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O CNJ e a assistência privada à saúde

A assistência privada à saúde como uma liberdade constitucional – com modalidades contratuais e leis de regulamentação – é tema destacado por Marlo Russo a propósito da recomendação aprovada pelo CNJ no início do mês com o intuito de assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais. A discussão deverá proporcionar decisões mais justas, efetivas e menos passionais nessa área.

13/7/2011


O CNJ e a assistência privada à saúde

Marlo Russo*


Deve ser publicada até o final deste mês de julho a recomendação aprovada no dia 5/7 pelo CNJ (clique aqui). É um importante passo em direção a um debate mais justo, racional e elevado a respeito dos conflitos de interesses que surgem das relações mantidas entre consumidores e operadoras de planos de saúde, hoje marcados pela emotividade e pouca ciência.

A recomendação tem o mérito de reconhecer, e com isso alertar a todos, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada nos termos do artigo 199 da Constituição Federal. Além disso, relembra que os planos de saúde constituem forma contratual de assistência à saúde, regulamentada pela lei 9.656/98 (clique aqui).

Parece pouco e óbvio o que foi dito acima, mas na verdade é mais do que muitos conseguiram perceber até o momento, ou seja, que a prestação de assistência privada à saúde é uma liberdade constitucional; que os planos de saúde são uma modalidade contratual de assistência à saúde; e que há uma lei que regulamenta esse contrato.

Apesar da liberdade constitucional de atuação da iniciativa privada, da regulamentação pela lei 9.965/98 e da natureza contratual dos planos de saúde, há acórdãos que caminham no sentido de que as operadoras de planos de saúde devem proporcionar ao consumidor atendimento à semelhança do poder público, ou seja, atenção à saúde integral e igualitária, o que é um contrassenso, porque desrespeita os fundamentos da iniciativa privada e desconsidera que o seu financiamento é feito apenas pelos contratantes e não por toda a sociedade, como ocorre com o sistema público de saúde.

Por outro lado, embora a lei 9.656/98 tenha regulamentado esse segmento de assistência à saúde, há muitas decisões que solucionam demandas dessa área com base exclusivamente nas disposições do CDC (clique aqui), apesar de o artigo 35-G, da lei 9.656/98 afirmar, expressamente, que o CDC é de aplicação subsidiária.

A posição do consumidor, usuário de planos de saúde, é muito mais fácil de ser entendida do que a da operadora, pois somos todos consumidores. A recomendação do CNJ tem o mérito de estimular o Poder Judiciário a se instruir mais sobre a matéria que vai ser decidida, com apoio técnico de um comitê que ajude o magistrado a formar o juízo de valor a respeito de questões clínicas apresentadas pelas partes e através de manifestações da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, CFM – Conselho Federal de Medicina e CFO – Conselho Federal de Odontologia.

Hoje é uma constante o pedido judicial de tratamento experimental, cirurgias não reconhecidas e medicamentos e materiais não registrados na ANVISA. Como os processos envolvendo questões de saúde são sempre muito carregados de dores e emoções, vários procedimentos desse tipo, de alto custo, eficácia não comprovada e cuja exclusão contratual é expressamente autorizada pela lei 9.656/98, são deferidos às expensas das operadoras, sob o influxo da comiseração.

Decisões desse tipo aumentam a substituição da técnica médica pela caneta do magistrado e instigam o aumento da litigiosidade. Além disso, a concessão de procedimentos não previstos contratualmente, ou a utilização de hospitais particulares e outros serviços fora da rede credenciada causam prejuízos consideráveis às operadoras de planos de saúde, criam brechas que facilitam a atuação de aproveitadores e prejudicam os demais consumidores, pois, embora seja um contrato privado, essa é uma modalidade de índole social e não particular de atenção à saúde.

Com esse novo ato, o CNJ fomenta o debate e o estudo dos temas ligados à saúde, recomendando às escolas nacionais e estaduais de magistrados, que realizem estudos na área da saúde, congregando magistrados, membros do MP e operadoras de planos de saúde.

Certamente haverá resistências, pois toda mudança traz desconfortos, mas a compreensão do que é o plano de saúde, da sua natureza contratual e contraprestacional, dos imperativos de ordem econômica, dos limites de cobertura e das diretrizes médicas de utilização certamente vai evoluir.

A recomendação em comento, que tem o fim declarado de assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde suplementar, contou com o trabalho judicioso do Conselheiro Milton Nobre, que ocupou a relatoria, e dos Conselheiros Marcelo Nobre e Nelson Tomaz Braga, membros do Fórum Nacional da Saúde, criado pelo CNJ.

É de se desejar que as discussões induzidas pela novel resolução realmente criem condições para um debate maduro, técnico e mais elaborado sobre a assistência privada à saúde por intermédio de planos de saúde, que proporcione decisões mais justas, efetivas e menos passionais, nessa área.

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*Advogado do escritório Marlo Russo e Gouvêa Advogados Associados





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