Almir Pazzianotto Pinto
Getúlio - Tancredo - Ulysses
São homens e mulheres titulares de currículos ricos e imaculados, não contaminados pela corrupção no exercício de mandatos.
Com eles convivem, porém, outros – eleitos pela cota alienada e venal do povo – que mancham a vida pública com a nódoa indelével da degradação, responsável pelo sinistro conceito que se passou a nutrir da representação política da Nação.
Nem sempre, porém, foi assim. Em legislaturas passadas poucas foram as cassações de mandato. Em 1948, foram excluídos da Câmara dos Deputados, por haverem sido eleitos pelo Partido Comunista, Carlos Marighela, Francisco Gomes, João Amazonas, Maurício Grabóis, Agostinho Dias de Oliveira, Alcêdo de Morais Coutinho, Gregório Bezerra, Abílio Fernandes, Cláudio José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, Jorge Amado, José Maria Crispim e Osvaldo Pacheco da Silva. Perdeu o mandato, por idêntico motivo, o senador Luís Carlos Prestes, eleito com expressiva votação pelo Rio de Janeiro. Meses depois, em 1949, punido foi o deputado Barreto Pinto, do PTB, após divulgação, pela revista "O Cruzeiro", de fotos em que se apresentava de fraque e cuecas. O regime militar cassou em profusão, lastreado na autoridade de Atos Institucionais discricionários, que recusavam aos acusados o elementar direito de defesa.
Raros são os casos de cassação nos tempos atuais. Quando ocorrem não foi porque o atingido integra partido adverso ao governo, ou lhe move sistemático combate, mas em virtude de escancarada e comprovada ladroeira. Dizem alguns que a prostituição moral iniciou-se com a construção de Brasília. A transferência da capital teria gerado ambiente favorável a larápios e aventureiros, dispostos a acumular fortuna às custas da Fazenda Pública.
Creio, entretanto, que são fatores poderosos para o avanço do processo de decomposição ética: (1) o isolamento dos políticos e agentes públicos, distantes das massas populares; (2) o quase ilimitado direito de defesa que protege os acusados, mesmo surpreendidos em flagrante, filmados, gravados e fotografados. Edward Gibbon, autor de "Declínio e Queda do Império Romano", observou que o grau de corrupção reflete o volume de garantias asseguradas pelas instituições democráticas.
A partir da primeira metade do século passado, três nomes surgem e se agigantam pela vida impoluta que conservaram até a morte: Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães. O primeiro deteve o poder durante 15 anos, 8 dos quais na qualidade de ditador. Deposto em outubro de 45, voltou em janeiro 1951, eleito pelo povo. Morreu, aos 72 anos, nas condições econômicas em que ingressou na vida pública como deputado estadual em 1909. Pode-se discordar do ditador; nunca apontá-lo como corrupto. O legado de Vargas permanece, tendo como símbolo a Consolidação das Leis do Trabalho. Tancredo Neves surgiu como advogado e vereador em São João del Rei, em 1935. Hábil articulador foi o estrategista da campanha pelo fim do autoritarismo. Se Tancredo era o estrategista, Ulysses Guimarães foi ação, no comando do PMDB na luta pela redemocratização, e na presidência da Assembleia Nacional Constituinte.
Outros nomes ingressaram na história, como políticos dedicados, honestos, dispostos a todos os sacrifícios para bem servir o Brasil. Não incorro no risco de mencioná-los, porque seria impossível evitar o pecado das omissões. Ouso lembrar a figura extraordinária de Franco Montoro, governador de São Paulo, que deu partida à campanha pelas eleições diretas. Teotônio Vilela, que eleito senador pela ARENA em 74, enfrentou o regime autoritário para se converter num dos líderes da luta pela liberdade. Miguel Arrais, que retornou do exílio em 79, retomou a liderança política em Pernambuco e, filiado ao velho PMDB, desempenhou relevante papel no restabelecimento do Estado de direito democrático.
A presidente Dilma Roussef tem à frente duas avenidas: poderá optar pelo roteiro difícil, trilhado por antecessores honestos, e empreender a faxina exigida pela moralização da vida pública, ou fazer vista grossa a escândalos que fermentam ao seu redor. À S. Exa. compete decidir pelo caminho que determinará o lugar que ocupará na História.
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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do TST
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