A Justiça na grande área
Gustavo Sauaia Romero Fernandes*
É certo que o Poder Judiciário tem atributos que asseguram a independência funcional de seus membros, para que tomem suas decisões baseados unicamente no que o ordenamento jurídico estabelece. Não são poucos os casos em que a opinião pública, afetada por desinformação ou preconceito, diverge dos ditames da Justiça. Tanto que existe um brocardo informal pelo qual se sabe que "é mais fácil ser legal - no sentido popular - que justo". Esta separação permite que se proteja a própria sociedade de seus excessos. Todavia, o que já estamos presenciando sugere medidas que, a olho nu, atacam princípios constitucionais e administrativos que qualquer candidato a concurso deve conhecer de cor, quanto mais magistrados há muito aprovados e no exercício das carreiras. Vemos entes particulares desdenhando publicamente de qualquer obstáculo legal, quando não impondo condições para a realização de um acontecimento tipicamente privado. Para isso também vale a independência, para que a oportunidade e a conveniência dos governantes sejam reapresentadas a seus limites.
Evidentemente, são pontos que não podem ser repelidos de ofício, de modo que é preciso aguardar a atuação de promotores e, eventualmente, até dos eleitores em possíveis Ações Populares. Antes que isso ocorra, porém, há que se preparar o espírito para a pressão externa para que "não estraguem a Copa no Brasil". Não se espantem se um determinado jornal televisivo divulgar seguidas denúncias contra juízes e desembargadores para intimidar e abrir caminho ao chamado "liberou geral". Para suportar esta provável represália pelo cumprimento das leis, a magistratura tem que se unir. Por união, não me refiro a unificar pensamentos, mas a agir pensando na coletividade de nossa profissão. Vivemos um tempo em que as pessoas estão propensas a crer naquilo que de pior falarem sobre um juiz ou um promotor. Nas mentes de boa parte delas, um mais um só é dois quando interessa. Se não for o caso, ainda se relatando o que elas pensam, criam um Cirque du Soleil nos tribunais, com malabarismos jurídicos para transformar uma cadeira em porta. Não se constrói um país sólido desta forma.
É neste cenário que se medirá a citada independência funcional. Da minha parte, desejo aos colegas que atuarem nestes feitos a maior lucidez possível. Rogo para que esqueçam qualquer outro ponto que não seja aquilo que aplicam por toda a vida em seus julgamentos. Assim, sejam favoráveis ou desfavoráveis, as sentenças e acórdãos terão seus próprios fundamentos como legítima defesa da classe. Entre uma Copa do Mundo e o retorno da confiança do povo a que servimos, caso esta se revele como a dicotomia concreta, não tenho a menor dúvida do caminho a escolher. Nos próximos anos, não estará em jogo um título mundial. Na marca do pênalti, teremos o orgulho pela carreira que juramos representar com honra, honestidade e coragem de magoar, se preciso for, para distribuir o valor do Direito. Esta disputa não podemos perder - muito menos culpando o campo de jogo.
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* Juiz de Direito de Embu/SP
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