José Roberto Covac
Equívocos na mensuração da qualidade de Instituições de Ensino Superior e seus respectivos Cursos, decorrentes da divulgação do Índice Geral de Cursos (ICG) e Conceito Preliminar de Curso (CPC)
Nas mesmas reportagens jornalísticas, os representantes do governo ainda alardeavam o fechamento de instituições que tivessem obtido resultados negativos a título de IGC e CPC.
Fato é que, aos poucos, as avaliações in loco realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), tanto nas instituições de ensino e quanto nos cursos por ela ofertados, as quais tem respaldo na lei nº 10.861 (clique aqui), de 14/4/20041, vem gradativamente perdendo importância e sendo substituídas por indicadores cuja fixação e conceituação é unicamente baseada em Portarias editadas pelo Ministério da Educação.
O Sistema Nacional de Avaliação de Ensino Superior (SINAESA), instituído pela citada lei nº 10.861/2004, prevê que o ensino superior será avaliado com base em conceitos relativos (i) a instituição de ensino, (ii) aos cursos ofertados e (iii) aos alunos ingressantes e concluintes (ENADE).
Neste cenário, a lei do SINAES cria uma sequência avaliativa que se inicia com a Avaliação Institucional, passa pela Avaliação de Curso e é encerrada com o ENADE, considerando o que estabelece o art. 2º, incisos I a IV da lei nº 10.861/2004:
I - avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos;
II - o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados
III - o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;
IV - a participação do corpo discente, docente e técnico administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representações.
Invertendo a ordem legalmente instituída, o Ministério da Educação iniciou a avaliação das instituições de ensino pelo ENADE. Assim, já no contexto do SINAES, foram aplicadas as provas relativas ao Exame em 2005, 2006 e 2007; somente em 10/1/2007, com a publicação da Portaria Normativa nº 1, é que restou oficialmente definido o calendário de avaliações do Ciclo Avaliativo do SINAES, especialmente no que se referia às avalições das instituições de ensino e dos cursos por elas ofertados.
Contudo, o Sistema de Avaliação de Ensino superior claudicou ante as dificuldades para constituição das Comissões de Avaliação in loco tanto para avaliar cursos quanto IES. Ou seja, a par do tripé idealizado pelo SINAES, apenas o Ministério da Educação conseguia aplicar periodicamente o ENADE.
Neste ponto, cumpre anotar que, após a aprovação da Lei do SINAES, o Governo Federal encaminhou à apreciação e votação do Congresso o Projeto de Lei nº 7.200/2006, dispondo sobre a Reforma Universitária. Ante a impossibilidade de aprová-lo a toque de caixa, editou o decreto nº 5.773, de 9/5/2006, denominado "Decreto Ponte", a Portaria nº 40, de 12/12/2007, e os instrumentos de avaliação por meio dos quais foram introduzidos, na sistemática avaliativa, vários critérios que haviam sido contemplados pelo Projeto de Lei.
Tal procedimento, além de ignorar a competência legislativa do Congresso Nacional, representou a criação de uma nova modalidade de normatização que, por meio de Portarias, Notas Técnicas e até mesmo Despachos, desrespeita a hierarquização das normas, em especial a lei nº 9.394, de 20/12/1996 (LDB) e a lei do SINAES.
A avaliação do ensino superior é um dever e poder do Ministério da Educação, consoante dispõe o art. 209 da Constituição Federal (clique aqui) e não há dúvidas ou debates acerca da necessidade de que a qualidade do ensino prestado por estas deva ser medida pelo Estado.
Contudo, acredita-se que tais diligências devem ser contempladas pelas previsões anuais orçamentárias da União e, não, depender de recursos da iniciativa privada – mediante o pagamento de altíssimas taxas de avaliação in loco – para cumprir seu mister.
A Secretaria da Receita Federal não repassa os custos de suas fiscalizações às empresas fiscalizadas; contudo, as mantenedoras de entidades de ensino superior são obrigadas a recolher, aos cofres públicos, uma taxa de avaliação para que este designe a competente Comissão de Avaliação, que visitará a IES.
Somente as instituições privadas estão sujeitas a tal obrigatoriedade, que não é oponível às públicas. Ocorre que, mesmo recolhendo a aludida taxa, o INEP não tem logrado êxito em operacionalizar a demanda de avaliações que decorre da sistemática legal criada pelo próprio MEC e, mesmo nos casos em que são dispensadas desta diligência, as IES tem dificuldades para serem restituídas dos valores recolhidos. Por outro lado, quando INEP realiza a avaliação in loco, a Seres não finaliza o processo autorizativo no tempo adequado e prazo adequado como determina a lei nº 9.784, de 1999 (clique aqui).
Em contrapartida à dificuldade de avaliar, o MEC expandiu sua vontade de regulamentar e, aos poucos substituiu o sistema de avaliação. Depois de "testar" a Portaria nº 40/2007, publicou a Portaria nº 23, em 1/12/2010, visando "consolidar" a anterior. Ocorre que, ademais da propagada "consolidação" da Portaria nº 40 de 2007, ,aproveitou-se o ensejo para introduzir novos critérios criando um "labirinto" de normas regulamentadoras no qual os atores do processo avaliativo (Instituições, alunos, professores e comunidade em geral) tem enorme dificuldade de entender e cumprir as regras e a avaliação vai perdendo lugar para a regulamentação.
Afinal, para escolher a instituição de ensino que pretende cursar o aluno pode optar por basear-se no IGC, CPC, ENADE, IDD, CI, CC? Fácil, não? E para entender os cálculos? Tem ainda Nota Técnica, Despacho, etc.
Como o MEC, desde que a publicação da lei do SINAES teve dificuldades para cumprir seu dever de avaliar in loco cursos e instituições, tinha que dar uma "resposta" a sociedade e, neste propósito, criou o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC) – ambos, ressalte-se, instituídos por Portarias, substituindo o Conceito de Curso (CC) e o Conceito Institucional (CI), estabelecidos por lei.
Quando da divulgação dos primeiros resultados do CPC e IGC, tanto as instituições quanto os professores, alunos e sociedade desconheciam os critérios de auferição destes e até mesmo quais eram suas definições.
À época, MEC passou a divulgar o IGC e CPC como conceitos de qualidade e o CONAR entendeu que este procedimento estava equivocado, julgando nos seguintes termos:
(...)
o anúncio em questão permite o entendimento de que o IGC é índice que avalia e ranqueia as instituições de ensino como um todo, mas dos autos foi possível constatar que a avaliação é feita com relação a determinados cursos. A generalização de um dado parcial pode levar a desvios.
Assim, a alteração recomendada é no sentido de que ou não seja informado o índice de forma genérica, o que ficou constatado em especial na expressão “confira o IGC e avalie se a instituição é boa o suficiente para você”, sendo recomendado que ao informar e descrever tal índice e relacioná-lo às instituições de ensino seja esclarecido que ele se refere a determinados cursos das instituições, enquanto não forem todos analisados.
(grifos editados)
O IGC e o CPC poderiam, no máximo, servir de referenciais para as Comissões in loco quando fossem avaliar a IES e Cursos. Entretanto, mesmo representando meros indicadores e, não, conceitos previstos em lei, estes passaram a ser utilizados para diversos fins, tais como, permitir ou não que a Instituição mantenha-se vinculada ao FIES e ao ProUni, arquivar processos de autorização de cursos propostos por Faculdades, suspender autonomia de instituições dotadas de natureza universitária, reduzir vagas, proibir novos processos seletivos...todas decisões que vem sempre lastreadas em Nota Técnica a qual a IES não tem acesso de imediato. Seria o mesmo que condenar alguém sem permitir que esta pessoa tivesse acesso a sentença.
Os resultados do Índice Geral de Cursos (que, aliás, pode ser geral ou parcial) traz uma clara restrição às Faculdades, sobretudo, àquelas que possibilitam o acesso das classes mais desfavorecidas da Sociedade ao ensino superior, em entrâncias em que a Universidade Pública não se faz presente.
Mais de 90% (noventa por cento) das Instituições que receberam IGC inferior a 3 (três) são Faculdades. De acordo com o MEC, em caso de reincidência estas serão descredenciadas. Interessante que em vários casos não existem reincidências e, sim, repetição de ICG, pois, a Instituição não tinha curso submetido às avaliações do Ciclo Avaliativo. Necessário ressaltar que, mesmo do caso do Conceito Institucional ser positivo, ainda assim prevalecerá o IGC.
Quando o IGC e CPC são divulgados, com periodicidade anual e grande alarde por parte do MEC, algumas perguntas ficam latentes:
- Qual o motivo de não ser publicado o Conceito Institucional (CI) e Conceito de Curso (CC) de forma simultânea à divulgação do Índice Geral de Curso (IGC) e do Conceito Preliminar de Curso (CPC)?
- Qual o interesse do Ministério da Educação em criar indicadores que, notadamente, prejudicam instituições pequenas?
- Qual o motivo dos indicadores de qualidade, como CPC e IGC, terem maior peso no processo avaliativo realizado pelo Ministério de Educação que o CC e CI?
- Qual o motivo do Ministério da Educação não enviar, para as instituições de ensino submetidas a processos de supervisão nos quais são aplicadas medidas restritivas, a Nota Técnica nas quais se baseiam estas decisões antes de aplicá-las?
Para cada uma destas perguntas poderão ser ouvidas diferentes respostas ou mesmo teorias. Existem os que dirão que próprio MEC já admitiu não ter condições estruturais de avaliar mais de 2.000 (duas mil) instituições de ensino e mais de 25.000 (vinte e cinco mil) cursos.
Há, ainda, a parcela de instituições que, por terem atingido bons indicadores, preferem manter-se alheias à discussão.
Como não há cultura de resistência por parte dos prejudicados, no sentido de questionar administrativa ou mesmo judicialmente os critérios empregados pelo MEC na definição e aplicação de seu sistema avaliativo, os Secretários se sentem a vontade para regulamentar e consolidar tais regulamentações.
Independentemente das respostas às questões acima aduzidas, fato é que a regulamentação não pode jamais se sobrepor à lei; ainda que o poder público revele-se incapaz de cumprir tanto com o disposto na LDB quanto no SINAES, que preveem a prevalência da metodologia tríplice na qual avaliação institucional, avaliação de curso e ENADE teriam o mesmo peso.
A resposta à substituição, por parte do Ministério da Educação, da Avaliação Institucional e de Curso pelo CPC e IGC, é a lamentável judicialização dos processos de avaliação, e o Poder Judiciário tem acolhido o pleito das entidades que tem questionado tanto o Índice Geral de Cursos como o Conceito Preliminar de Curso.
Com efeito, mister se faz que as avaliações sejam decorrentes de critérios previstos em lei e sejam subordinados ao respeito ao pluralismo pedagógico, coexistência entre instituições publicas e privadas e princípios da ampla defesa, do contraditório e da iniciativa privada, todos previstos na Constituição da Republica.
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1 Numerada Lei instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) que, calcado na tríade avaliação da instituição, dos cursos e dos alunos, resultaria em conceitos avaliativos globais, capazes de revelar a qualidade e evolução do ensino ofertado por determinada instituição.
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* Sócio da Covac - Sociedade de Advogados.