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Não se deve cobiçar o conteúdo alheio

Em tempos em que a informação é considerada um ativo importante para as corporações, a autora propõe avisos legais nas interfaces gráficas e respeito aos direitos autorais.

10/8/2011

Não se deve cobiçar o conteúdo alheio

Patricia Peck Pinheiro*

A Sociedade do Conhecimento tem como principal ativo a informação. Os negócios da era digital são avaliados por seus ativos intangíveis, que vão desde a marca, a reputação até os bancos de dados. Aquele que melhor dá tratamento a gestão dos dados passa a ter um patrimônio que valoriza ao longo do tempo e é cobiçado pela concorrência.

Com o crescente aumento de volume de informações, um dos grandes desafios consiste em se conseguir organizar os dados não estruturados, em geral acessíveis via internet, e transformá-los em informação relevante, atualizada, de qualidade.

Como proteger bases de dados? Como o Direito pode garantir esta proteção? Tem aumentado os casos de plágio, furto de dados, espionagem eletrônica e até mesmo de concorrência desleal digital com uso de informações alheias. Para analisarmos esta questão é essencial enfrentarmos o tema do ponto de vista técnico, visto que as leis em vigor já trazem alguma previsão legal sobre este assunto, mas ainda de forma sutil. Tem sido o Judiciário que tem resolvido as situações no caso a caso, e mesmo assim muito mais sob a seara civil, de indenização, do que a punição criminal, que deveria ser mais rigorosa, tamanha gravidade que tem alcançado os crimes digitais corporativos.

Pode uma empresa fazer uso de um método fraudulento para desviar clientela de concorrente direto de mesmo mercado? Não, segundo previsto pela lei de propriedade industrial, art. 195, lei 9.279/96 (clique aqui), esta conduta configura o crime de concorrência desleal. Logo, usar a marca de um concorrente como link patrocinado para quando alguém buscar seu nome nas ferramentas de busca encontrar a marca de outro concorrente é uma conduta ilícita no Brasil.

O mesmo ocorre quando se faz uso de um software de varredura para buscar informações em uma base de dados alheia, via internet. Apesar desta conduta ser automatizada, não há atividade humana, logo, há dificuldade em tipificar o ilícito, a origem e o destino da informação (para quê ela será utilizada) são suficientes para categorizar o ilícito civil.

Há necessidade de uma melhoria da legislação brasileira no tocante a proteção de bases de dados, visto que a previsão da lei de direitos autorais (clique aqui), bem como do Código Civil (clique aqui) e do Código Penal (clique aqui), até mesmo do Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) permitem algumas lacunas perigosas. Um exemplo disso é a dificuldade de punir uma pessoa que replica uma base de dados, faz o famoso "CTRL C + CTRL V". Não há como tipificar a conduta como furto de dados, visto que a pessoa levou uma replicação da base e não tornou a base de dados original indisponível para seu legítimo proprietário (que ocorreria se tivesse feito "CTRL X"). É mais fácil ensejar um ilícito contratual, descumprimento de acordo de confidencialidade, do que criminal, de furto de dados, e isso gera distorções bem como favorece o comportamento criminoso ainda mais no ambiente corporativo, onde informação gera riqueza.

Uma informação colocada na internet sem qualquer bloqueio de acesso (barreira de navegação como solicitação de senha) é uma informação pública, mas isso não a torna de "domínio público", não retira os direitos morais e patrimoniais de seu titular. Ao mesmo tempo, os profissionais atuais são remunerados para criar, gerar, manusear, lapidar informação, como verdadeiros artesãos de conteúdo, e apesar disso, não quer dizer que tenham o direito de levar embora o que fizeram, só porque é de sua autoria, quando estão sob um regime de trabalho, seja com vínculo empregatício ou não. Deve-se ter cuidado para não confundir o direito de citação de autoria com o direito de usufruir e explorar o conteúdo, que pode ser restrito do contratante. Precisamos deixar mais claro tudo isso nos contratos, bem como através de avisos legais nas interfaces gráficas, educar a nova geração a respeitar direitos autorais, valorizar inovação e não ser conivente com concorrência desleal e, por certo, punir severamente quem pratica crimes digitais de conteúdo.

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*Advogada especialista em Direito Digital, sócia fundadora do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados

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