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O contrato de leasing e a lei 11.101, que regulou a recuperação judicial e a falência do empresário e da sociedade empresária

O causídico examina os procedimentos de recuperação dos créditos originários do contrato de leasing, em face da nova lei de recuperações judiciais e falências.

1/9/2011

Ricardo Thomazinho da Cunha

O contrato de leasing e a lei 11.101, de 9/2/05, que regulou a recuperação judicial e a falência do empresário e da sociedade empresária

A lei 11.101 (clique aqui), de 9/2/05, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro profundas reformas, das quais, certamente, a mais relevante é a constante do artigo 49, a seguir reproduzido:

"Artigo 49 – Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos."

Esse enunciado faz supor que a universalidade dos credores da empresa em recuperação judicial está sujeita às condições desta última, e, pois, sob influência do plano de recuperação judicial aprovado em assembleia geral de credores.

Dele, entretanto, há importantes exceções:

- os créditos fiscais, dos quais se ocupou o parágrafo 7 do artigo 6, pois está previsto que "as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento do pedido de recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica";

- os créditos de que se ocupou o artigo 48, parágrafo terceiro, ou seja, de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóveis em contratos com cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, de proprietário em contrato de compra e venda com reserva de domínio, pois, em relação a estes, a suspensão dos processos valerá, por tão somente 180 dias, prazo findo o qual terão andamento normal;

- os créditos oriundos de adiantamento a contrato de câmbio, que, nos termos do inciso II do artigo 86, deverão ser devolvidos ao credor, por meio de pedidos de restituição.

A posição das instituições financeiras, que se dedicam à celebração de contratos de arrendamento mercantil, consequentemente, está bem definida na nova legislação:

- caberá ao credor, uma vez notificado o devedor, aguardar seis meses, da data do deferimento do pedido de recuperação judicial;

- depois desse prazo, poderá, sem qualquer autorização judicial, ou propor a ação de recuperação judicial do bem, ou dar seguimento à ação anteriormente proposta, que tenha sido objeto de suspensão.

As instituições financeiras arrendadoras, consequentemente, não deveriam preocupar-se com o pedido de recuperação judicial de seus devedores, pois, a exemplo do que ocorria com a concordata, no regime legislativo anterior, o exercício de seu direito à recuperação do bem objeto do arrendamento não ficará prejudicado, senão pela circunstância de poder ser exercido, tão somente, depois de decorrido o prazo de seis meses, a contar da data do pedido de deferimento da recuperação judicial.

É certo, porém, que se instalou, na jurisprudência dos tribunais, a doutrina oriunda do princípio da preservação das empresas, dada a sua função social.

Esse princípio tem tido várias manifestações, na jurisprudência dos tribunais, das quais é possível indicar as seguintes:

- uma empresa de alimentos de Itaquecetuba, no interior do Estado de São Paulo, não pôde recuperar um imóvel que lhe havia sido dado em propriedade fiduciária, pois o Superior Tribunal de Justiça entendeu que este último seria indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, que, contando com 150 empregados, não poderia subsistir, sem contar com aquele imóvel;

- segundo o mesmo princípio, as ações do Fisco têm sido bloqueadas, em homenagem àquele princípio;

- no ano passado, foram devolvidas duas máquinas a uma empresa instalada no interior de São Paulo, as quais haviam sido leiloadas em um leilão judicial promovido pela Fazenda Nacional contra a empresa devedora;

- no caso a que se aludiu, entendeu-se que não seria justo tirar um bem essencial de uma empresa em dificuldades, pois, se ela quebrar, perderá a sociedade com o desemprego e o próprio Fisco, que deixará de arrecadar tributos;

Pode-se mencionar, ainda, recente decisão do STJ que suspendeu a penhora de dinheiro, na conta bancária de uma devedora de Brasília, a pretexto de que esse ato quebraria o plano de recuperação judicial, elaborado a partir de um planejamento para o pagamento dos credores.

Em nossa própria experiência, apresentou-se caso que ocorreu na Comarca de Lagoa Santa, no Estado de Minas Gerais, em que foram protagonistas, de um lado, a Sul Leasing International USA Inc., e, de outro lado, a empresa Clima Termo- acústica Ltda.

Nesse caso, proposta, por parte do arrendador, a ação de recuperação do equipamento, contra o arrendatário, negou o juiz a medida antecipatória pleiteada.

E o fez porque entendeu que os bens objeto da recuperação judicial seriam indispensáveis para o funcionamento da empresa em recuperação judicial.

Houve recurso de agravo de instrumento, para o TJ/MG, que, no entanto, negou-lhe provimento, sob a seguinte argumentação:

"Devo, ainda, salientar que os bens objeto da reintegração, conforme documentos trazidos pela agravada em sua contra-minuta, são indispensáveis à atividade-fim da empresa, motivo pelo qual sua remoção, incontestavelmente, comprometerá a eficácia do instituto da recuperação judicial.

É notório que o artigo 47 da lei 11.101 de 2005 exprime o princípio basilar da recuperação judicial de empresas em colapso econômico.

Tal princípio busca a manutenção de empregos, o estímulo à atividade empresarial e o crescimento econômico.

Assim, ainda que o artigo 49, parágrafo terceiro, determine que o arrendador não ficará sujeito aos efeitos da recuperação, importante observar o intuito do instituto em questão, que é de recuperar a empresa.

Deste modo, entendo acertada a decisão hostilizada, eis que, tratando-se de bem essencial à atividade da empresa recuperanda, a reintegração, ainda que após o prazo de 180 dias, não poderá ser efetivada, sob pena de inviabilizar-se a recuperação da empresa."

Esse voto, da relatora do recurso, desembargadora Selma Marques, teve a aprovação dos outros dois juízes, tendo sido vencedor.

A decisão foi objeto de recurso, por parte da empresa de leasing, ao STJ.

O recurso, entretanto, não chegou a ser conhecido, por parte do STJ, pois:

- antes do julgamento no STJ, houve quebra da empresa recuperanda, que, nesses termos, teve convolado o seu regime de recuperação judicial em falência;

- sendo assim, já não se poderia manter o entendimento de que o objeto da ação seria essencial à atividade da empresa, pois esta, em razão da decretação da falência, já não tinha atividade alguma, nem essencial, nem não essencial.

Foi, então, possível pedir, ao juiz de 1ª instância, que concedesse a medida antecipatória requerida, o que foi feito, alcançando-se a recuperação do objeto do contrato de leasing, que foi devolvido à arrendadora.

É certo, porém, que, não fosse o advento da falência da empresa em recuperação judicial, não se teria alcançado a restituição dos objetos do contrato de leasing, que permaneceriam, destarte, por tempo indeterminado, na posse do arrendatário.

Desse caso, extrai-se importante lição:

- a consideração de que determinado bem é essencial à atividade da empresa pode ser um importante argumento, no momento em que o crédito é concedido, por parte do analista;

- é que, em razão dessa essencialidade, considerará ele que a tomadora do crédito não deixará de pagar as contraprestações previstas no contrato, para não vir a perder o equipamento e, assim, inviabilizar o funcionamento da empresa;

- mas, em função do que se expôs, a essencialidade do equipamento, para as atividades da empresa, pode conduzir, exatamente, ao oposto do que deseja aquele que concede o crédito, ou seja, à impossibilidade de retomada do equipamento, dentro da recuperação judicial, em virtude da consagração do princípio da preservação das empresas.

Em função de quanto se expôs, o assunto relativo ao contrato de leasing, em face das situações em que se tenha declarado a recuperação judicial das empresas, no Brasil, deve inspirar o maior cuidado, por parte das empresas investidoras.

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*Ricardo Thomazinho da Cunha é advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia

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