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Aquisição dominial por abandono do cônjuge

Aquele que abandonar o lar, deixando o cônjuge ou companheiro(a) na posse direta e exclusiva da moradia do casal, perderá a co-titularidade dominial do imóvel urbano em favor do outro, que ao cabo de dois anos da separação adquirirá o domínio integral do bem.

22/7/2011


Aquisição dominial por abandono do cônjuge

Jones Figueirêdo Alves*

Aquele que abandonar o lar, deixando o cônjuge ou companheiro(a) na posse direta e exclusiva da moradia do casal, perderá a co-titularidade dominial do imóvel urbano em favor do outro, que ao cabo de dois anos da separação adquirirá o domínio integral do bem.

Esta nova modalidade de usucapião é prevista pela inclusão do artigo 1.240-A no texto do Código Civil (clique aqui), introdução trazida pela recente lei 12.424, de 16 de junho passado (clique aqui).

Induvidoso que a separação põe termo ao regime de bens (art. 1.576, CC) e lícito aos nubentes, antes do casamento, pactuar quanto aos seus bens o que lhes aprouver (art. 1.639, CC), a nova figura jurídica estaria a expressar, em seus efeitos, uma penalidade patrimonial por quem abandone o lar. E, nesse contorno, uma nova leitura de culpa na ruptura do casamento (ou da união estável). Hipótese única e anterior de reversão dos bens do casal a um dos parceiros é aquela prevista no artigo 1.572 § 3º, CC.

Entretanto, cuide-se admitir, mais especificamente, que a novel disposição configura, em bom rigor, política legislativa assecuratória e equipotente de direito real de habitação (em favor daquele que permaneça na moradia), então somente deferido ao cônjuge sobrevivente, na forma do art. 1.831 do Código Civil.

No ponto, a ideia-força do novo instituto objetiva, em sua ratio essendi:

(i) garantir ao cônjuge o direito de continuar residindo no imóvel, "desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural", tal como sucede no art. 1.831, CC, que refere a único imóvel de natureza familiar a inventariar.

(ii) mais que isso, dele tornar-se único proprietário, a saber que o cônjuge desertor do lar, em exata medida, pode perder a propriedade pelo abandono, no equivalente do artigo 1.275, III, CC.

Vejamos o acréscimo trazido pela lei 12.424/11 (art. 9°), ao ditar o art. 1.240-A ao Código Civil:

"Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez".

Não há negar que a inovação tem repercussões significativas, de ordem social e jurídica, mas temperadas pelas circunstâncias contingentes ali tratadas. Nesse viés, padece a lei de severas contradições, de logo anotadas:

(i) o abandono do lar deve ser, conceitualmente, aquele referido pelo art. 1.573, IV, do novo Código Civil, previsto em prazo de um (01) ano contínuo. Logo, o prazo diferenciado de dois (02) anos ininterruptos e sem oposição, para efeito da prescrição aquisitiva do domínio integral apresenta-se em dobro, desconforme nos efeitos jurígenos do abandono já desenhados. Melhor teria sido a adequação ao dispositivo do mesmo Código Civil;

(ii) o abandono há de ser o voluntário e deliberado, espontâneo na assertiva de deserção do lar. Mais precisamente, abandono culposo. Do contrário, o cônjuge que deixasse o lar, por culpa do outro, seria penalizado. A esse caso, pontue-se a conveniência da prévia medida de separação de corpos, a não caracterizar o voluntário, mas o abandono forçoso.

(iii) a definição de imóvel urbano limita-se àquele de até 250m2, não parecendo certo, todavia, que a perda patrimonial não deva alcançar imóveis maiores, quando sejam os únicos imóveis residenciais. Quaisquer deles teria a qualidade natural de bem de família, devendo atender o cônjuge ou companheiro (abandonado) que ali permanecesse em moradia.

Bem de ver, porém, que as contradições substanciais da nova lei, diante de uma interpretação sistêmica do que já dispõe o novo Código Civil e em atual disciplina das relações de direito de família, haverão, por certo, de ser corrigidas pela dicção do direito a ser feita pelos tribunais. A jurisprudência dirá melhor.

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* Desembargador do TJ/PE, diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.

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