A nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas:
Flávio Henrique de Magalhães Paulino*
Os efeitos da entrada em vigor da nova legislação foram imediatos. Cadernos econômicos dos principais jornais, que antes traziam, diariamente, longa lista de empresas que haviam tido sua falência solicitada, indicam sensível redução no número de pedidos formulados às duas Varas especializadas em falência da capital paulista. E não seria possível alegar simples coincidência, vez que tal conseqüência, com a entrada em vigor da nova legislação, já vinha sendo prevista por muitos estudiosos.
Não é, todavia, intenção do presente escrito manter a linha de todos os autores, no sentido de tecer elogios ou críticas – estas bem poucas, é verdade – à Lei n° 11.101/2005, pois quer nos parecer que estamos muito bem providos neste contexto.
Objetivamos tão somente chamar a atenção para um aspecto da nova lei que vem despertando a curiosidade de muitos, qual seja: o modo como será de fato conduzido o processo de falência, principalmente no tocante à alienação do ativo da falida.
Vale aqui ressaltar que Varas especializadas no assunto foram “inovações” extraordinárias e sem dúvida trarão maior segurança ao sistema jurídico. Mas a atuação de seus componentes deverá ser cautelosa e precisa, sob pena de colocar em risco a eficiência econômica, na qual está inserida a nova lei de falências.
Para se ter em mente a conseqüência de decisões no âmbito da nova legislação, que dependerão diretamente da cautela e previsão dos julgadores, analisemos o seguinte fato hipotético, que tem chamado a atenção dos especialistas da área: em um determinado setor da economia, dominado por quatro empresas concorrentes, que, apesar de venderem seus produtos em todo o território nacional, possuem áreas de atuação bem definidas.
A empresa com atuação na região sul tem sua falência decretada. O Juiz, de modo a evitar o risco do desemprego, decorrente da interrupção das atividades da empresa, autoriza a alienação, em bloco, por qualquer das modalidades previstas no artigo 142 da nova Lei, dos ativos que compõem seus estabelecimentos.
Apresenta-se como único comprador uma das empresas concorrentes, com atuação na região sudeste. Em princípio, não restará ao Juiz outra alternativa, a não ser autorizar a alienação, sob pena de interrupção das atividades da falida, com perda, para os empregados desta, de seus postos de trabalho.
Assim, a adquirente deterá fatia suficiente do mercado para impor suas regras, comandar a evolução de preços. Ocorrerá, como conseqüência, a perda da concorrência saudável que havia anteriormente, pondo em risco, inclusive, a manutenção das atividades das outras empresas do setor.
Qualquer recurso ao CADE, por parte das demais empresas do setor dificilmente poderia vir a obter êxito, vez que a decisão terá sido proferida pelo Poder Judiciário, ao qual cabe a atribuição de aplicar a lei. Por outro lado, também o Ministério Público não poderá recorrer ao CADE, visto que a decisão proferida terá se baseado, inclusive, no pronunciamento de referido órgão.
O fato é, sem dúvida, hipotético, mas possível de ocorrer. Daí ser difícil o dilema do Poder Judiciário, ou permite a implantação, no setor, de um monopólio, ou, impedindo a alienação, provoca o fechamento de diversos postos de trabalho. Por isso, esperamos sejam as Varas especializadas, criadas para atuação em questões de falências, dotadas de magistrados com conhecimentos em economia de mercado para, com suas decisões, encontrarem equilíbrio entre o risco de eventual monopólio e a manutenção dos postos de trabalho.
Fica a expectativa de que nossos Magistrados e membros do Ministério Público cuidem para que a Lei de Falências e Recuperação de Empresas, que ora vem à luz em nosso sistema jurídico, trazendo inovações positivas, tornem efetivo o conteúdo social da nova legislação, sem, contudo, esquecer de sua função econômica.
A expectativa se materializa de forma objetiva nas palavras do Juiz Francisco Meton Marques Lima, do TRT do Piauí, extraídas do “Suplemento Trabalhista LTr”, 2005, ANO 41, n° 013/02, pág 49, para quem: “A Lei é mais inteligente que seu autor. Na verdade, os efeitos de um ato legislativo são imprevisíveis. Muitas vezes vai aonde o legislador não projetou, nem sequer cogitou. E aí é que dá a verdadeira novidade. Por outro lado, a eficácia da lei está na atuação do juiz. Não adianta leis boas nas mãos de juízes despreparados e/ou insensíveis”.
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*Advogado do escritório Suchodolski Advogados Associados
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