Migalhas de Peso

Autoridades

Reparando bem, o dia anda repleto de autoridades. O cara que raspou a cabeça e veste um terno preto e que esconde os olhos por trás das lentes escuras de um par de óculos, repara o ar arrogante dele, é autoridade.

6/7/2011


Autoridades

Edson Vidigal*

Reparando bem, o dia anda repleto de autoridades.

O cara que raspou a cabeça e veste um terno preto e que esconde os olhos por trás das lentes escuras de um par de óculos, repara o ar arrogante dele, é autoridade.

Chega a ser engraçado. A autoridade das portas dos restaurantes, dos shoppings, dos supermercados e de por aí afora onde há movimentos de gente, serve para enxotar mendigos, espantar meninos de rua e se há uma brecha ainda dá bronca em algum transeunte. Por nada.

Nada tenho contra os que exercem esse oficio. Não canso de louvar a todos que trabalham.

Parecer medonho que nem o guarda que parece sentir prazer em dar bronca em motorista no transito e, ainda por cima, produzir multas unilaterais, faz parte do show do segurança.

Agora, vejo um carro se aproximando da calçada onde desembarcam os passageiros e vejo um guarda, de repente, parecendo sair do nada, franzindo os músculos do rosto, em direção ao motorista.

O guarda é autoridade. Ele manda o motorista seguir em frente, não pode estacionar. O motorista pondera que o passageiro tem que desembarcar ali porque é por ali que há anos todos desembarcam. Mas não pode, decreta o guarda como se flutuasse um pouco acima do chão.

Noto no motorista o seu ar sofrido de quem humilhado trava na garganta uma reação talvez inimaginável. Ele está em desvantagem porque os guardas agora são dois. Ver de perto aquilo me revolta. O meu anjo da guarda me segura forte para eu não me envolver.

Àquela altura, um guarda anota a placa do carro e outro pede os documentos do motorista. O transito naquela altura da calçada do aeroporto vai congestionando, começam as buzinas, a tensão entra no clima, um revólver balança na cintura de cada guarda. De cada guarda, não. Um revólver balança na cintura de cada autoridade.

O motorista, coitado, está ali ganhando a vida com o seu trabalho. Os guardas também, coitados, estão ali ganhando a vida com o seu trabalho. O motorista é cidadão. Os guardas são autoridades. Eles pensam que são.

Os três ganham a vida perigosamente. Quantos taxistas não são assaltados a todo instante no País? Quando pára e abre a porta a um passageiro o taxista nunca sabe se aquela pessoa tem um destino certo e ordeiro e se vai mesmo lhe pagar a corrida ou se vai é lhe assaltar.

Tenho ouvido muitos depoimentos de taxistas vítimas de assaltos. Histórias tristes de voltarem para casa à noite sem um tostão do que apuraram durante o dia inteiro no trabalho. Os taxistas, nem todos, são autoridade.

Sim, porque tem também aqueles que assomam de um ar de autoridade quando o passageiro desconfiado questiona o itinerário ou se reclama do cinto de segurança que, no banco de trás, quase sempre não funciona.

O policial também tem família, trabalha duro no seu oficio e muitos são atacados, baleados por bandidos, alguns nem voltam para casa. Morrem em serviço.

O ideal seria se todos nós, cada um no seu serviço, mandando para outro lugar as tentações autoritárias, buscássemos apenas a cidadania e, assim, iguais pudéssemos entregar às horas dos dias respeito aos outros, cordialidade, colaboração, solidariedade, afetividade e coesão.

E em assim sendo festejarmos a vida mais confiadamente sem o autoritarismo das autoridades.

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*Ex-presidente do STJ e professor de Direito da UFMA

 

 

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