Migalhas de Peso

Ideologia horizontal

O Tribunal Superior Eleitoral, a partir de interpretação da legislação eleitoral brasileira, instituiu a chamada verticalização das alianças eleitorais.

30/6/2005

Ideologia horizontal
Wilson Silveira*


O Tribunal Superior Eleitoral, a partir de interpretação da legislação eleitoral brasileira, instituiu a chamada verticalização das alianças eleitorais.

A verticalização implica que um partido que faça parte de uma determinada coligação para a Presidência da República não possa participar de uma coligação diferente na disputa de um governo estadual, por exemplo.

Trocando em miúdos, a verticalização significa que um determinado partido político que venha a participar, por exemplo, de uma coalizão de apoio à reeleição do presidente Lula não poderá participar de outra coalizão nos Estados em que tenha um candidato de oposição ao candidato do PT.

Mais miudinho ainda, a verticalização significa que o PMDB do Sarney, que apoia o Lula do PT à presidência, não pode apoiar o PSDB do Fernando Henrique para o governo de São Paulo e, concomitantemente, o PDT do falecido Brizola para o governo do Rio de Janeiro, ou o PFL do ACM nos Estados, ou o PV municipal.

E não pode, em primeiro lugar porque é lógico que não possa, em segundo, terceiro e outros lugares porque tais alianças são obscenas, incestuosas e indecentes. E porque, de uma maneira geral, confundem o já confundido eleitor, permitindo as abjetas alianças políticas que estamos cansados de assistir.

E porque, finalmente, por abolir a idéia da necessidade de um mínimo de ideologia e coerência a justificar a existência dos partidos políticos.

Ideologia, segundo Aurélio, é o sistema de idéias dogmaticamente organizado como um instrumento de luta política.

Filosoficamente, ideologia seria o conjunto articulado de idéias, valores, opiniões, crenças etc, que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo social, como um partido político, por exemplo, seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus portadores.

Mas, como no Brasil os partidos políticos não trabalham com idéias próprias, crenças intimas e, muito menos com valores determinados, mas apenas com opiniões sobre quem deve influir nessa ou naquela estatal, quem deve acumular esse ou aquele cargo, quem deve se aproveitar dessa ou daquela situação, ideologia é artigo raro na política brasileira. E politico com alguma ideologia, certamente é algo em extinção, se é que ainda exista algum.

Pois bem, insatisfeitos com a tal verticalização das alianças, que teria como efeito impor alguma decência, decoro, compostura e, até pudor nos “negócios” entre os partidos, já que seria muito mencionar a necessidade de correção moral, nossos políticos acabam de votar a Emenda Constitucional nº 548/02, que põe fim à chamada verticalização.

Ainda ontem, em entrevista à rádio CBN, o deputado Pauderney Avelino (Pauderney?) dizia, orgulhosamente ao repórter que a “vontade da casa (referindo-se ao Congresso) era contra a verticalização”. E, ainda, que isso era de interesse do Governo, mas que fora, em boa hora, rejeitado pela “casa”. Note-se que não existe qualquer referência ao interesse do eleitorado, dos cidadãos.

Já o José Genoino, em artigo de abril deste ano, após afirmar que quando foi instituida a verticalização das alianças, nas eleições gerais de 1998, posicionou-se contra o instituto, reconhece a necessidade de “fortalecimento dos partidos políticos, visando torná-los organismos representativos efetivos do eleitorado, definindo uma maior coerência programática e induzindo à formação de maiorias políticas estáveis, capazes de sustentar a governabilidade a partir de propostas e diretrizes programáticas e não a partir da mera ocupação de espaços num governo”.

No entanto, as recentes denúncias que abriram a caixa de Pandora e esparramaram esse mar de lama em que chafurda a classe política brasileira, é prova bastante de que o que se diz não é o que se faz, já que o próprio articulista e seu partido são o epicentro dos acontecimentos, os quais se referem, únicamente, à ocupação de cargos públicos, ou seja, diretorias nas Estatais.

Então, era exatamente para isso a verticalização das alianças! Para impedir que os políticos, habituados à falsidade ideológica e ao engodo dos eleitores, dos quais se servem apenas como massa de manobra, pudessem confundir ainda mais o cidadão eleitor, convertendo as eleições e os eleitos nisso que se vê.

A verticalização das alianças obrigaria, ainda que de maneira insuficiente, a uma certa ideologia ou, na pior das hipóteses, a uma certa coerência política, artigo em falta na política brasileira, ou, ao menos, a um pouco de decência.

Mas, como sempre acontece, venceu de novo o fisiologismo pragmático (ou programático?) dos políticos, que poderão continuar a estabelecer as espúrias alianças a que estão acostumados, hábeis a afetar e influenciar a governabilidade do país, na busca obstinada de ganhos e vantagens pessoais, ao invés de ter em vista, como deveriam, o interesse público.

Todos em uníssono com o Pauderney: “tudo como dantes no quartel de Abrantes”...

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*Diretor da CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL e advogado do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados Advogados









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