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Ministério Público e legitimação

A Constituição de 1988 atribuiu ao Ministério Público a tarefa de defender o ordenamento jurídico e o regime democrático, daí deduzindo poderes processuais e extraprocessuais que o transformaram no principal protagonista no âmbito da distribuição da Justiça.

28/7/2005

Ministério Público e legitimação


Sérgio Roxo da Fonseca*

A Constituição de 1988 atribuiu ao Ministério Público a tarefa de defender o ordenamento jurídico e o regime democrático, daí deduzindo poderes processuais e extraprocessuais que o transformaram no principal protagonista no âmbito da distribuição da Justiça. Tal perfil foi profetizado por Seabra Fagundes em aula inaugural dos cursos jurídicos da PUC/SP em 1985.

No exercício desses novos poderes, o Ministério Público passou a exercer atribuições análogas à da advocacia, surgindo aí inevitáveis conflitos que agora passaram a ser estudados tanto pela doutrina como pelo magistério jurisprudencial.

Um debate recorrente refere-se à legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública. O dispositivo que outorga tais poderes diz que a promotoria tem competência para “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

O jurista Pedro Dinamarco (Ação Civil Pública, Saraiva, 2001) ressaltou que a utilização do adjetivo “outros” deu a entender que todos os interesses antes referidos pelo artigo somente podem ser patrocinados pelo órgão público se e enquanto “difusos e coletivos”. Se não fosse assim, a redação do preceito não conteria o vocábulo “outros”. A norma jurídica como não contém palavras inúteis, fácil é entender que a presença daquele adjetivo no texto constitucional tem um significado relevante porque, quando não, não estaria lá.

A Constituição entregou ao promotor de Justiça poderes para litigar em favor de interesses não personalizados. Se se trata de interesses personalizados, o titular deve agir por conta própria sob o patrocínio de um advogado. Lei infraconstitucional não pode alargar e nem contrair essa competência.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o Ministério Público pode propor ação na defesa do interesse dos estudantes de um Município. Reversamente não está autorizado para patrocinar o interesse de um, dois ou três estudantes. Estes são os precedentes citados: REsp 426.397-AC, DJ 8/9/2003; REsp 450.248-DF, DJ 16/12/2002; REsp 36.663-RS, DJ 8/11/1993; REsp 32.410-PE, DJ 20/6/1994; AgRg no Ag 65.827-RJ, DJ 13/5/1996; REsp 66.567-MG, DJ 24/6/1996; REsp 109.474-DF, DJ 20/10/1997; REsp 94.458-PR, DJ 9/4/2001; REsp 41.226-PR, DJ 6/6/1994; REsp 165.017-SP, DJ 10/4/2000; REsp 173.421-AL, DJ 28/10/2002, e REsp 288.031-PR, DJ 26/8/2002. O caso referido foi julgado no Recurso Especial 706.652-SP, relatado pela Min. Eliana Calmon, julgado em 1.3.2005.

No mesmo sentido está o Recurso Especial 610.266-DF, relatado pelo Min. Franciulli Netto, julgado em 22.3.2005: “É certo que a jurisprudência deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação civil pública na hipótese de dano ao erário (art. 129, III, da CF/1988, e arts. 1º e 5º da Lei n. 7.347/1985). Contudo se trata de ressarcimento aos cofres públicos federais de valores pagos a título de adiantamento de parcelas da gratificação natalina a servidores. Assim, vê-se que não se cuida de resguardar interesse difuso, tampouco coletivo, mas, sim, interesse individual da Fazenda Pública de reaver tais valores; ente representado pela Advocacia Pública e não pelo Ministério Público estadual, autor da ação. Logo, é forçoso concluir que há ilegitimidade ativa do MP na hipótese”.

Aparentemente, o magistério jurisprudencial, pelo menos do Superior Tribunal de Justiça, consagrou as lições de Pedro Dinamarco, inclinando-se a reconhecer que a legitimação do Ministério Público limita-se à defesa de interesses difusos ou coletivos, não personalizados, confirmando, portanto que, em caso contrário, tratar-se-á de atribuição própria e exclusiva da classe dos advogados.
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*Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado





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