Migalhas de Peso

Esses fantasmas

A partir de uma analogia fantasmagórica, o cronista migalheiro conta quem são os espectros que andam aterrorizando o governo, a sociedade e o Judiciário brasileiro.

28/11/2011

 

Edson Vidigal

Esses fantasmas

Sempre que as soluções escapam à possibilidade do natural, aparece alguém levando a mão, quase que em concha, ao canto da boca para em seguida, num sussurro de fada, ordenar um recurso ao sobrenatural.

E sobrenatural, é bom saber, inclui tudo. Desde temporadas em segredo pelos terreiros do Codó a chamamentos noturnos e incansáveis para que os ectoplasmas larguem do serviço em algum lugar e com a pressa das ambulâncias compareçam.

Não é de hoje que os fantasmas, estando onde estiverem, depois de longamente evocados, são trazidos à colação. Uns camaradas, outros nem tanto. Todos, enfim, inimigos declarados da mesmice e da tristeza.

Há no mundo do sobrenatural quem, chegando ao mundo dos comuns mortais, possa provocar mais alegrias desarrumadas do que os fantasmas?

Aqui, os fantasmas compareceram e votaram durante décadas nas eleições majoritárias e nas proporcionais e ninguém os venceu. Enquanto não largaram do título de eleitor, os seus candidatos foram imbatíveis.

Mais tarde, cansados desse dever cívico de votar, votar, e nada acontecer de bom para o Povo, os fantasmas resolveram se entregar a outros afazeres.

Vocês não se lembram que o PT naqueles tempos em que só perdia eleições, uma atrás da outra, tinha sempre o seu Governo Fantasma com o companheiro Lula presidente e o companheiro Cristovam Buarque como ministro da Educação?

Nenhum desdouro nisso.

Os ingleses até hoje se interessam pelo seu Governo Fantasma, seja o dos trabalhistas, seja o dos conservadores. Os fantasmas atuam mostrando como as coisas seriam diferentes se eles fossem Governo.

Na eleição seguinte, quem está Governo pode não estar mais, e os fantasmas então mudam de lado. Se depender só deles estarão sempre na oposição.

Mas tem gente que morre de medo de ver fantasma. Imagino que se comparados com algumas pessoas, levando em conta o medo que elas produzem e impingem aos outros, os fantasmas não devem ser assim tão medonhos.

Consta que foi Plínio, o Jovem, em Atenas, na Grécia, no primeiro século depois de Cristo, o primeiro a ver um fantasma.

Ele voltava do ateneu onde Péricles, o tribuno gago, fizera um comício anunciando uns convênios com a prefeitura de Tróia e outras de Frigia, na Ásia Menor, quando deu de cara com um fantasma balançando correntes e assumindo aos poucos a fisionomia de um cara barbudo querendo bater com um martelo de madeira em sua cabeça.

Heródoto andou pesquisando e descobriu que, em outras encarnações, o fantasma barbudo havia frequentado a escolinha do partidão, onde com certeza ninguém lhe ensinara a ser tão tendencioso e perverso.

Na Inglaterra, em Tedworth, por volta de 1600, um fantasma baterista atazanou a vida de muita gente batendo tambores à noite. Outra diversão sua era bater nos móveis das casas, em especial nas camas onde houvesse gente dormindo.

Um dos lordes ficou com tanto medo que despachou da Corte seguranças do Reino, ganhando diárias em libras esterlinas, para proteger da barulheira do fantasma baterista a sua casa em Tedworth.

Esta notícia sobre os fantasmas Juízes no Tribunal de Justiça do Maranhão pode deslocar, quem sabe, o eixo das nossas expectativas.

Ninguém sabe dizer ainda o que levou esses fantasmas, outrora mais ocupados com o serviço eleitoral, a estagiarem no nosso Poder Judiciário, onde tramitam questões de tantos interesses e de tantos interessados.

O que se sabe é que os fantasmas gostaram tanto desse ramo de distribuir justiça – a cada um o que é seu, segundo uma igualdade – que não só vestiram togas como passaram a receber salários iguais aos dos outros Juízes.

As coisas andam tão besuntadas de mediocridades e mesmices que pedir, a estas alturas, ao sobrenatural que nos envie mais Juízes Fantasmas ou Fantasmas Juízes pode ser, quem sabe, a grande saída nesta encruzilhada de incertezas, e de tanto desalento e introspecção.

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA


 

 

 

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