O cenário atual do Brasil no Direito Internacional
Mary Rose Brusewitz*
Faz vinte anos que trabalho com o Brasil na área de direito internacional. É sempre um país com níveis quase iguais de oportunidades e desafios. Muitas vezes tem sido chamado o país do futuro. Neste momento de crise política, a tentação, refletida na posição colocada por uma representante da Standard & Poors sobre a decisão de não aumentar o rating do país, é de prever uma piora na economia antecipando sérias repercussões econômicas devido à crise política. Sem dúvida, surgirão problemas. Mas também acho que já existem projetos e processos em andamento que darão seguimento a uma evolução positiva no sistema econômico e jurídico.
A globalização vem afetando o mundo, pelo bem ou pelo mal. O sistema legal do Brasil não é uma exceção, devido a várias influências. A tecnologia aumentou exponencialmente a informação disponível a todos nós no mundo. Também no ramo jurídico há cada vez mais advogados brasileiros que passam tempo em lugares como Nova Iorque e Londres estudando e trabalhando. As economias mundiais se relacionam cada vez mais.
As técnicas de financiamento e as tendências legais internacionais infiltram-se no dia-a-dia dos advogados no Brasil. Por exemplo, a securitização de recebíveis e outros ativos é uma técnica relativamente nova no mercado financeiro brasileiro, mas poderia ser um instrumento muito importante e poderoso. Nos Estados Unidos e agora no México, essa técnica é um meio utilizado para financiar casas próprias populares. No Brasil poderia servir também como um meio de contribuir com a sociedade.
A importação de técnicas, como a securitização, tem que ser feita com cuidado: o sistema legal no Brasil, por ser um sistema de lei civil e com uma historia própria, tem uma lógica diferente do que o sistema de lei comum desenvolvido nos Estados Unidos e na Inglaterra. As técnicas precisam ser adaptadas ao ambiente brasileiro. Ás vezes, a importação é feita sem a adaptação apropriada. Por exemplo, o uso do termo “true sale” (venda verdadeira) ocorreu devido a uma preocupação jurídica na lei americana que, na verdade, não deveria existir na lei brasileira. Nosso trabalho como advogados é de ajudar neste processo e encontrar a forma mais coerente de adaptar as técnicas disponíveis com criatividade.
Um outro bom exemplo da influência da globalização é a nova lei de falências no Brasil, que reflete uma tendência mundial de criar um sistema parecido ao sistema de insolvência dos Estados Unidos. Este é um sistema bastante estável e previsível. A nova lei poderá ter um efeito muito positivo, pois em princípio favorece a recuperação das empresas, que por seu lado poderá preservar mais empregos, e uma medida maior de estabilidade na economia. O apoio aos juizes e outros participantes no sistema judicial é essencial. Precisamos estimular a educação e combater abusos do sistema na implementação da nova lei.
O problema da corrupção corporativa chegou a um nível crítico mundialmente. Os casos da Enron, Parmalat, e outros, estão sendo tratados de uma forma muito agressiva, o que é necessário para desestimular a corrupção. Talvez esta tendência também possa influenciar o Brasil.
Dependendo da forma em que o governo e os políticos reajam à crise atual, há uma grande oportunidade de um progresso substancial quanto ao combate à corrupção. A transparência e sensatez de qualquer sistema de lei é a base para o desenvolvimento econômico e social. Se o sistema de direito funciona imperfeito e com impunidade, o resultado é ineficiência, e desperdício de oportunidades, quiçá únicas.
O Brasil é um dos países mais atraentes para investimento neste momento. Nos últimos vinte anos, o ambiente legal no Brasil melhorou muito. Mas ainda faltam alguns elementos fundamentais que poderiam contribuir para o crescimento da estabilidade e da prosperidade jurídica. O Brasil tem um dos sistemas mais complicados do mundo em termos de burocracia. É caro e complicado demais constituir e manter uma empresa conforme as leis e regras aplicáveis, causando um impedimento enorme ao desenvolvimento do país. Somente pessoas com recursos financeiros e níveis altos de educação conseguem navegar esta burocracia complicada. Não há coordenação entre as autoridades, ministérios e entidades reguladoras federais, estatais e municipais. O sistema fiscal é excessivamente complexo. Precisamos trabalhar para melhorar este quebra-cabeça.
Em quase todo o mundo atualmente, a diferença entre a renda dos muito ricos e os mais pobres vem crescendo. No Brasil há uma verdadeira crise em termos de acesso a propriedade e o sistema de registros precisa ser modernizado. Sem regularizar esta situação, o povo mais pobre não terá condições de entrar no sistema formal da economia, o que é ruim para o país e manterá a desigualdade econômica e a instabilidade social.
Outra área que precisa de nossa atenção é a infra-estrutura. A recente lei de Parcerias Público Privadas poderá ter um efeito positivo, mas é apenas uma parte da solução. A privatização mundialmente é desfavorecida desde os experimentos dos anos 90. Há uma tendência global de procurar novas formas de engajar o setor público com o privado na área de infra-estrutura. Mesmo fora da nova lei de PPPs, o desenvolvimento de projetos com criatividade, utilizando os recursos e capacidades únicas do setores públicos e privados de uma forma estratégica, é possível. O sistema de regras afetando a infra-estrutura no Brasil precisa ser mais transparente e racional para estimular investimento.
Em países como os Estados Unidos, a influência dos ciclos políticos na economia e nos mercados financeiros é menor. No Brasil, às vezes o mundo financeiro parece parar por um período bastante longo antes das eleições nacionais. A crise política brasileira atual não pode ter acontecido num momento pior, já que teria tido uma certa paralisia antes das eleições em 2006. Agora, esta paralisia ameaça acontecer mais cedo e pode ser mais profunda do que normal.
O tempo dirá em que direção os mercados internacionais e domésticos irão desta vez. As políticas econômicas seguidas pela administração atual no Brasil tem tido êxito apesar das expectativas negativas anteriores à eleição passada. É nosso desejo e esperança que a administração atual consiga tratar da situação de uma forma digna e justa. Se há castigo quando a ação e intenção são criminosas, isso exemplificará e reforçará que a corrupção endêmica do sistema não pode continuar. Seria um progresso, porque a percepção e experiência, tanto do povo brasileiro como estrangeiro, é que a corrupção é uma influência grande no dia a dia e custosa ao país em termos de sua credibilidade.
O desenvolvimento dos mercados de capitais internos é muito importante para criar um sistema de financiamento mais estável. As interrupções de acesso a financiamento dos mercados internacionais por períodos relativamente longos tem tido um efeito ironicamente positivo no Brasil. Recentemente, os mercados de capital no Brasil evoluíram muito.
A globalização também tem tido sua influência nas regras neste mercado. A influência internacional pode ser vista nas regras da divulgação societária, e outras regras influenciadas por leis dos Estados Unidos como Sarbanes Oxley. As empresas brasileiras são mais abertas e disciplinadas do que nunca em seus relacionamentos com seus investidores.
Enfim, o Brasil está numa posição bastante positiva, e o progresso está sendo atingido. Poderia ser melhor? Sim. Existem muitos desafios pela frente. Nós migalheiros sabemos que será através de diálogo e o trabalho da nossa profissão que muitos dos elementos mais importantes para melhorar a sociedade e a economia serão implementados para o melhoramento do país.
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*Sócia do escritório Orrick, Herrington & Sutcliffe LLP