Notícia sobre o estado atual da Arbitragem no Brasil
Ricardo Ramalho Almeida*
Como é de todos sabido, a promulgação da Lei nº 9.307, em 23 de setembro de 1996, colocou o Brasil em linha com as mais modernas legislações do mundo em matéria de arbitragem, consagrando um modo privado de solução de litígios de ampla utilização no âmbito internacional – ao ponto de ser designado como Justiça ordinária do comércio internacional –, mas, do mesmo modo, perfeitamente talhado e adequado para conflitos de âmbito exclusivamente interno, notadamente os interempresariais.
A superação, no plano legal, dos óbices anteriormente existentes à plena operabilidade da arbitragem entre nós foi alcançada pela Lei de Arbitragem com a adoção de princípios e regras tais como, entre outras: (a) a executividade específica da cláusula compromissória (efeito positivo), (b) o afastamento da jurisdição estatal em presença de uma convenção de arbitragem (efeito negativo), (c) a competência dos próprios árbitros para a determinação de sua competência (Kompetenz-Kompetenz), (d) a autonomia da cláusula compromissória relativamente ao contrato em que se acha inserida, (e) o acolhimento da autonomia privada na determinação das regras de direito aplicáveis tanto ao procedimento como aos aspectos materiais do litígio, (f) a equiparação da atividade do árbitro à do juiz, desprovido aquele, apenas, de imperium, (g) a dispensa da homologação judicial da sentença arbitral interna, e, para não estender excessivamente esta listagem, que se restringe ao essencial, (h) a dispensa da chamada “dupla homologação” das sentenças arbitrais estrangeiras (homologação cumulativa no país de origem e no de recepção).
Passados quase nove anos de atuação da Lei de Arbitragem, o que se nota é que a jurisprudência, a doutrina e a praxis negocial avançaram consideravelmente na efetiva implantação, no Brasil, da tão festejada e ansiada “cultura da arbitragem”. É expressivo o número de julgados de todas as instâncias – das Varas Cíveis ao STJ e STF – que prestigiam a arbitragem e dão plena eficácia às soluções legais acima referidas. A produção doutrinária em arbitragem multiplicou-se de tal forma que já não é possível ao estudioso dar conta de todos os lançamentos das casas editoriais, valendo destacar a existência, hoje, de duas revistas jurídicas do mais alto nível dedicadas exclusivamente ao tema, a Revista de Arbitragem coordenada pelo Prof. Arnoldo Wald e a Revista Brasileira de Arbitragem do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr, instituição científica que congrega a comunidade jurídica brasileira em prol do estudo e difusão da arbitragem. A praxis negocial, por sua vez, vem promovendo um crescimento exponencial no volume tanto dos contratos com cláusula compromissória, como dos efetivos procedimentos arbitrais em curso atualmente no Brasil. As entidades nacionais dedicadas à administração de procedimentos arbitrais – Brasil-Canadá, CBMA, Amcham, Camarb, Arbitac, FGV, entre outras – também vêm-se firmando institucionalmente, como peças essenciais para o bom funcionamento desse modo de solução de litígios.
Como se disse, é notável o progresso e desenvolvimento qualitativo e quantitativo alcançado em apenas nove anos de vigência da Lei. No entanto, alguns problemas ainda existem. A título de exemplo, serão abordadas três questões preocupantes, uma no plano judicial, outra no plano da prática dos advogados e outra no institucional.
Uma dificuldade que chama a atenção de quantos se dediquem à arbitragem internacional é a morosidade no cumprimento extraterritorial de sentenças arbitrais. No Brasil, a obrigatória passagem pela etapa da homologação da sentença arbitral estrangeira é fonte de considerável demora, que causa preocupação e frustração às partes estrangeiras interessadas em executar sentenças arbitrais no Brasil. Após a transferência da competência homologatória do STF para o STJ, por força da EC nº 45/2004, já se vêem sinais de que o STJ dispensará ao tema grande atenção e cuidado, a despeito da sobrecarga de processos que reconhecidamente acomete esse Tribunal, sem sacrificar a necessária celeridade. É o que espera toda a comunidade jurídica nacional.
No plano da prática profissional, surgem preocupações quanto ao risco de “judicialização” dos procedimentos arbitrais, por força de hábitos arraigados dos advogados militantes no foro. Nota-se uma tendência a transferir para a instância arbitral a mesma atitude beligerante e erística que caracteriza as disputas judiciais – “data venias” à parte –, ainda que o procedimento arbitral se caracterize pela informalidade, celeridade e pela restrita possibilidade de utilização do cipoal de recursos, embargos, impugnações, pedidos de reconsideração e inconformismos variados que caracteriza o processo judicial. No processo arbitral, o procedimento deve ser aquele previamente pactuado pelas partes ou previsto no regulamento institucional aplicável, sempre respeitado o devido processo legal e seus corolários, entre os quais se destacam a ampla defesa, o contraditório e a igualdade das partes. E só.
Já no plano institucional, vem crescendo a consciência do público mais amplo e das autoridades competentes quanto a iniciativas oportunistas, que visam exclusivamente ao lucro à custa da ingenuidade e boa-fé de verdadeiros consumidores, como são os interessados que se inscrevem nesses inúmeros “cursinhos” de árbitro, pagando para receber lições duvidosas, sob promessa de trabalho garantido, para ao final do curso receber uma carteirinha de “juiz arbitral” ostentando o brasão da República. Tem sido considerável e relevante a atuação não só das autoridades, mas de entidades como o CONIMA, a OAB-RJ e o CBAr, entre outras, na repressão a essas práticas enganosas.
Como se vê, a comunidade jurídica brasileira está no caminho certo, ainda que seja um caminho longo, árduo e cheio de dificuldades. Aguarde-se mais alguns anos e se verá, no Brasil, a arbitragem como “justiça ordinária” dos litígios interempresariais, não só no plano internacional, mas também no interno.
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*Mestre em Direito Internacional pela USP, advogado do escritório Lobo & Ibeas Advogados
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