Reincidência, condenação anterior e hipossuficiência: questionamentos à efetivação da fiança policial
André Luís Luengo*
João Paulino da Silva**
Inicialmente é imprescindível enaltecer a proeminência do ordenamento adjetivo criminal em nosso sistema punitivo. Por meio do Processo Penal o Estado instrumentaliza a justa persecução penal.
Assim, este artigo busca altear as formalidades essenciais entre o delito e o seu provável agente causador. Acaso não haja a obediência às garantias instituídas, ao invés de persecução sobrepujaremos uma perseguição, ou seja, um tratamento injusto e cruel infligido com encarniçamento.
Por isso que o Processo Penal não pode ser considerado como instrumento estigmatizante e nocivo à dignidade humana, mesmo quando se leva em conta a máxima de ser o Direito Penal a ultima ratio.
Palmilhando, pois, a estrada pavimentada pela garantia constitucional do devido processo legal e sinalizada pelo Estado Democrático de Direito, percorremos as paisagens simbólicas do Inquérito Policial, Ação Penal, Provas, Prisões, Liberdades, Atos Processuais, Sentença e os seus pertinentes Recursos e chegamos a zênite da Prisão Penal ou Liberdade Definitiva.
Assim, demonstrada a notabilidade do Processo penal, este artigo apreciará, dentre outros assuntos, a matéria da liberdade provisória com fiança apresentada como benesse ao autor da infração penal.
Para tanto começaremos por verificar as expressões legais que impedem a concessão da fiança, para depois analisarmos a sua própria natureza como caução liberatória e as eventuais mudanças a serem implementadas no Código de Processo Penal.
2. Reincidência e condenação anterior
A etimologia da palavra reincidência revela o ato ou efeito de reincidir; obstinação, pertinácia, teimosia.
O nosso ordenamento substantivo criminal, em seu art. 63, define o que é reincidência nos seguintes termos: "Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior" (BRASIL, Decreto-lei n.º 2.848/1940. 39ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.61).
Para o efeito da reincidência é indispensável que o agente tenha cometido anteriormente um crime, e mais, que também haja a condenação anterior por esse crime.
Nesse sentido é a lição dos doutrinadores, como a lecionada em Comentários ao Código Penal (COSTA JUNIOR, Paulo José da, 2000, pág. 212/213):
"Significado da reincidência. Aquele que volta a delinquir, após ter sofrido uma condenação anterior, revela "obstinado desprezo pela lei e pelo magistrado". De fato, "a pessoa que, já condenada por crime, volta a praticar outro, ofende gravemente à autoridade da lei e ao prestígio do Estado". Justifica-se a exacerbação da pena, pelo maior alarme social, pois no novo episódio delinquencial vem a ser negada a autoridade e a organização do Estado, representadas pela advertência e pela força ético-jurídica da condenação proferida pelo Poder Judiciário. Ademais, a condenação anterior incide sobre o desvalor da nova ação criminosa, dando-lhe uma fisionomia particular que a enriquece com um índice de maggiore malvagità. A ratio da maior gravidade da reincidência está na relação psicológica menos valorativa entre a conduta subsequente e a condenação anterior, alicerçando-se na insensibilidade do agente à emenda e à reeducação. "Realmente, aquele que delinque pela segunda vez, sem que tenha sido castigado pela sua primeira falta, evidencia um desprezo pela lei e nada mais. Aquele que delinque depois de ter sido condenado mostra o desprezo pela lei e o desprezo pelo magistrado". O elemento psicológico da reincidência acha-se consubstanciado na rebelião à lei, consiste "em não ter o agente dominado o impulso criminoso, embora achando-se em melhores condições que os demais para fazê-lo".
O legislador ainda a definiu como uma causa de agravante genérica, Inciso I, do art. 61 do mesmo Codex, com caráter eminentemente subjetivo, incomunicável aos eventuais partícipes ou co-autores, conforme a previsão contida no art. 30: "Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". (BRASIL, Decreto-lei n.º 2.848/1940. 39ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 51 e 60).
A sua qualidade de circunstancia agravante apresenta uma significativa reflexão em várias situações jurídicas açambarcadas na seara penal, conforme preconizam os dispositivos: influi na dosimetria do magistrado quando do cálculo da fixação da pena (art. 59, CP – clique aqui); prepondera no concurso de circunstâncias agravantes (art. 67, CP); obstaculiza a concessão da suspensão condicional da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito ou multa, na hipótese de crime doloso (art. 44, II; art. 60, § 2.º e art. 77, I, todos do CP); acaso a conduta seja dolosa, altera para mais o prazo de cumprimento da pena na obtenção do livramento condicional (art. 93, II, CP); impede nos delitos apenados com reclusão que o regime inicial de cumprimento da pena se inicie no aberto ou semi-aberto (art. 33, § 2º, "b" e "c", CP); gera a revogação obrigatória do sursis na condenação por crime doloso (art. 91, I, CP) e pode ocasionar (facultativo) a revogação na hipótese de condenação por crime culposo ou por contravenção (art. 91, § 1.º, CP); causa a revogação obrigatória do livramento condicional, sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade (art. 96, CP) ou poderá revogar essa benesse quando do cometimento de crime ou contravenção acaso o preceito secundário não preveja a imposição de pena privativa de liberdade (art. 97, CP); revoga a reabilitação quando sobrevier condenação a pena que não seja de multa (art. 95, CP); aumenta em um terço o prazo prescricional da pretensão executória (art. 110, caput, CP); é causa de interrupção do prazo prescricional (art. 117, VI, CP) e dificulta o reconhecimento de algumas causas da diminuição de pena (furto privilegiado, art. 155, § 2º, CP; apropriação indébita privilegiada, art. 170, CP; estelionato privilegiado, art. 171, § 1º, CP) e, por fim, o assunto que é o tema deste trabalho, a discussão quanto a não concessão da fiança, conforme consta no art. 323, III, CPP (clique aqui): "nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado". (BRASIL, Decreto-lei n.º 3.689/1941. 4ª Ed. São Paulo: RT, 1999, p. 181).
O entendimento considera que a caracterização da reincidência não ocorre pela reles juntada da pesquisa criminal do investigado aos autos do Inquérito Policial ou mesmo da juntada da folha de antecedentes do réu ao processo. Faz-se imperioso que haja mais do que simples pesquisas para a sua exteriorização.
Na obra Lições de Direito Penal: parte geral (FRAGOSO, Heleno Claudio, 2004, pág. 415), o autor ressalta que não há a exigência do cumprimento da condenação anterior para a caracterização da reincidência. Citando Carrara, classifica a reincidência em verdadeira e ficta. Aquela decorrente do efetivo cumprimento da pena imposta ao réu e esta, em virtude apenas da condenação, mesmo que não tenha havido a metanoia da punição.
A distinção entre os ontológicos delitos cometidos antes e depois não deve ser levada em conta, conforme exaltam os autores da obra Manual de Direito Penal Brasileiro (ZAFARONI, Raul; PIERANGELI, José Henrique, 2002, pág. 842), pois para a lei não deve haver a diferença se eles foram dolosos ou culposos.
Então, a reincidência não se confunde com o instituto da reabilitação. Esta não extingue a condenação anterior para a aplicação daquela. Além do que, a reincidência pode revogar a reabilitação.
O comentário dispensado por Nucci acerca do assunto, na obra Código de Processo Penal Comentado (NUCCI, Guilherme de Souza, 2008, pág. 623) é:
"Reincidência: trata-se de uma hipótese especial de reincidência, voltada exclusivamente para os delitos dolosos. O art. 63 do Código Penal preceitua ser reincidente aquele que torna a cometer novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que o tiver condenado por crime anterior, no Brasil ou no exterior. Portanto, é possível considerar reincidente quem comete delito culposo antes e, em seguida à condenação definitiva, pratica um crime doloso – e vice-versa. Para efeito de proibição da fiança, no entanto, somente se leva em conta a prática reiterada de delito doloso, não envolvendo nem mesmo a contravenção penal. Deixa de ser levado em consideração, ainda, os eventuais maus antecedentes que possua".
Porém, o autor não oportuniza o seu necessário comentário fomentando-nos com a diferença ontológica entre o que sejam reincidência e condenação anterior por crime doloso, na contextura da fixação ou não de fiança àqueles que tenham condenação anterior por dolo ocorrida há mais de 5 anos.
O fato é que a reincidência hoje expiada apresenta-se desmesurável em vantagens daquela apresentada no início do nosso atual ordenamento substantivo criminal. Atualmente esse instituto é invariavelmente temporário e com isto mais tenro.
No Manual de Direito Penal, parte geral (MESTIERI, João, 2002, pág. 286), o autor define que este caráter temporário torna a primariedade algo que pode ser readquirido.
Na lição do Curso de Direito Penal (CAPEZ, Fernando, 2001, pág. 461) o autor visualiza a perda da eficácia da condenação anterior para os fins da reincidência quando ocorre o decurso do lapso temporal.
Então, demonstrado está que a reincidência tem prazo de validade. Decorrido o quinquídio previsto no art. 64, I, do CP e caso haja a pratica de nova conduta criminosa, não é mais possível ressurgir a reincidência.
Porém, mesmo com esse avanço o instituto da reincidência tem sido rechaçado no atual Estado Democrático de Direito, por ser considerado como uma técnica punitiva que criminaliza a interioridade do agente - a sua identidade subjetiva, pelo fato de privilegiar o foro interno do criminoso, ao invés de considerar o bem jurídico protegido. Por isso é considerado como de caráter discriminatório, totalmente contrário à dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido a lição contida em Direitos Humanos dos Presos: lei de execução penal (MAIA NETO, Cândido Furtado, 1998, pág. 147):
"O instituto da reincidência é polêmico e incompatível com os princípios reitores do Direito Penal democrático e humanitário, uma vez que a reincidência na forma de agravante criminal configura um plus para a condenação anterior já transitada em julgado. Quando o juiz agrava a pena na sentença posterior, está, em verdade, aumentando o quantum da pena do delito anterior, e não elevando a pena do segundo crime."
A propósito, na obra Reincidência: um conceito do direito penal autoritário (ZAFFARONI, Eugênio Raul, 1990, pág. 56), o autor adverte que no discurso jurídico-penal do iluminismo sob a proteção da secularização e da tolerância, o crime passou a ser a descrição legal da conduta; o infrator aquele que transgrediu o contrato social; e a punição, como significado da intervenção do Estado na sua liberdade. Essa Riforma Leopoldina, publicada por Pietro Leopoldo di Lorena em 30 de novembro de 1786, é considerada como o texto simbolizador da racionalidade e humanidade, o verdadeiro manifesto de civilização penal. Em seu parágrafo 57, o estatuto preconizava que depois de executada a sanção imposta pela prática de conduta descrita como crime, as pessoas não poderão ser consideradas como infames, para nenhum efeito, nem ninguém poderá jamais reprovar-lhes por seu delito passado, que deverá se considerar plenamente purgado e expiado com a pena sofrida.
Mas, essas ideias foram soçobradas no século XIX, com a concentração no Código Penal de 1940, de uma política criminal tratando dos tipos de autor, mais do que nos de delito, surgindo a tipologia de delinquentes reincidentes, com preceitos secundários mais severos, aptos a açular os delinquentes nessas situações ao catálogo dos incorrigíveis ou irrecuperáveis.
Porém, atualmente temos reações a essas teorias antigarantistas e autoritárias.
Na obra Aplicação da pena e garantismo (CARVALHO, Salo, 2001, pág. 12) destaca que o próprio Código Penal Colombiano, dispõe no artigo 8º, a proibição dessa considerada dupla imputação, independente da denominação jurídica dispensada. Já o sistema penal germânico revogou a agravante genérica da reincidência por considerá-la violadora ao princípio da culpabilidade. Igual providência foi adotada pelo ordenamento espanhol. Aliás, ressalta o autor que a culpabilidade traz como consequência material a responsabilidade pelo fato e não pelo autor.
Assim, resta entender que na verdade a reincidência escoa de interesse unicamente do Estado classificando as pessoas em cumpridoras e descumpridoras das normas e este entendimento na atualidade está em colapso com os princípios liberais da secularização e da culpabilidade, visto se subsumirem apenas na subjetividade do infrator, em total afronta à dignidade humana.
3. Fiança e hipossuficiência
É salutar que seja registrado ser a liberdade um bem jurídico absoluto e imprescindível à dignidade humana, não devendo, pois, jamais curvar-se as relativizações.
Porém, em contrapartida temos o instituto da prisão cautelar, ligada à garantia de aplicação da paz e segurança jurídica.
Entremeando-os há a liberdade provisória, com ou sem ônus pecuniário. Há situações em que a pessoa investigada e presa pela prática de um delito, seja liberta de forma a responder sua incriminação fora do cárcere. Quando há o livramento sem a necessidade de caução real o conceito jurídico dado é liberdade provisória sem pagamento de fiança e havendo a necessidade do valor economicamente apurável se denomina liberdade provisória com pagamento de fiança.
Em alguns casos, como nos crimes punidos com detenção e prisão simples, a autoridade policial poderá conceder a fiança. Nos demais, o pedido deverá ser analisado pela autoridade judiciária. O entendimento é que, satisfeitos os requisitos legais, a fiança deve ser concedida pelas autoridades.
O autor do Manual de Processo Penal (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 1997, pág. 471) ao falar sobre a fiança destaca que:
"É uma garantia real, ou caução. Consiste em depósito em dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ou até mesmo hipoteca inscrita em primeiro lugar" e "visa a assegurar, no caso de condenação, o pagamento das custas processuais, a satisfação do dano ex-delito e eventual multa".
Na mesma esteira o comentário na obra Código de Processo Penal Interpretado (MIRABETE, Julio Fabbrini, 2002, pág. 848) esclarecendo que a fiança "é uma garantia real de cumprimento das obrigações processuais do réu."
É esta garantia, esta fiança exigida e aferida na fase da investigação policial que é o foco deste trabalho.
O momento exato da deliberação a respeito da sua concessão ou não, é o que nos interessa.
Aliás, a expressão arbitrar tem como sentido axiológico o significado de julgar como árbitro; determinar, fixar por arbítrio; atribuir judicialmente. Já a terminologia fixar traz o tino de firmar, pegar, estabelecer, aferrar-se.
Disto decorre que, malgrado em nosso ordenamento adjetivo criminal seja empregado as expressões "conceder e fixar" como desiderato para os casos em que o instituto da fiança é aplicado tanto pelo delegado de polícia como pelo magistrado, diferenças existem entre as situações.
O delegado de polícia somente poderá conceder a fiança quando a infração penal for punida com detenção ou prisão simples. Nos demais casos a fiança será pleiteada junto ao juiz. Então, é forçoso concluir que a terminologia arbitrar fiança deve jungir-se àquelas situações açambarcadas pela fiança determinada pelo magistrado e nos casos em que a fiança é concedida pelo delegado de polícia, se deve falar em fixação do seu valor.
Assim, o delegado de polícia fixa o valor da fiança, enquanto juiz arbitra o seu valor.
O ordenamento adjetivo criminal, taxativamente elenca as situações pelas quais não será concedida a fiança. Em seu art. 323 trata que:
Não será concedida fiança:
I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a 2 (dois) anos;
II - nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da lei das contravenções penais;
III - nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; (destaquei)
IV - em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio;
V - nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça.
Este capítulo também trata da disposição para a autoridade policial conceder a fiança, ou seja, nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples.
O legislador assevera que, nos demais casos, inclusive do art. 323, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Desta forma após a lavratura do auto de prisão em flagrante delito, a Autoridade Policial concederá fiança nos casos de infração punida com pena de detenção ou prisão simples. Mas, não poderá fazê-lo ante as circunstâncias elencadas nos cinco Incisos do art. 323 do CPP.
Para o cálculo do valor da fiança o art. 325 do mencionado Código e as demais construções sacramentais a ele jungidas, denotam que o quantum a ser exigido pela autoridade que irá concedê-la leva em consideração a pena máxima abstratamente prevista para o tipo penal, agindo entre um mínimo e máximo do salário mínimo de referência. Mais que isto, o aumento do seu valor poderá ser levado a efeito pela autoridade judiciária, mas a redução poderá ser realizada pela autoridade policial. Os valores, depois de definidos ainda poderão sofrer a incidência do reforço, cassação e da quebra.
Dentre elas temos o obstáculo quando o "réu" já tiver sido condenado por outro crime doloso. A proibição consiste em haver a condenação anterior e não ao instituto da reincidência.
Disso decorre que, mesmo já tendo ocorrido o quinquênio previsto para a aplicação da reincidência, o delegado de polícia não pode fixar a fiança, pois o legislador preconiza a condenação anterior e não a reincidência.
Por outro turno, se questiona a mantença pelo delegado de polícia do infrator preso por não ter condições de prestar a fiança, aguardando assim apenas a autoridade judiciária poder libertá-lo sem a fiança.
Malgrado a abolição da prisão por dívida civil, a falta de liberação do infrator em delitos afiançáveis ante a ausência da satisfação do valor da fiança, ainda que reduzida, ofende e viola a dignidade da pessoa humana, o princípio da inocência e o pacto supremo.
A solução para a não satisfação da fiança seria o compromisso do preso, ainda na fase policial e perante o delegado de polícia, ao ser colocado em liberdade sem o seu recolhimento, demonstrar a sua hipossuficiência e, na eventualidade de condenação posterior a fiança legalmente não paga, poder ser cobrada como dívida de valor.
Os protagonistas e servidores do Direito devem trabalhar integrados e na mesma missão buscando a Justiça, com o foco na diminuição da delinquência prevenindo e reprimindo as infrações.
Na busca das respostas e soluções dos conflitos sociais, a primeira das respostas é a cidadania geral, seguida pelo devido processo legal e, por fim, a pena como reintegração social do infrator.
A prestação jurisdicional, desde a primeira interferência do estado investigação até a condenação necessita tutelar os direitos individuais indisponíveis, zelando assim pela dignidade da pessoa humana.
No Estado Democrático de Direito, cujo pilar é a aplicação da justiça solidária, é inadmissível que a impossibilidade financeira do preso em prestar caução seja obstáculo para a conquista da sua liberdade no decorrer do inquérito policial ou processo, ainda mais no caso de prisão processual, muito questionada ante ao princípio da inocência.
Cabe assim aos profissionais das carreiras jurídicas zelar pelo direito subjetivo do preso e a preservação do seu status libertatis, ainda mais quando haja ameaça por ser menos afortunado financeiramente ao acesso pleno à justiça.
3.1 Fiança no anteprojeto de reforma do CPP
O instituto da fiança no anteprojeto de reforma do código de Processo Penal está no livro das medidas cautelares. Continuará tendo a natureza jurídica de caução para permitir a liberdade do preso. (BRASIL. SENADO. Comissão de juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Brasília: Senado Federal, 2009).
O diferencial marcante consiste no fato de que a Autoridade Policial passará a concedê-la, independentemente da quantidade da pena aos delitos punidos com detenção ou prisão simples e aos delitos apenados com reclusão, com pena fixada em limite não superior a 5 anos. A exceção será aos delitos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, para os quais não poderá fixar o valor.
Concomitantemente não há a restrição de apenas a autoridade judicial libertar o preso que não tenha condições para satisfazê-la.
O legislador inovou e, dando celeridade ao atendimento das garantias do cidadão, ainda que infrator da lei, prevê no anteprojeto que o delegado de polícia poderá determinar a soltura do preso que, a toda evidência, não tiver condições econômicas mínimas para efetuar o pagamento da fiança (§4.º, do art. 566).
Medida de extrema justiça para as classes dos menos favorecidos, os hipossuficientes, pois que enquanto infratores da lei, são e devem sempre ser e receber as mesmas benesses dos infratores mais abastados, os quais, por suas situações já conseguem melhores defesas e maiores chances de reexames das suas condutas.
Do mesmo modo que inovou no anteprojeto ao estender para o delegado de polícia o reconhecimento de qualquer causa excludente da ilicitude para deixar de efetuar a prisão (§ 6º, do art. 550), o legislador busca evoluir no caso da fiança.
Houve também mudanças, ou melhor, também se pretendem mudanças quanto aos valores para a sua fixação. Aliás, há o emprego dessa terminologia fixação. Os valores poderão ser de 1 até 200 salários mínimos de acordo com a previsão abstrata da pena máxima do tipo infringido.
A possibilidade de redução permanece estendida aos delegados de polícia, mas a majoração continua privativa da autoridade judicial. E, estão mantidos os institutos da cassação e da quebra da fiança.
4 Conclusão
A conclusão da pesquisa vislumbra que o novo legislador busca corrigir falhas existentes na atual legislação, que de forma classista disponibiliza melhores benesses aos mais favorecidos. Assim, se busca obediência ao princípio da dignidade humana e da justiça solidária.
Resta ainda aos estudiosos do Direito continuar na empreitada das pesquisas visando alcançar as entrelinhas daquilo que o legislador deixa de definir.
Continua o entendimento dos doutos que ante ao dinamismo do mundo e do Direito, a reincidência possui prazo de validade quinquenal, enquanto que o óbice para a fixação da fiança pelo delegado de polícia é tão somente a condenação anterior transitada em julgado.
Disso decorre que, não é necessário ser o réu reincidente para obstaculizar a deliberação da fiança ao novo delito praticado, mas apenas que ele tenha sofrido condenação anterior por crime doloso já transitada em julgado, independentemente do lapso temporal entre o delito ora afiançável e o antigo objeto da prestação jurisdicional.
Então, ainda que entendido como uma pena perpétua a expressão condenação anterior por crime doloso transitada em julgado, o intuito é o de não depositar nova confiança àquele que outrora já praticou uma conduta com vontade ou assumiu o risco de produzi-la.
Enfim, esperamos que a pesquisa pudesse de alguma forma auxiliar os profissionais da carreira jurídica, em especial aos delegados de polícia, os primeiros profissionais com conhecimento do Direito e que irão dispensar ao infrator da lei as medidas primitivas impostas pelo Estado.
5 Referências
BRASIL, Decreto-lei n.º 2.848/1940. 39ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
BRASIL, Decreto-lei n.º 3.689/1941. 4ª Ed. São Paulo: RT, 1999.
BRASIL. SENADO. Comissão de juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Brasília: Senado Federal, 2009. Disponível em https://legis.senado.gov.br/mate-pdf/58503.pdf.
Acesso em 07.04.2011
CAPEZ, Fernando Curso de Direito Penal, 2001.
CARVALHO, Salo Aplicação da pena e garantismo, 2001.
COSTA JUNIOR, Paulo José da, 2000.
FRAGOSO, Heleno Claudio Lições de Direito Penal: parte geral, 2004.
MAIA NETO, Cândido Furtado Direitos Humanos dos Presos: lei de execução penal, 1998.
MESTIERI, João Manual de Direito Penal, parte geral, 2002.
MIRABETE, Julio Fabbrini Código de Processo Penal Interpretado, 2002.
NUCCI, Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado, 2008.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa Manual de Processo Penal, 1997.
ZAFFARONI, Eugênio Raul direito penal autoritário, 1990.
ZAFARONI, Raul; PIERANGELI, José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro, 2002.
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*Delegado de Polícia Titular da DIG; Professor Universitário da REGES (Rede Gonzaga de Ensino Superior)
**Delegado de Polícia Seccional de Dracena; Professor Universitário da REGES (Rede Gonzaga de Ensino Superior)
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