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Crise da oposição

Quer dizer que a oposição no Brasil está desarmada e desmotivada como nunca antes nesse país? Formou-se o consenso de que a oposição brasileira entrou em coma, que está prostrada e inerte, "sem bandeira nem discurso". Tudo isso é verdade. Agora, eu gostaria de saber em que país do mundo a oposição está levando vantagem sobre o governo, ou pelo menos empatada com ele.

5/5/2011

Crise da oposição

Gilberto de Mello Kujawski*

Quer dizer que a oposição no Brasil está desarmada e desmotivada como nunca antes nesse país? Formou-se o consenso de que a oposição brasileira entrou em coma, que está prostrada e inerte, "sem bandeira nem discurso". O PSDB, depois de três derrotas sucessivas nas eleições presidenciais, perdeu o rumo, dividiu-se e fragilizou-se, sem liderança à vista. O DEM despersonalizou-se e fragmentou-se. O PT ficou senhor da situação, e conquista cada vez mais espaço, tendendo a transformar-se em partido único. Em suma, a oposição regrediu, anulou-se e entregou todo o território ao inimigo.

Tudo isso é verdade. Agora, eu gostaria de saber em que país do mundo a oposição está levando vantagem sobre o governo, ou pelo menos empatada com ele. O caso pior são os Estados Unidos. As eleições americanas estão chegando e Obama não tem ainda um opositor de verdade. Os políticos republicanos que se apresentam como possíveis candidatos são figuras de um ridículo atroz, impossíveis de serem levadas a sério. Na França, a principal opositora a Sarkozy é uma representante da extrema direita, filha daquele famigerado Le Pen. Na Espanha, nem a crise econômica enseja ocasião de projetar em cena um oponente à altura de Zapatero, o que não seria tão difícil. Na Argentina, a viúva Kirschner, herdeira do peronismo, está com todas as cartas na mão. Na Itália ninguém tem peito para enfrentar o histrionismo pornográfico de Berlusconi, o rei dos bufões. Na Rússia, aquele loirinho egresso da KGB, Putin, sabe como manejar os cordéis do poder para neutralizar qualquer veleidade contra seu protegido no comando do governo, Medvedev. E na China, haverá oposição na China? A resposta é sim, mas, infelizmente, os agentes da oposição na China estão todos encarcerados, ou mortos. Assim como em Cuba.

Somente nos países árabes, naquelas ditaduras encarquilhadas da Tunísia e do Egito, a oposição leva vantagem, derrubando governos jurássicos (e não sabendo o que fazer para reorganizar os respectivos países).

Já nas democracias do Ocidente qualquer esboço de oposição assume ou a feição caricata que toma nos USA, ou então os rompantes da extrema direita, como na França de Sarkozy, ou na Alemanha de Ângela Merkel às voltas com alguns esporádicos coices e arrotos nazistas.

Conclusão: a crise da oposição não é privilégio brasileiro. A oposição está em crise em todos os países, englobando a totalidade dos países democráticos. Fenômeno muito estranho, que levanta a suspeita de que se trata de crise mais radical e mais profunda. O buraco está mais embaixo. Onde? Talvez na própria política. O jogo político exige a polaridade governo X oposição. A política é a balança na qual os pesos contrapostos se equilibram. Mas por vezes ocorre o desequilíbrio. Ou a oposição pesa demais, e o governo se enfraquece, ou é o peso do governo que prepondera de forma exagerada e a oposição se encolhe, ressabiada.

Estamos nesta última situação. A oposição fracassa porque o espaço político está ocupado pelo governo, e um governo aprovado pela maioria da sociedade por sua eficácia. Eficácia? Eis que aqui salta a raposa. A eficácia do governo nunca é completa em lugar algum, e muito menos nos países como o Brasil. O governo petista foi eficaz na parte econômica e social, no que continuou o governo anterior, mas falhou de forma gritante em outros setores, como segurança, educação, saúde, e infraestrutura em geral, energia, rodovias, ferrovias, navegação, portos e aeroportos.

Sem o concurso do mercado, da iniciativa privada, o governo petista jamais dará conta do recado, ainda mais levando em conta a urgência imposta pela Copa e as Olimpíadas. Agora, os petistas capitulam, pedindo socorro à iniciativa privada para tocar as obras dos principais aeroportos, paralisadas por falta de recurso.

Nem tudo está perdido para a oposição. É inserindo-se nas muitas brechas da eficácia governamental que a oposição terá apoio para levantar-se e preparar o salto para o futuro, restabelecendo entre nós a sanidade do jogo político democrático, com o equilíbrio que nos falta entre os pólos do poder e da oposição.

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*Ex-promotor de Justiça. Escritor e jornalista



 

 

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