Os fins justificam os meios? Garantias individuais x abuso policial*
Leonardo Costa de Paula**
O olhar docente que se apresenta se fundamenta numa clássica frase de NIETZSCHE: Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.
Uma escrivã da Polícia de São Paulo estava sendo investigada por aceitar suborno. O objeto do crime? R$250,00 que teriam sido aceitos para que não fosse feito o registro de uma ocorrência.
Feito todo o circo estatal, com câmera, mais de oito servidores públicos, entre policiais e delegados presentes, exigiu-se que a escrivã se despisse diante da câmera para comprovar se havia ou não dinheiro dentro de suas vestes.
Depois de horas de filmagens, a escrivã não se opôs a tirar a roupa, desde que fosse feita somente na presença de Policiais femininas, direito e garantia dela. As policiais chegaram e sob a ordem do delegado retiraram suas vestes.
Quem assiste ao vídeo fica estarrecido, são cenas chocantes e abalam qualquer ser humano normal. Mas os delegados foram incontestes, a cena mais parece a de um estupro do que a de uma revista, feito na frente de todos os policiais presentes.
O dinheiro? Apareceu, mas a filmagem não consegue mostrar se realmente saiu da calça dela e na dúvida, in dubio pro reo. Ou seja, a filmagem, o teatro, o circo de nada serviram. O palhaço? O cidadão, o acusado, que é o mais fraco, sempre.
Daí que, questiona-se: será que de tanto buscar criminalizar o alheio, de tanto tentar a qualquer custo a busca pela prova se permitirá ferir direitos e garantias individuais? Permitir-se-á aparecer um caso tão avassalador sem nada acontecer?
Quem busca a condenação, quem busca o criminoso, então deverá se contentar, sim, em buscar os reais criminosos desse sistema aviltante.
A corregedoria de polícia tinha arquivado o procedimento administrativo contra os delegados, depois de o vídeo ter vazado na internet resolveram reabrir o caso para poder perseguir os reais criminosos.
Daí o que temos? Só a publicidade salvou a acusada. Agora, quem sabe, vai se perseguir o monstro certo.
Os fins justificam os meios? Em qual lixeira vamos jogar nossas garantias para permitir ações que se assemelham ao do próprio criminoso que se persegue? De tanto combater a monstruosidade, aquele que persegue o monstro se confunde com seu objeto de adoração, o criminoso, e com isso se torna mais próximo do abismo depois de tanto o observar.
________________
*Publicado originalmente no Boletim da Universidade Candido Mendes
**Professor de Introdução ao Direito e de Direito Processual Penal da Universidade Candido Mendes - Tijuca e sócio do escritório Gamil Föppel Advogados Associados, com foco de atuação no Rio de Janeiro
________________