Temp(l)o é dinheiro
Regis Fernandes de Oliveira*
Desnecessária a análise detalhada da existência de diversas vidas, da migração de almas, da transmigração, do inferno e céu, de purgatório, etc. São detalhes inadmissíveis em artigo. Indagações válidas, mas descabidas neste âmbito.
Provenha de qualquer origem, a religião tenta coordenar o sentido espiritual do homem. É mais crível a tese de que provenha do medo (Max Nordau). Mas, também não é este o enfoque que se pretende dar. O que importa é que o homem, seja pelo ambiente em que vive, seja por convicção, seja por fé ou por ilusão, adere a uma das religiões existentes e com ela passa a conviver, ali buscando calma, segurança, recuperação de pecados passados, etc.
O homem não nasce religioso. É fruto do ambiente em que vive. Se de pais católicos, adota tal religião, até conhecer outra. Dela se desapega, seja porque passou a crer em outra pelo casamento ou por curso que lhe ensina coisas diversas. Torna-se crente, judeu ou muçulmano, xintoísta, budista, etc., dependendo do que acontecer em sua vida.
No entanto, o homem não nasce religioso. Adota a de seus pais ou de seus amigos, ainda que seja para ter uma, quando perguntado.
A religião, normalmente, não é auto-reflexiva, isto é, não é do ser consigo próprio. Embora seja acontecimento íntimo, de diálogo com o divino ou com o demônio, em verdade, é fato que se passa na privacidade. Ocorre que um de seus aspectos é a pregação, é a divulgação dos conhecimentos para convencimento dos outros e trazê-los para a mesma fé, tornando-se irmãos em crença. Daí a noção de pescador e do anel de Pedro.
Como há necessidade de reunir os fiéis em algum lugar e, modernamente, urge a divulgação em massa dos ensinamentos religiosos, para convencimento dos crentes, impõem-se não só amplos lugares para que se possa orar ou rezar ou, então, meios eletrônicos de captação da freguesia.
Toda a história é de violência, em contrário a tudo que foi pregado. Normalmente, quando se fala em religião, os adjetivos que surgem são o amor, a perseverança, o dedicar-se ao outro, o carinho, o dar-se. Nunca se fala em grandes templos e prédios luxuosos, como são os da igreja católica (Vaticano e imensas igrejas em todo mundo, cravejados em pedras preciosas e revestidos de ouro, mesmo em regiões absolutamente pobres e carentes).
Para sustentar todo o luxo e toda pompa, há indícios de que a Bíblia (parte dela é comum a algumas religiões e aceitas por outras) assegure o que se rotula de dízimo. O dízimo é a décima parte de tudo que ganha a pessoa. É doação que deve ser feita ao templo para manutenção de sacerdotes e levitas. Hoje, é cobrança para manutenção da parafernália de divulgação utilizada pelas igrejas, especialmente a evangélica.
Quando se admite, na Bíblia, a cobrança de alguma coisa ou do dízimo, deve destinar-se para a manutenção dos templos, da divulgação da doutrina, da ampliação de estabelecimentos próprios, etc. Jamais pode significar o entesouramento dos dirigentes, seu enriquecimento, sua ostentação com casas maravilhosas, carros último tipo, roupas de grife.
Quando o Cristo veio a terra, foi para redimir pecados e dar exemplo de humildade e simplicidade, ao lado da retidão de caráter. Trouxe exemplo maravilhoso de amor ao próximo, de caridade, de bondade, etc. Jamais recebeu um real para sua pregação, nem morou em palácios suntuosos. Ao contrário, sempre pregou simplicidade e despojamento de tudo que fosse material. Aliás, até recomendou que os que o seguissem, desfizessem-se de seus bens.
Curiosamente, no mundo de hoje, os pregadores, de forma geral, gostam de ostentar riqueza, calcados em livro de Max Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismo). Sustentam que Jesus não rejeitou a riqueza; ao contrário, tê-la-ia estimulado, como forma de comprovação de sucesso pessoal e de ter recebido bênçãos dos céus.
É verdade que na vida humana há raciocínio para qualquer coisa. Diz-se que em direito há remédio até para calo. Na religião, basta o esquecimento de partes da Bíblia (aquelas cuja leitura não interessa – homicídios, estupros, incesto, etc), para que tudo transpareça lindo. A história não é linda ou feia; ela é real. Há alguns que só lêem o pentateuco (torá); outros lêem tudo; outros eliminam os textos apócrifos. Enfim, cada um vê a fé de seu jeito.
O que não se pode negar é que a religião é espírito. Se é assim, como recusar os cultos afros? Ou mesmo manifestações sincretistas de religiosidade mesclada? Dar nomes diversos às mesmas coisas é importante?
O que em verdade impressiona é a cobrança do dízimo para a sustentação de vidas de marajá, de carrões maravilhosos, de luxo inadmissível em quem prega coisas da alma.
O mais curioso de tudo é que há igrejas mais modernas que começam a pregar a redução do dízimo, isto é, não mais os dez por cento, mas oito, sete ou seis por cento, barateando, assim, o custo da igreja e apaziguando a consciência do fiel. Este, num mundo globalizado e competitivo, muda de igreja, uma vez que, pagando menos, pode conseguir as mesmas coisas, ou seja, sua paz interna.
A religião é uma das dimensões do homem. Logo, seja por que causa for (comportamento social, medo, fé, etc.), o homem apega-se ao desconhecido para confortar-se diante de problemas que tem diariamente. A busca a um símbolo, a um totem, a ângulos mágicos, dá-lhe conforto para suportar o dia a dia e imputa às forças da natureza ou sobrenaturais todas as coisas que com ele acontecem. Daí nascer a busca por algo que não conhece e que não domina.
Entende-se tudo isto como aceitável do ponto de vista humano e social. O difícil de aceitar é a concorrência que agora se instaura entre pregadores que diminuem o dízimo para arregimentação de fiéis.
Negocia-se tudo nesta pobre terra carente de religiosidade. Até o dízimo já é objeto de redução. São sinais dos tempos.
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*Advogado, professor titular da USP e sócio do escritório Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados
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