O Supremo pede desculpas?
Cássio Roberto dos Santos Andrade*
Mas nada lhe deve dar mais prazer do que rir do Judiciário, que o condenou a 278 anos de cadeia, mas o deixou livre no tempo suficiente para fugir. A completar a total felicidade, a Justiça desbloqueou seus bens, garantindo-lhe uma vida de prazeres sem fim. Quando a prisão de Roger foi restabelecida, já era tarde.
Por muito menos, não foi assim nos Estados Unidos. Dominique Strauss-Kahn era o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. Estava nos Estados Unidos preparando-se para retornar à França. Dominique deixa o hotel e se dirige ao aeroporto. Embarca na primeira classe, pede um uísque. Ele não vai degustar a bebida.
Após 180 minutos em que havia deixado o hotel, Monsieur Strauss-Kahn é retirado do avião, algemado e preso sob a acusação de ter molestado uma camareira. A liberdade provisória lhe é concedida sob condições: 6 milhões de dólares em garantias; empresa de segurança responsável em vigiá-lo; tornozeleira eletrônica para acompanhar seus passos.
O Dr. Roger foi condenado por crimes sexuais cometidos contra 39 pessoas anestesiadas, indefesas. A não bastar o horror dessa história, na sua luxuosa clínica de reprodução humana, o médico misturava material genético, de maneira irresponsável e amoral, para alcançar a popularidade vinda do recorde de fertilizações. O DNA dos pacientes se espalhou, sem lenço nem documento, nos corpos e almas daquelas mulheres que, enlouquecidas de amor e esperança, lutavam pelo sonho de ser mãe. Hoje, milhares de crianças, cujo nascimento se deu por intervenção do especialista, têm dúvidas sobre quem são os seus pais biológicos.
É um triste momento para a nação ver como o poder público protege os filhos deste país. A história da humanidade mudou desde que os gritos da Revolução Francesa ecoaram no mundo ocidental. Uma nova ordem emergiu, na qual o poder deve satisfações ao cidadão. Se o Supremo revogou a liminar, ela fora concedida corretamente? A Justiça falhou ao aplicar a lei tardiamente e sem eficácia? Cabe indenização pelo mau funcionamento do serviço público? O Juiz que não desempenha satisfatoriamente o seu trabalho pode ser afastado sem remuneração?
O que aconteceria a Dominique Strauss-Kahn se estivesse no Brasil? Qual seria o destino de Abdelmassih se tivesse cometido, nos Estados Unidos, as barbaridades que fez aqui? O valor da mulher brasileira é inferior à dignidade da americana? O Judiciário deve dar explicações ao contribuinte que paga as altas contas de sua manutenção?
No recente julgamento do jornalista Pimenta Neves, a ministra Ellen Gracie disse que era extremamente difícil explicar, no exterior, como um réu confesso de assassinato estava solto havia 11 anos, aguardando o trânsito em julgado de sua condenação. Mas não seria ao povo brasileiro que o Judiciário deveria dar explicações? Parece que não. Numa inversão de valores, o Supremo se preocupa em pedir desculpas apenas no estrangeiro; ao subserviente povo brasileiro cabe apenas pagar a conta. Calado.
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*Procurador do Estado de Minas Gerais e professor de graduação e pós-graduação do curso de Direito do UNI-BH
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