Migalhas de Peso

9 de julho

Estamos na era da Internet. É o “boom” das comunicações. Circula de tudo pela rede mundial, desde publicidade de negócios, acesso à ciência e outras coisas relevantes, até superficialidades, perversidades e crimes tais como pedofilia, espionagem, etc.

8/7/2005

9 de julho


Antonio Aurélio do Amaral*


Vividos, e por isso prudentes em seus julgamentos. É como interpreto o silêncio dos amigos nesta crise política que o Brasil atravessa. Tenho apreciado essa prudência.

Mas vou escrever aos meus filhos, com cópia para os amigos.

Estamos na era da Internet. É o “boom” das comunicações. Circula de tudo pela rede mundial, desde publicidade de negócios, acesso à ciência e outras coisas relevantes, até superficialidades, perversidades e crimes tais como pedofilia, espionagem, etc. Ultimamente, ainda sem entrar no mérito da questão, charges políticas e coloridos textos panfletários “chovem” diariamente em nossas caixas postais eletrônicas. Realidade misturada com ficção, distorção, palavras de baixo calão, entre outras características dessas mensagens, parecem revelar uma espécie de orgasmo mental dos oportunistas que as criam. Vocês, “adolescentes pós-impeachment”, as repassam eufóricos com a quebra da rotina, supondo que estão praticando a cidadania. Mas vocês são inocentes. A velocidade das transformações no mundo mal dá tempo que reflitamos ou até que saibamos o que nele acontece, quanto mais para conversas mais profundas com vocês. Também absorvidos pelos estudos e pelo trabalho, não lhes sobrou tempo para saberem o que de relevante aconteceu até pouco antes de nascerem, o que lhes ajudaria entender um pouco do mundo, da história, da vida, do ser humano e de si mesmos. Às vezes nos surpreendem suas crenças anticientíficas já enraizadas. Tentamos conversar e nos damos conta que faltam referenciais científicos e históricos que não tivemos tempo de lhes transmitir. E a escola? Ora a escola... Era bem paga, mas aquele “algo mais” que meus professores de escola pública vez por outra nos passavam, nada!!! Geração do Haloween, jogos eletrônicos, “ficação”, halterofilismo, “música tecno”, etc, às vezes vocês parecem “semi-órfãos”. Ainda assim somos felizes e muito gratos a Deus pelo que vocês são e fizeram até hoje. E nos vemos em vocês. É o que me motiva a lhes escrever.

A comunicação pela Internet é curta, colorida, muitas vezes procura ser engraçada e quase sempre é bem superficial. E assim tem sido a última onda panfletária. O convite ao repasse em progressão geométrica recorre a mal discutidas razões de cidadania misturadas quase sempre a inconfessáveis preconceitos. Na verdade não tenho recebido só de vocês, há “adolescentes políticos” com mais de 50 anos que também o fazem. Interessante é que são os mesmos “grisalhos” que repassam imagens de mulheres nuas e outras coisas como se adolescentes ainda fossem. Mas, não é sobre “adolescentes políticos” que eu lhes escrevo.

Quero que vocês, “adolescentes pós-impeachment” tenham um referencial sobre ação política responsável. E o que me fez pensar nisso foi o contraste entre um desses “panfletos eletrônicos” que recebi e a foto anexa, de um grupo de brasileiros que, mal armados e mal fardados, lutaram juntos em 1932. Alguns dessa foto morreram em combate. Todos passaram fome, frio e ouviram as balas das forças getulistas zunirem perto de suas cabeças. Mas arriscaram a vida por uma Constituição que a ditadura queria evitar. Lutaram generosamente pela liberdade e pelo Brasil até que, traídos, sem munição e sitiados, depuseram as armas. Eram corajosos e generosos. Amavam o Brasil e seu povo. Um desses soldados da foto, guardando uma mina de água, escondido no mato, teve sob sua mira a cabeça e as costas de um soldado inimigo que enchia o cantil de água ao amanhecer. Dedo no gatilho, bastava puxá-lo. Mas... “Pobre diabo”, ele pensou. “Que volte para casa vivo, vou usar esta bala em combate”. Que diferença fazia? Para esse soldado, voluntário de 1932, a diferença era muito clara. Não vou tentar explicar. Nem sei se eu poderia. Creio que na situação extrema de luta armada, ele estava fazendo Política com coragem e lealdade. Não atrás do teclado de um computador repassando charges coloridas carregadas de preconceitos, distorções e parcialidades.

Trinta e oito anos depois, novamente brasileiros de várias partes do País e de todos os níveis sociais, empenharam-se em alguma forma de luta pela democracia. Muitos deram suas vidas ainda muito jovens. Vocês conseguem imaginar alguns de seus jovens colegas enfrentando uma ditadura ? Muitos foram presos e covardemente torturados com requintes de crueldade. Muitos jovens, inclusive meninas, foram assassinados ou assassinadas. Mas eles escreveram nossa História. Foi uma etapa dolorida, mas nela estiveram embutidas belas e intensas emoções. Outras etapas vieram. Mas ainda não chegamos lá. Os números mostram que o Brasil ainda é um dos mais injustos países do mundo.

As concepções ideológicas ou políticas dos bravos (e bravas!) que se irmanaram na luta pela liberdade na década de 70 eram variadas. Mas tinham como denominador comum a luta contra a ditadura.

Entre os voluntários de 1932 até monarquista podia existir, não importava. Depois de 4 jovens estudantes tombarem próximos à escola Caetano de Campos (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo), brasileiros de São Paulo, de várias idades, profissões, origens sociais e nacionalidades (colônias de imigrantes), levantaram-se em armas unidos por um ideal eterno. Mas o que importa é a ação. E a ação era corajosa e pela democracia. Dava-lhes um sentido superior às suas vidas.

Quarenta anos depois, em 1969 e em toda a década de 70, panfletar ou pichar podia custar sua vida. Quem panfletava ou pichava pela liberdade podia ser preso, torturado e morto. Até simples apoio como guardar materiais ou abrigar alguém podia levá-lo à tortura. E muitos brasileiros assumiram o risco e panfletaram. É o inverso de panfletar contra a estabilidade da democracia e atrás do teclado de um computador. Vocês conseguem entender a dupla diferença?

Cuidado, meus filhos, principalmente com os “adolescentes políticos” de cabelos grisalhos que, fisgados pelos seus preconceitos, empolgam-se com seus primeiros e tardios passos na “política”.

Sejam prudentes no julgamento. Não “engulam” juízos de valor ou interpretações desonestas misturadas a fragmentos de fatos e ficções. Prudência e equilíbrio!
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* Filho de José Bonifácio de Sousa Amaral - Ex-Combatente da Revolução






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