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Em defesa do direito de recorrer

A Secretaria de Reforma do Judiciário, cumprindo a determinação contida no artigo 7º da Emenda Constitucional 45 apresentou uma série de projetos de lei que promovem alterações na legislação federal que regula o processo civil brasileiro objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional.

11/7/2005

Em defesa do direito de recorrer


Ulisses César Martins de Sousa*

A Secretaria de Reforma do Judiciário, cumprindo a determinação contida no artigo 7º da Emenda Constitucional 45 apresentou uma série de projetos de lei que promovem alterações na legislação federal que regula o processo civil brasileiro objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional. Vários desses projetos de lei alteram drasticamente a sistemática dos recursos no processo civil, tornando mais difícil e onerosa a utilização desses meios de impugnação das decisões judiciais.

O que se pretende demonstrar nessas poucas linhas é que a reforma processual ora em análise pelo Congresso Nacional representa grave ameaça ao direito previsto no artigo 5º, LV da Constituição Federal que garante que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O exame dos projetos de lei apresentados demonstra a clara intenção de ampliar os poderes conferidos aos juízes singulares. Porém, ao mesmo tempo, o direito de recorrer é limitado, dificultado e, em alguns casos, eliminado.

Na sistemática vigente a regra é de que é do recorrente o direito de escolher qual modalidade de recurso de agravo a utilizar diante de uma decisão interlocutória que lhe seja desfavorável. Hoje, somente por exceção a lei indica os casos em que a utilização do agravo retido é obrigatória (art. 523, § 4º do CPC). Pretende-se que esse sistema seja invertido. A regra será a utilização do agravo retido. Somente por exceção, nos casos em que a execução da decisão seja suscetível de causar lesão grave e de difícil reparação, é que poderá ser utilizado o agravo de instrumento. O detalhe é que será permitido ao relator do agravo de instrumento, em decisão irrecorrível, converter o agravo de instrumento em agravo retido. Isso é um absurdo.

No recurso de apelação as mudanças são bem piores. O recebimento do recurso de apelação apenas no efeito devolutivo passa a ser regra e não mais exceção. A execução provisória da sentença – justa ou injusta, absurda ou não – passará a ser uma constante. E não é só isso. Pretende-se criar, nas ações condenatórias, o depósito recursal como pressuposto de admissibilidade do recurso de apelação. Esse depósito, em valor que irá oscilar entre 60 e 100 salários mínimos, deverá ser realizado nos três dias subsequentes à interposição do recurso.

Ou seja, agora apenas os ricos poderão recorrer. Aqueles que não dispuserem da módica quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) – uma verdadeira fortuna nas regiões mais pobres desse imenso Brasil – não poderão recorrer, por exemplo, da sentença proferida em uma ação de indenização por dano moral na qual venham a ser condenados a pagar indenização de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Não importa se a sentença é injusta, absurda, ilegal ou se não segue a jurisprudência dominante sobre o assunto, o vencido somente poderá recorrer se tiver dinheiro.

Tais projetos – com mudanças tão radicais – merecem reflexão e debate. É preciso que a sociedade seja adequadamente informada. Não se pode admitir que - sob o argumento de que está se objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional - sejam sacrificados direitos assegurados na Constituição Federal como o contraditório, a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
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* Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Advogado do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados










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