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O princípio do equilíbrio de armas no Processo Penal

Para o autor, devem valer os princípios que asseguram o equilíbrio entre os representantes das partes em litígio, inclusive no que concerne à sua acomodação nas salas de audiência.

10/8/2011

O princípio do equilíbrio de armas no Processo Penal

René Ariel Dotti*

Um assunto aparentemente despido de relevo prático chega à maior Corte Judiciária do país. A notícia divulgada pela internet, no dia 18 do mês de julho, informa que o juiz titular da 7ª vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Ali Mazloum, ingressou com pedido no STF para que seja dado tratamento isonômico entre acusação e defesa nas audiências criminais realizadas no âmbito da Justiça Federal brasileira (clique aqui).

Na Reclamação 12.011 (clique aqui), o sensível, lúcido e intimorato magistrado investe contra decisão liminar de uma desembargadora Federal mantendo dispositivo legal e a praxe forense para que o agente do Ministério Público permaneça sentado "ombro a ombro" com o juiz durante a realização das audiências.

A questão tem o seu ponto fulcral na regra do art. 18, I, a da LC 75 (clique aqui), de 20 de maio de 1993, declarando que uma das prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público da União é o de "sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem".

Na Reclamação, o juiz Ali Mazloum argumenta que, para garantir tratamento igualitário entre os representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública (DPU) ou da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi editada a portaria 41/2010 (clique aqui). A norma, de caráter jurisdicional, pretendia dar efetividade à Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94 - clique aqui e 132/09 - clique aqui).

Assim, segundo explica o magistrado, como não havia espaço físico na sala de audiência para acomodar ao lado do juiz também o representante da defesa em uma audiência, a exemplo do que ocorria com o representante do Ministério Público, ficou determinado o assento de todos "no mesmo plano, e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa (DPU e OAB), à mesa destinada às partes."

O Ministério Público Federal contestou na Justiça a validade da portaria, alegando que ela violou o Estatuto do Ministério Público, que garante lugar destacado a seus representantes. Ao analisar a ação proposta pelo MPF contra a portaria 41/2010, a juíza relatora do caso no TRF da 3ª região, concedeu liminar suspendendo a norma. Contra esta decisão, o juiz Ali Mazloum acionou o STF.

No referido procedimento, o seu ilustre autor salienta que ainda não havia sido notificado da decisão e que está impedido de exercer a sua jurisdição em sua plenitude em face da liminar. E que compete ao juiz natural "assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa".

Na avaliação do juiz Mazloum houve interpretação equivocada sobre o dispositivo do Estatuto do Ministério Público da União, além da divergência com precedente da 2ª turma do STF constante do Recurso de Mandado de Segurança (RMS), 21884 (clique aqui).

Prestando um testemunho altamente qualificado pela sua experiência, o Doutor Mazloum afirma ser "perceptível a reação diferenciada de testemunhas quando indagadas pelo acusador, sentado no alto e ao lado do juiz, e depois pelo advogado, sentado no canto mais baixo da sala ao lado do réu. É preciso colocar em pé de igualdade, formal e material, acusação e defesa".

A notícia revela que o problema está em discussão no âmbito do CJF e do CNJ e que há a possibilidade de decisões divergentes entre os dois órgãos. Daí porque o pedido de concessão liminar na Reclamação para, desde logo, solucionar a eventual controvérsia em relação a todos os membros da magistratura Federal. E, no mérito, pede que seja declarado inconstitucional o artigo 18, I, a, da LC 75/93 e adotado o teor da portaria 41/2010, da 7ª vara Federal Criminal de São Paulo, como modelo válido para toda a magistratura "com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais".

A iniciativa da Reclamação tem ampla justificação como se pretende deduzir nas próximas linhas. E o seu ponto de partida é o princípio da igualdade entre a acusação e a defesa durante a prática de atos judiciais realizados na presença de ambos os representantes das partes.

No início do presente artigo está dito que o assunto é "aparentemente despido de relevo prático". Mas, à luz do princípio constitucional de igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput e inc. I) e de sua consequência lógica da isonomia processual e a sua transparência pública, o tema assume notável amplitude científica. Em uma de suas lições, Lauria Tucci e Cruz e Tucci, observam com absoluta razão que um dos consectários do due process of law firma-se no denominado "princípio da isonomia processual, determinante do tratamento prioritário dos sujeitos parciais do processo"1.

Em meu entendimento, a questão deve ser resolvida com base nos princípios constitucionais que asseguram o equilíbrio de armas entre os representantes das partes em litígio. A paridade não se esgota, vale enfatizar, nas iguais possibilidades oferecidas à acusação e à defesa para o cumprimento de suas funções (prazos, limitação quanto à prova, etc.), mas, também, deve considerar outros aspectos e, entre eles, à postura física do procurador junto ao presidente da audiência de modo a sugerir a impressão de quebra de outro princípio fundamental no processo penal democrático: a imparcialidade do juiz.

O juiz Federal Ali Mazloum, dando sequência às decisões fiéis à Constituição e à legislação, ingressou com Reclamação no STF impugnando a decisão liminar de uma desembargadora do TRF da 3ª região que cassou a portaria 41/2010, por ele editada para garantir a efetividade da Lei Orgânica da Defensoria Pública (lei 80/94) que estabelece: "Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público" (art. 4º, § 7º).

Como não havia na sala de audiência espaço para acomodar ao lado do magistrado também o defensor público e o defensor particular, a portaria determinava que eles assentassem à mesa reservada às partes. E assim o fez na condição de juiz natural para "assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa".

A decisão de revogação fundou-se no art. 18, I, a da LC 75/93 que declara, como prerrogativa institucional dos membros do Ministério Público da União, "sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem".

A regra mostra um preciosismo aristocrático no exercício do poder incompatível a princípios elementares que na Constituição Federal de 1988 distinguem o Ministério Público como instituição defensora do regime democrático e de interesses sociais, além de outros relevantes bens e valores da comunidade. A imposição de sentar "ombro a ombro" com o juiz durante a audiência, assim como ocorre na praxe forense revela-se autoritária e discriminatória em relação à figura, também institucionalizada, do advogado que é "indispensável à administração da justiça" (CF, art. 133 – clique aqui) e que, no seu ministério privado, "presta serviço público e exerce função social" (lei 8.906/94 - Estatuto da Advocacia e da OAB – clique aqui).

Essa arquitetura de constrangimento funcional vai mais longe. Ela dissimula a real posição que devem ostentar as partes em um processo conduzido pelos princípios e regras do Estado Democrático de Direito. Perante a testemunha, o perito, o acusado e qualquer outro participante da relação processual o mobiliário compõe a imagem de duas autoridades de igual hierarquia.

A iniciativa do juiz Mazloum ao STF assume extraordinária repercussão acadêmica e profissional ao tempo em que o juiz de Direito Substituto da 1ª vara Criminal e Juizados Especiais Criminais do Foro Regional de Restinga, Porto Alegre (RS), Mauro Caum Gonçalves, nos autos do procedimento administrativo 02/2011, atendeu, em 19 de julho, o pedido da Defensoria Pública para remanejar os móveis da sala de audiências. A pretensão deferida se fundou no § 7º do art. 4º da LC 80/94, que reza: "Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público".

É oportuna a transcrição de alguns trechos desse notável precedente:

Assim, ao atribuir ao Parquet, privativamente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabelecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais.

Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do 'acusador' e do 'julgador'; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda.

Pois bem.

A atual situação cênica dos móveis da sala de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação.

Com efeito, 'visualmente', isso transmite a um observador - que ignora os regramentos positivos e consuetudinários - a 'impressão' de, senão identidade, de proximidade das atribuições.

Tal 'ilação' é, certamente, facilitada pela circunstância de o servidor auxiliar-escrevente do magistrado sentar em posição equivalente (imediatamente do lado esquerdo), e os advogados e defensores públicos (assistentes da acusação ao lado direito; defensores, ao lado esquerdo) não, ficando, além de mais afastados, perpendicularmente ao juiz.

Isso sem contar o fato de que, inexplicavelmente (melhor seria dizer indevidamente) que a poltrona destinada ao órgão do Parquet é, de praxe (inclusive, nesta vara), muito mais "luxuosa" que a destinada aos advogados e defensores públicos.

Nada justifica que assim seja.

Pelo exposto, ACOLHO o requerimento administrativo formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e DETERMINO a alteração do mobiliário da sala de audiências, de modo que seja removido o assento ora destinado ao órgão do Ministério Público, que deverá, quando comparecer às solenidades aprazadas pelo Juízo, tomar lugar nos remanescentes que se situam "à direita" (e não ao lado) do Julgador.

Intimem-se o órgão do Ministério Público e da Defensoria Pública que atualmente têm atribuição para oficiar perante esta vara Criminal - autorizado extração livres de cópias. Remetam-se cópias do pedido inicial e desta decisão: 1) ao Presidente do Tribunal de Justiça; 2) ao Corregedor-Geral de Justiça; 3) ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos do TJ; 4) ao Presidente da OAB/RS; 5) ao Diretor de Valorização Profissional da OAB/RS; 6) ao Presidente da AJURIS - Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul; e 7) ao Presidente da AMB - Associação dos Magistrados do Brasil, em Brasília. E encaminhe-se cópia integral do expediente para o Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Procedam-se às diligências necessárias à reorganização dos móveis, inclusive com ciência ao Estenotipista.

Vista ao ilustre representante do Ministério Público; Vista à douta Procuradoria da Justiça; Defiro o bem fundamentado requerimento do parquet.

Essas e outras são expressões rotineiras com as quais o Judiciário de primeiro e segundo consuma o tratamento desigual entre as partes nos processos judiciais. Além da proximidade pessoal e de estarem sentados "ombro a ombro", magistrado e membro do Ministério Público aparecem ostensivamente como atores principais da representação processual enquanto o defensor, com assento em plano físico inferior, é relegado à condição de mero coadjuvante. O que consola o advogado nesses momentos e nessa localização da arquitetura forense é estar, democraticamente, ao lado de testemunhas, de ofendidos e de acusados. E, também, compreender que a tradição forense em nosso país, desde o Império até os dias atuais, apesar do cenário de um Estado Democrático de Direito, continua, via de regra, desconsiderando o princípio constitucional da isonomia, que deve funcionar no processo.

Lamentavelmente, para muitos juízes que descumprem deveres institucionais de relacionamento, o advogado não é o procurador de inúmeros interesses privados. Eles não o respeitam como "indispensável à administração da justiça" e muito menos como representante de uma maior ou menor parcela de cidadãos que lhe confiam a defesa de seus direitos. Nesse ponto, ofendem a regra legal de que, em seu ministério privado, o advogado exerce função pública.

E o que pensar e dizer de muitos magistrados que afrontam a lei para, de maneira humilhante, mandar ao procurador o recado de que não pode recebê-lo, por esse ou aquele motivo. O pior, porém, é quando o servidor recita a fórmula imperial: "O juiz não recebe advogado".

É certo que muitos, inúmeros juízes, desembargadores e ministros são elegantes no trato funcional com o advogado e todas as pessoas com as quais devem tratar. Nesse momento, vigora a Lei Orgânica da Magistratura Nacional com outras tantas regras de urbanidade e respeito. Muitos colegas, especialmente os mais jovens, confessam, humilhados, que foram destratados por essa ou por aquela autoridade judiciária. E me perguntam o que devem fazer. Nada, eu lhes respondo. A não ser assumir no corpo e na alma a opressão do preconceito por conta da qual a nossa classe já está com o "couro curtido".

"Incorporem o espírito dos que resistem em silêncio, mas não dobrem a espinha para receber a graça do cumprimento. O gesto poderá ser entendido por quem está próximo como parte de uma liturgia religiosa".

Além de assumir a resistência ghandica, o advogado deve impor a sua autoridade moral e a legitimidade de sua atuação no interesse social, nunca se esquecendo dos instrumentos legais de que dispõe para enfrentar todo tipo de grosseria, ilegalidade e abuso, por ação ou omissão, contra si ou seu cliente.

E, com o passar dos anos da militância, entre as figuras que permanecem na boa memória do causídico estão a dos magistrados afáveis, fiéis aos seus deveres e cumpridores de sua missão. Quanto ao outros, o tempo se encarrega de fazê-los desaparecer.

A lápide de seus túmulos ou a legenda das urnas com suas cinzas deveria ter esta última sentença:

"O homem, esse cadáver adiado que todos nós somos". (Fernando Pessoa, 1888-1935).

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1 LAURIA TUCCI, Rogério. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e porocesso: regramentos e garantias constitucionais do processo, São Paulo: Editora Saraiva, 1989, p. 37. (Os destaques em itálico são do original).

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*Advogado do Escritório Professor René Dotti e professor universitário. Presidente da Comissão da OAB para analisar e propor emendas ao projeto do novo CPP. Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007)

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