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Justiça e férias

O advogado aponta que, com a modificação do sistema de férias forenses, a partir da "Reforma do Judiciário", a atividade jurisdicional passou a ser ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos juízos e tribunais de 2º grau. Entretanto, os magistrados e representantes do Ministério Público continuaram a usufruir seus 60 dias de férias individuais, só que espalhados pelo ano, e não mais divididos entre janeiro e julho e, com essa situação, os advogados e clientes são os mais prejudicados.

23/1/2012

Luiz Fernando Valladão

Justiça e férias

Até o advento da chamada "Reforma do Judiciário", promovida pela emenda constitucional 45/04, vigorava o sistema das férias forenses. A legislação previa 60 dias de férias, divididos entre janeiro e julho. Durante esses períodos, a prestação jurisdicional ficava suspensa, pois a lei previa que os atos processuais não seriam praticados e nem os prazos correriam. No entanto, determinados processos, pela sua natureza, tinham curso normal nesses períodos, assim como alguns atos processuais urgentes eram praticados.

Os advogados, de forma geral, aplaudiam esse sistema, pois podiam, como qualquer trabalhador, descansar. Além disso, grande parte desse período era utilizada para a elaboração de peças e cumprimento de prazos que se acumulavam, bem como para a reorganização dos escritórios. Os magistrados e representantes do Ministério Público já tinham suas férias individuais de 60 dias asseguradas por leis específicas, o que os levava a tentar coincidir o tempo para o descanso com aquele período estabelecido para as férias forenses.

Havia, contudo, compreensível inconformismo da sociedade com a "estranha" existência de férias de 60 dias, logo em uma área em que o Estado deveria funcionar ininterruptamente. Movido por essa contrariedade, o nosso legislador estabeleceu radical modificação, a partir da qual a atividade jurisdicional passou a ser ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos juízos e tribunais de 2º grau.

De fato, a redação do dispositivo impressiona, na medida em que revela um esforço concentrado para que o jurisdicionado receba, ainda que com o sacrifício daqueles que prestam a jurisdição, permanente atendimento.

Logo no início da vigência da norma, houve dúvidas sobre sua imediata aplicação. Porém, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ), com a participação da própria OAB, exigiu a imediata incidência dessa "prestação jurisdicional ininterrupta". O resultado foi o pior possível. Os magistrados e representantes do Ministério Público continuaram a usufruir seus 60 dias de férias individuais – que não foram eliminados pelo novo texto constitucional. Mas, com o fim das férias coletivas de janeiro e julho, esses 60 dias tiveram que se espalhar pelo ano todo.

Cabe dizer que quando algum magistrado usufrui de suas férias individuais a Comarca respectiva fica desprovida, uma vez que ele é substituído por um colega de outra localidade, sem condições de acumular as tarefas de dois juízes. Também vemos acontecer, com freqüência, determinada Comarca ter juiz em exercício, mas estar desprovida de promotor de justiça, o que paralisa uma série de processos. Nos Tribunais, onde os julgamentos são colegiados, não se consegue preencher uma pauta com segurança, pois há sempre um desembargador ou juiz de férias individuais.

Com essa situação, os advogados, juntamente com os seus clientes, são os mais prejudicados, porque os processos em que atuam não têm tramitação célere. Essa paralisia processual traz desgaste na relação entre advogado e cliente, além de prejuízos para todos. O mais grave é que esse profissional não tem mais direito a descanso algum. Afinal, não há como sair de viagem com a família se, independentemente da velocidade, os processos continuam tramitando e os prazos continuam correndo.

A falta de espírito democrático que contaminou aqueles que propuseram essa alteração no regime de férias precisa ser eliminada. Para isso, é fundamental que haja debate e que novas proposições sejam examinadas e levadas para uma solução definitiva ao Poder Legislativo. Meros paliativos não resolverão a questão e, ademais, estarão sempre sujeitos a argüições de inconstitucionalidade. Sobretudo, é necessário que a sociedade perceba que foi prejudicada com essa "inovação" que tornou os processos cada vez mais lentos. E, como todos sabem, a justiça tardia não atende a ninguém.

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* Luiz Fernando Valladão, sócio fundador do escritório Advocacia Luiz Fernando Valladão Nogueira e diretor do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais

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