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A empresa individual de responsabilidade limitada - Reflexão sumária sobre a experiência portuguesa

Vinte e quatro anos após a publicação em Portugal do decreto-lei 248/86, de 25 de agosto, que criou o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada (EIRL), foi publicada no Brasil a lei 12.441, de 11 de Julho de 2011, que, alterando o Código Civil, passou a permitir a criação de empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI).

25/7/2011


A empresa individual de responsabilidade limitada - Reflexão sumária sobre a experiência portuguesa

Miguel Reis*

Vinte e quatro anos após a publicação em Portugal do decreto-lei 248/86, de 25 de agosto, que criou o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada (EIRL), foi publicada no Brasil a lei 12.441, de 11 de Julho de 2011 (clique aqui), que, alterando o Código Civil (clique aqui), passou a permitir a criação de empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI).

Costumo dizer que falamos a mesma língua mas temos dois idiomas distintos; e no que se refere às questões jurídicas temos (Portugal e Brasil) sistemas cada vez mais diferentes e mais distantes, apesar da intensificação das relações entre os juristas dos dois países e entre as universidades.

Poderá parecer, por isso mesmo, uma ousadia que um advogado português, (apesar de uma inscrição na OAB que o qualifica como antigo) ouse entrar nesta seara, para falar numa coisa tão nova como é a EIRELI.

Parece-me, porém, muito interessante refletir sobre a matéria, à luz do que foi a experiência portuguesa.

No essencial, o estabelecimento individual de responsabilidade limitada, criado por aquele decreto-lei em Portugal, foi justificado pelo mesmo tipo de argumentos que agora conduziu à criação da EIRELI.

Os argumentos aduzidos contra as sociedades unipessoais (já então defendidas por muitos), são, no essencial, os mesmos que conduzem hoje à defesa da EIRELI ou às dúvidas sobre a sua utilidade para a solução dos problemas que se colocam ao comércio.

É muito interessante ler o extenso preâmbulo do decreto-lei 248/86, de 25 de agosto, onde todos esses argumentos se encontram expostos, suportados pela melhor doutrina.

Certo é que, em Portugal, o que não tinha lugar no novo Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo decreto-lei 262/86, de 2 de setembro do mesmo ano, porque se criara o EIRL, acabou por ser introduzido, com os mesmoa argumentos, a contrario sensu, pela reforma que lhe foi introduzida, dez anos depois, pelo decreto-lei 257/96, de 31 de dezembro, que introduziu profundas reformas no direito societário português.

Reconhecendo o fracasso do EIRL, o legislador criou essa coisa que, no princípio, fazia a todos os juristas uma enorme confusão – por parecer uma contradição nos seus próprios termos, que é a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada.

Um colega nosso chamou-lhe, logo na origem, uma sociedade hermafrodita, partindo para a ficção daquela ideia, que todos consolidamos durante anos, sociedade do marido com a mulher que não é, na maioria dos casos ficção menor.

Os argumentos em favor da lógica dos patrimônios autônomos ou da lógica societária estão todos brilhantemente expostos nos longos preâmbulos dos diplomas citados, pelo que me parece bem mais útil falar da prática e da experiência.

Enquanto os EIRL não tiveram qualquer sucesso, as sociedades unipessoais tiveram, aliás em toda a Europa, um sucesso enorme.

No fim de contas, o que se passou com esse fenómeno não foi mais do que dar cobertura legal a situações em que a sociedade existia, de fato e de direito, mas com um sócio totalitário que nela concentrava todos os interesses, fosse marido, fosse amigo, ou fosse parente do outro sócio.

A ficção não estava na unipessoalidade da sociedade, que existia com dois sócios, mas na própria sociedade de dois sócios, mas em que apenas um tinha interesses e agia para o seu desenvolvimento.

Se assim era, se assim é, porque não impor aos comerciantes individuais que atuem, como a lei lhes permite, como empresários individuais? Por que criar uma nova figura que parece uma contradição nos seus próprios termos?

O bom senso obriga-nos a uma resposta clara e inequívoca, marcada pela evolução dos tempos.

É para todos nós muito claro que o mercador de cuja pessoa se partir para a ficção da pessoa jurídica quase que acabou, sufocado por ela e pelas vantagens que as organizações societárias obtiveram nos mais variados domínios, nomeadamente no tributário e no da defesa dos patrimônios dos sócios.

Não há nenhuma razão de direito que justifique que quem, honradamente e na mesma base de respeito pelas mesmas leis que regem as sociedades, queira desenvolver um projeto, não possa alcançar os mesmos benefícios e as mesmas proteções.

Mesmo que seja um proletário, o único sócio da sociedade individual de responsabilidade limitada (ou da EIRELI) é proletário de si próprio, matando na sua própria casa a lógica marxista da exploração do homem pelo homem.

Toda a sociedade o olha de outra forma, até os bancos.

Sobretudo se estiver desempregado e esta solução quase mágica lhe permitir encontrar a solução para a sua vida.

Passando ao lado das questões teóricas que são importantes, mas que estão suficientemente esmiuçadas, parece-nos que o importante é que este novo instrumento possa servir para produzir riqueza, criar desenvolvimento e melhorar a justiça social, o que passa muito pela proteção do empreendorismo.

Penso que, sem prejuízo da existência de fracassos empresariais, como os há com qualquer tipo de sociedade, é esse o aspeto mais relevante do sucesso das sociedades unipessoais de responsabilidade limitada em Portugal.

Uma diferença de tomo existe, desde já, entre o regime brasileiro e o português: o capital social mínimo de uma EIRELI é de 54.500 reais (cerca de 25.000 €) enquanto o capital mínimo de uma sociedade unipessoal era de 5.000 € e passou a ser de apenas 1 €, a partir de março de 2011.

Não imagino quantos brasileiros terão R$ 54.500 para constituir uma EIRELI.

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*Advogado da banca Miguel Reis & Associados - Sociedade de Advogados (Portugal)





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