e processual civil e neste sentido o conceito de direito patrimonial disponível (art. 1° da LA) refere-se ao negócio integral; até as repercussões econômicas das cláusulas exorbitantes, assim qualificadas no direito administrativo, são suscetíveis de serem submetidas aos árbitros.

Para o futuro imediato não se visualiza a necessidade de alteração da LA, que demanda a sedimentação dos novos conceitos, tanto por parte da nova doutrina como do judiciário, ao imprimir-lhe a segurança jurídica necessária. Também se mostra totalmente inoportuna a iniciativa legislativa (projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados desde março de 2005) em transformar o mister do árbitro em profissão. Este entendimento é equivocado e representa total desvirtuamento de conceito sedimentado desde que a arbitragem surgiu como meio de solução de conflitos, antecessora que é da Justiça Estatal. O projeto é confuso e impróprio.

O artigo 13 da LA externa enunciado singelo e sábio: pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. A capacidade é a civil e para decidir a matéria. A confiança está ligada à honradez. Cícero, o herói da liberdade na Roma antiga, com toda a sabedoria advertia na sua obra De Officiis que a honestidade decorre de quatro fontes: a primeira é o conhecimento (sabedoria), a segunda o sentimento da comunidade humana (justiça), a terceira a magnanimidade (alma nobre e generosa) e, a quarta, a inclinação para a moderação (temperança). Qualquer pessoa que possua essas qualidades pode ser indicada como árbitro. Não necessita ter diploma de curso superior. Necessita ser independente, ser imparcial e ser pessoa de bom senso. Nunca necessitou em lugar nenhum do mundo de regulamentação, pois não é profissão. Esse projeto é um excesso que atrapalha, não se justifica e não fará falta. Aliás, nunca fez desde as Ordenações do Reino.

Por outro lado no futuro um pouco mais distante e com a arbitragem sedimentada o legislador poderá avançar no sentido de regular a arbitragem internacional separada da arbitragem doméstica, adotando a definição de sentença arbitral estrangeira e sentença arbitral internacional, além da sentença arbitral doméstica; prever na área internacional a renúncia de recurso ao judiciário, nas condições que estabelecer; não efetuar distinção entre compromisso e cláusula compromissória, como já ocorre alhures; outorgar maiores poderes aos árbitros, inclusive para executar medidas cautelares; substituir a necessidade de instauração judicial da arbitragem (art. 7°) por determinação de o juiz apenas indicar árbitro; alterar a fase pós-arbitral (judicial) etc

Todavia, é importante estarmos alertas quanto às alterações que se pretendam efetuar na LA, pois embaixo da pele de cordeiro pode estar a carcaça do lobo, como é o caso do referido projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. A pretexto de “regular a profissão de árbitro” (sic), na verdade pretende tolher e cercear a liberdade que conquistamos.


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*Advogada e mestre em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.





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